Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos n. 994.01.096162-3 (079.250-0/3-00)

Autor: Prefeito Municipal de São Paulo

Objeto de impugnação: Lei Municipal n. 13.092, de 7 de dezembro de 2000

 

 

 

Ementa:

 

1) Lei n. 13.092, de 7 de dezembro de 2000, do município de São Paulo, que institui Programa de Recuperação Fiscal – REFIS – no município e contem normas heterotópicas dispondo sobre redução da base de cálculo e reconhecendo crédito tributário em prejuízo do erário municipal.

 

2) Violação do § 6º do art. 150 da CF e do art. 163, § 6º, da Constituição do Estado. Impossibilidade de redução de base de cálculo e de concessão de crédito por lei que não seja específica.

 

3) Entendimento do Pretório Excelso de que não é de competência legislativa privativa do Poder Executivo a elaboração de leis tributárias que concedem benefícios fiscais.

 

4) Embora questionável sob o prisma ético, a norma decorre de opção política do legislador, que não pode ser acoimada de ilegítima tão-somente em função do fato antecedente.

 

5) Parecer pela procedência parcial.

 

 

 

 

 

 

 

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

Colendo Órgão Especial

 

Insignes Desembargadores

 

 

O Prefeito Municipal de São Paulo formulou a presente ação direta objetivando a declaração de inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 13.092, de 7 de dezembro de 2000, que instituiu o Programa de Recuperação Fiscal – REFIS – no âmbito do município de São Paulo.

Adotando-se o relatório de fls. 634/638 e acrescentando que o Senhor Procurador-Geral do Estado, regularmente citado, declinou de realizar a defesa do ato normativo (fls. 646/648), passo a analisar o mérito da presente ação direta.

É importante destacar que a Lei Municipal n. 13.092/2000 é decorrente de projeto de iniciativa do Poder Executivo (fls. 265). Com efeito, o então Prefeito Celso Pitta encaminhou o projeto de lei versando sobre o Programa de Recuperação Fiscal – REFIS, no município de São Paulo.

Referido projeto recebeu parecer favorável das competentes Comissões Legislativas (fls. 280/281). Foram realizadas as audiências públicas previstas constitucionalmente (fls. 284 e 319).

Durante a tramitação do projeto legislativo, foram apresentados Substitutivos, prevendo a alteração de vários dispositivos legais (fls. 363, 365, 375). Na sessão de 6 de dezembro de 2000 foi aprovado o Projeto de Lei n. 372/2000 (fls. 385), sendo devidamente promulgado (fls. 396).

A Prefeita Marta Teresa Suplicy, então, ajuizou a presente ação direta.

Em Decisão proferida a fls. 32/36, o Excelentíssimo Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça negou o pedido de liminar formulado na exordial.

Em juízo de retratação, Sua Excelência reformulou parcialmente a decisão anterior, para suspender a vigência e a eficácia dos arts. 15 e 16 da Lei Municipal n. 13.092/2000, por entender que referidos dispositivos legais “constituem corpos estranhos a uma lei de recuperação fiscal, ferindo, por conseqüência, o preceito sensível do parágrafo 6º do artigo 150 da Constituição Federal, de observância obrigatória – por determinação explícita – aos Estados e Municípios”.

Referidos dispositivos legais, realmente, são inconstitucionais, pois violam o disposto no § 6º do art. 150 da CF.

Referido preceito constitucional é dirigido a todas as entidades da Federação, de tal forma que lei municipal não pode conceder subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, sem que o faça por lei específica.

O § 6º do art. 150 da CF estabelece que:

Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g.

No mesmo sentido o disposto no art. 163, § 6º, da Constituição do Estado, ao exigir que qualquer renúncia fiscal (subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão) decorra de lei estadual específica.

Considerando que o objetivo da lei era instituir o REFIS, no município de São Paulo, destoa desse propósito a redução da base de cálculo determinada pelo art. 15, bem como o benefício instituído pelo art. 16, que significa, em última análise, o reconhecimento de crédito tributário.

Restou evidenciado, portanto, verdadeiro abuso do poder de legislar, conforme vem decidindo o Pretório Excelso, ante a proibição constitucional: “A outorga de qualquer subsidio, isenção ou crédito presumido, a redução da base de calculo e a concessão de anistia ou remissão em matéria tributaria só podem ser deferidas mediante lei especifica, sendo vedado ao Poder Legislativo conferir ao Chefe do Executivo a prerrogativa extraordinária de dispor, normativamente, sobre tais categorias tematicas, sob pena de ofensa ao postulado nuclear da separação de poderes e de transgressão ao princípio da reserva constitucional de competência legislativa. Precedente: ADIn 1.296-PE, Rel. Min. CELSO DE MELLO” (ADI 1247 MC / PA – PARÁ).

Quanto aos dispositivos legais que envolvem a exclusão total dos juros da mora e perdão total das multas, que, no entender do autor da presente ação direta, constitui benesse inominável, entendemos que não há possibilidade de pronúncia de inconstitucionalidade, por força do entendimento do Supremo Tribunal Federal no sentido de que “a reserva de iniciativa prevista no art. 165, II da Carta Magna, por referir-se a normas concernentes às diretrizes orçamentárias, não se aplica a normas que tratam de direito tributário, como são aquelas que concedem benefícios fiscais”.

Nesse sentido, para ilustrar, a decisão proferida no julgamento do RE 305.178/SP (DJe-026, publicado em 11/02/2010).

Além disso, cabe distinguir os institutos da isenção, remissão e anistia (cf. CARRAZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 6ª. ed., rev. e ampl., São Paulo: Malheiros, 1994, p. 390/392).

A isenção é uma limitação legal do âmbito da validade da norma tributária. Impede que o tributo nasça.

A remissão é o perdão legal do débito tributário. Faz sumir o crédito tributário constituído.

A anistia é a exclusão do crédito tributário relativo às penalidades e ainda não constituído. Incide exclusivamente sobre a multa, isto é, sobre a sanção do ato ilícito tributário.

Ao lado desses conceitos, há o da imunidade tributária, que se constitui numa hipótese de não-incidência constitucionalmente qualificada.

No caso em tela, há previsão legal de anistia das penalidades, sem renúncia à arrecadação do tributo.

Não há evidência, em tese, de ofensa ao princípio da igualdade tributária, que consiste em tratar da mesma maneira quem está na mesma condição. Haveria ofensa ao princípio da isonomia se a lei tributária selecionasse pessoas, físicas ou jurídicas, e as tributasse arbitrariamente levando em conta, por exemplo, o sexo, a profissão, o credo religioso, as convicções políticas, etc. (CARRAZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 6ª. ed., rev. e ampl., São Paulo: Malheiros, 1994, p. 55).

Não há contrariedade ao referido princípio quando todos os contribuintes são tributados da mesma forma em razão de uma determinada situação jurídica.

Embora questionável sob o prisma ético, a norma decorre de opção política do legislador, que não pode ser acoimada de ilegítima tão-somente em função do fato antecedente (que, aliás, não pode ser sindicado em ADIN).

Não se vislumbra ofensa aos princípios da igualdade e da impessoalidade, porque os dispositivos sindicados não se dirigem a contribuintes específicos, mas a todos aqueles que se encontram em idêntica situação jurídica.

Os princípios constitucionais destacados estão atendidos quando o legislador e o administrador perseguem uma finalidade pública, de maneira impessoal, como parece ter ocorrido no caso dos autos.

Portanto, o parecer é no sentido da parcial procedência da presente ação direta, para que seja declarada a inconstitucionalidade dos arts. 15 e 16 da Lei Municipal n. 13.092/2000.

São Paulo, 16 de março de 2010.

 

 

 

 

Maurício Augusto Gomes

Subprocurador-Geral de Justiça

- Assuntos Jurídicos –

 

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