Parecer
Autos nº. 994.09.001629-7
(176.572-0/0-00)
Requerente: Associação dos Procuradores Concursados do Município de Guarulhos
Objeto: parte do art.1º, caput, da Lei Municipal nº 3.548/89 e parte do art. 1º, caput, da Lei Municipal nº 5.426/99, ambas do Município de Guarulhos
Ementa: Rateio de honorários sucumbenciais. Leis que determinam a inclusão dos Secretários de Assuntos Jurídicos, dos Procuradores-Chefes, Diretores dos Departamentos Jurídicos e Consultores Jurídicos. Ausência de violação aos princípios da moralidade, razoabilidade e finalidade. Princípio da isonomia. Eventual colisão com Lei Federal. Crise de legalidade. Impossibilidade de controle abstrato de normas.
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, movida pela Associação dos Procuradores Concursados do Município de Guarulhos, tendo por objeto parte do art.1º, caput, da Lei Municipal nº 3.548/89 e parte do art. 1º, caput, da Lei Municipal nº 5.426/99, ambas do Município de Guarulhos, que determinam a integração dos honorários de sucumbência pagos ao Município, na remuneração dos Procuradores Chefes e dos Diretores dos Departamentos Jurídicos (a primeira) e dos Consultores Jurídicos (e adjuntos) e dos Secretários de Assuntos Jurídicos (a secunda).
Sustenta a autora que as impugnadas Leis afrontam o art. 111 da Constituição Paulista "por amesquinhar os princípios da moralidade, razoabilidade e finalidade", já que os apontados beneficiários encontram-se impedidos de advogar e, portanto, não poderiam ser remunerados com a verba de sucumbência.
O pedido liminar foi indeferido (fls. 174), cuja decisão restou mantida em sede de Agravo Regimental (fls.200/204).
O Município, representado pelo Sr. Prefeito Municipal, prestou informações às fls. 116/128. Defende a constitucionalidade das normas e argúi ilegitimidade de parte ativa, em preliminar.
A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 193/195).
Este é o breve resumo do que consta dos autos.
A preliminar há de ser afastada, porquanto a legitimidade da autora para a propositura da presente ação direta advém, ao menos em tese, do art.90 V da Constituição do Estado de São Paulo, que prevê a iniciativa de “entidades sindicais ou de classe, de atuação estadual ou municipal, demonstrando seu interesse jurídico no caso”.
No mérito, entretanto, a improcedência da ação é de rigor.
Por primeiro, registre-se que, ao se determinar a inclusão dos Secretários de Assuntos Jurídicos, dos Procuradores Chefes, Diretores dos Departamentos Jurídicos e Consultores Jurídicos no rateio de valores percebidos a título de honorários de sucumbência, o que se vê é antes a defesa do princípio da isonomia, já que se procura igualá-los aos Procuradores do Município de Guarulhos, do que violação aos princípios da moralidade, razoabilidade e finalidade.
Todos estes servidores, conquanto não possam advogar, como se alega, têm suas funções análogas aos demais Procuradores do Município, na medida em que atuam na defesa jurídica do Município. Logo, devem também fazer parte da divisão do que se percebe a título de honorários sucumbenciais.
É, portanto, no mínimo razoável que se proceda ao rateio da forma como previsto.
Assim, não se pode, a princípio, impingir à legislação impugnada ofensa aos princípios da razoabilidade, moralidade e finalidade.
Veja-se, ademais, que a disciplina da remuneração dos agentes públicos conta
com amparo em diversos dispositivos constitucionais, sendo necessário,
entretanto, para solucionar a hipótese em exame, verificar quais os parâmetros
que poderiam ser extraídos do ordenamento constitucional.
Especialmente
no que tange à Advocacia Pública, a matéria foi disciplinada na Constituição
Federal, entre os arts. 131 e 135, englobando as carreiras da Advocacia da
União, Procuradorias Estaduais e Defensorias Públicas dos da União e dos
Estados.
Nesse
contexto, o art. 135 da CR, formulando remissão ao art. 39, § 4º da própria
Carta, determinou que os integrantes de tais carreiras sejam remunerados por
meio de sistema de subsídios, que se concretiza na retribuição pecuniária em
parcela única, vedados acréscimos de parcelas de outras espécies.
Nessa
mesma senda, o art. 98, § 1º da Constituição Paulista determina a aplicação aos
Procuradores do Estado do que dispõe o art. 135 da Constituição Federal, ou
seja, o regime estipendiário pelo sistema de subsídios.
Contudo,
tais dispositivos, ao tratarem especificamente do regime jurídico das
instituições integrantes da denominada Advocacia Pública no plano
exclusivamente Federal e Estadual, não servem como parâmetro indicativo de
limites à autonomia do legislador municipal, no que tange à disciplina jurídica
das Procuradorias Municipais.
Por
outro lado, embora o art. 4º da Lei Federal 9527/97 exclua a aplicação das
regras da Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia), referentes ao regime de
partilha de honorários, aos advogados que integram quadros da Administração
Direta ou Indireta da União, Estados, Distrito Federal e Municípios (com o
conseqüente afastamento da previsão de partilha de honorários pelos advogados
empregados, cf. art. 21 do Estatuto da Advocacia), isso não afasta a autonomia
municipal para regulamentar a matéria através de lei local.
Aliás,
a supor-se, por mera argumentação, eventual conflito entre as Leis Municipais
ora examinadas e o próprio Estatuto da Advocacia ou a Lei 9527/97, estar-se-ia
no plano da crise de legalidade, que
não autorizaria a instauração da jurisdição constitucional.
A
esse propósito, é oportuno averbar a advertência feita pelo i. Min. Celso de
Mello, do E. STF: “A ação direta não pode ser degradada em sua
condição jurídica de instrumento básico de defesa objetiva da ordem normativa
inscrita na Constituição. A válida e adequada utilização desse meio processual
exige que o exame ‘in abstracto’ do ato estatal impugnado seja realizado
exclusivamente à luz do texto constitucional. Desse modo, a inconstitucionalidade
deve transparecer diretamente do texto do ato estatal impugnado. A prolação
desse juízo de desvalor não pode e nem deve depender, para efeito de controle
normativo abstrato, da prévia análise de outras espécies jurídicas
infraconstitucionais, para, somente a partir desse exame e num desdobramento
exegético ulterior, efetivar-se o reconhecimento da ilegitimidade
constitucional do ato questionado” (ADI-MC n.º 842 - DF, RTJ 147/545-546).
Frise-se,
portanto, que eventual alegação de afronta à legalidade não rende ensejo ao
controle abstrato de normas, dado que se alguma ofensa houvesse ao referido
princípio, ela seria apenas indireta ou reflexa, por depender a sua aferição do
exame prévio de espécie normativa infraconstitucional, o que, porém, é terminantemente
vedado nas ações desta natureza.
A inclusão dos Secretários de Assuntos Jurídicos, Procuradores-Chefes, Diretores dos Departamentos Jurídicos e Consultores Jurídicos, no rateio dos honorários, previsto nas leis municipais, por si só, como visto, não autoriza a instauração do controle abstrato de normas, nem viola os princípios da moralidade, razoabilidade e finalidade.
Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da improcedência da presente ação.
São Paulo, 17 de março de 2010.
Maurício Augusto Gomes
Subprocurador-Geral de Justiça
- Assuntos Jurídicos -
fjyd