Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 994.09.223296-1 (185.204-0/2)

Requerente: Prefeito do Município de Itatiba

Objeto: Lei nº 4.194, de 1º de setembro de 2009, do Município de Itatiba

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito, tendo por objeto a Lei Municipal nº 4.194/09, de Itatiba/SP, que “cria a ‘Casa do Adolescente’ no Município de Itatiba”, de autoria de vereador. Ato normativo que cria órgão na Administração Pública e aumenta a despesa corrente, demandando projeto de iniciativa do chefe do Executivo. Ofensa ao princípio da separação dos poderes. Violação dos art. 25; 47, II; e 144 da Constituição do Estado. Parecer pela procedência da ação.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Itatiba, tendo por objeto a Lei Municipal n.º 4.194/09, que “cria a ‘Casa do Adolescente’ no Município de Itatiba”.

O autor noticia que o projeto foi concebido por Vereador e que, depois de aprovado, recebeu sanção tácita, sendo a lei promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal. Como o ato normativo criou órgão da Administração Pública, estaria, segundo o promovente, em desacordo com a Constituição Paulista, artigos 5º; 24, § 2º; 25; 144 e 176, I.

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 16).

O Presidente da Câmara Municipal prestou informações sobre o processo legislativo (fls. 30 e ss.).

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 26/28).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

O Município de Itatiba não é parte legítima para a ação direta de inconstitucionalidade, nos termos do art. 90 da Carta Paulista. De toda sorte, como o Prefeito assina a inicial, a irregularidade pode ser superada.

No mérito, a ação procede.

Como se sabe, o processo legislativo, compreendido o conjunto de atos (iniciativa, emenda, votação, sanção e veto) realizados para a formação das leis, é objeto de minuciosa previsão na Constituição Federal, para que se constitua em meio garantidor da independência e harmonia dos Poderes (cf. Hely Lopes Meirelles. Direito Municipal Brasileiro, 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2008, p. 675).

O desrespeito às normas do processo legislativo, cujas linhas mestras estão traçadas na Constituição da República (cf. Alexandre de Moraes. Direito Constitucional, 23ª. ed., São Paulo: Atlas, 2008, p. 641), conduz à inconstitucionalidade formal do ato produzido, que poderá sofrer o controle repressivo difuso ou concentrado por parte do Poder Judiciário.

A iniciativa é o ato que deflagra o processo legislativo. Pode ser geral ou reservada (ou privativa). No primeiro caso, vereador, Mesa, comissão da Câmara, prefeito ou a população podem titularizar o projeto. No segundo, há um único titular.

A lei impugnada originou-se de projeto cunhado na Câmara dos Vereadores (fls. 30), o que se constitui clara ofensa à Constituição do Estado, pois somente ao Chefe do Poder Executivo assiste a iniciativa de leis que criem – como é o caso – órgãos da Administração e obrigações e deveres para outros já existentes (art. 47, inc. II da Constituição Estadual, de aplicação extensível aos municípios por força do art. 144 da mesma Carta).

De fato, a lei em análise criou a “Casa do Adolescente’ (art. 1º) e, em conseqüência, impõe ônus à Prefeitura, como o de prover os recursos humanos, financeiros e materiais para o funcionamento desse órgão.

Invadiu-se claramente a seara da administração pública, da alçada exclusiva do Prefeito, violando-se a prerrogativa deste em analisar a conveniência e oportunidade das providências que a lei quis determinar. Bem por isso, a matéria somente poderia objeto de tramitação legislativa por proposta do próprio Chefe do Poder Executivo.

Ofendeu-se, igualmente, o princípio basilar da separação de poderes. Como já proclamou esse Sodalício:

“Ao Executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito” (Adin n. 53.583-0, rel. Des. FONSECA TAVARES).

Nesse panorama, divisa-se como solução deste processo a declaração de inconstitucionalidade, pois “se a Câmara, desatendendo à privatividade do Executivo para esses projetos, votar e aprovar leis sobre tais matérias, caberá ao prefeito vetá-las, por inconstitucionais. Sancionadas e promulgadas que sejam, nem por isso se nos afigura que convalesçam do vício inicial, porque o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais, inerentes às suas funções, como não pode delegá-las ou aquiescer que o Legislativo as exerça” (Hely Lopes Meirelles. Direito Municipal Brasileiro, 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2008,  p. 748).

No caso dos autos, entretanto, existe outro fundamento, igualmente relevante, que, por si só, demandaria o reconhecimento da inconstitucionalidade.

A regra do art. 25 da Constituição do Estado, incidente por força do art. 144 da Carta Magna Bandeirante, é fortemente influenciada pela noção de responsabilidade fiscal. Exige ela que projeto de lei que implique criação ou aumento de despesa pública contenha a previsão dos recursos disponíveis para o atendimento dos novos encargos.

Na hipótese em análise é intuitivo que a criação da ‘Casa do Adolescente’ gera despesas para o Erário Municipal, de responsabilidade do Prefeito. E a lei, como se vê, não contém nenhum elemento indicador de sua provisão, não sendo suficiente a indicação genérica contida no art. 2º, do que decorre sua incompatibilidade com o texto constitucional.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 4.194/2009.

São Paulo, 8 de abril de 2010.

 

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

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