Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

 

Autos nº. 994.09.223332-2 (185.240-0/6)

Requerente: Prefeito do Município de Rosana

Objeto: Lei nº 1.115, de 10 de setembro de 2009, do Município de Rosana

 

Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade, ajuizada pelo Prefeito do Município de Rosana, da Lei nº 1.115, de 10 de setembro de 2009, do mesmo município, que “dispõe sobre a criação da Controladoria Geral da Câmara Municipal de Rosana”. Preliminares: falta de indicação de parâmetro constitucional válido e defeito na representação. Extinção do processo. Mérito: o Poder Legislativo criou instrumento de controle interno da Administração não previsto na Constituição do Estado, violando, portanto, o princípio da separação dos poderes (art. 5º, CE). Parecer pela procedência do pedido.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Rosana, tendo por objeto a Lei nº 1.115, de 10 de setembro de 2009, do mesmo município, que “dispõe sobre a criação da Controladoria Geral da Câmara Municipal de Rosana”.

Sustenta o autor que a lei em questão, de iniciativa de Vereador, instituiu instrumento de controle interno do Poder Executivo, o que não se coaduna com o art. 31, § 4º, da Constituição Federal (fls. 2/7).

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 94/96).

O Presidente da Câmara Municipal prestou informações (fls. 110 e ss.).

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 106/108).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

 

Preliminares

 

1. Parâmetro de controle inválido

No caso dos autos, a autora confrontou a lei municipal com o art. 31, caput e §§ da Constituição Federal (fls. 3). Deixou de indicar dispositivo da Constituição Paulista que teria sido violado.

Ocorre que o contraste da lei impugnada com a Carta Republicana não viabiliza o controle abstrato, concentrado e direto de constitucionalidade da lei local.

Nessa ação, o único parâmetro a ser considerado é a Constituição do Estado, ex vi do art. 125, § 2º da Constituição Federal, sob pena de extinção do processo, sem julgamento de mérito, por impossibilidade jurídica do pedido.

É como decide esse C. Órgão Especial:

Ação direta de inconstitucionalidade – Lei Municipal nº 6469/03, alternativamente artigos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 10, 11, 12, 13, 14, 16 e 17 da referida Lei, que dispõe sobre a qualificação de entidades como organizações sociais e dá outras providências – Ilegitimidade ativa do sindicato afastada – Ação proposta com base em violação à Constituição Federal – Interesse, na modalidade adequação, ausente – Questionamentos apresentados que invocam a Constituição Federal retirando o conhecimento e competência desta Corte Estadual, assim que não invocados dispositivos da Constituição Estadual – Ação julgada extinta (ADIN nº 139.458-0/9-00, j. 11/10/07, rel. Des. OSCARLINO MOELLER, g.n.).

 

2. Defeito de representação

A petição inicial está assinada exclusivamente pela Procuradora do Município, que, de ordinário, não representa a Prefeita, mas o Município.

Esse E. Tribunal de Justiça tem exigido poderes especiais nas procurações, sendo certo que, no presente caso, estes não foram outorgados (cf. instrumento de fls. 8).

A solução que se preconiza é, de novo, a extinção do processo, sem julgamento de mérito, seguindo a orientação dessa Corte:

Constitucional/Processual Civil - Ação direta de inconstitucionalidade proposta por federação em face da Lei 14.223/06, do Município de São Paulo, que trata da ordenação dos elementos que compõem a paisagem urbana. Ausência de poderes específicos na procuração - Necessidade - Falha que não pode ser sanada após a resposta - Precedentes. Falta de indicação dos dispositivos constitucionais estaduais violados - Referência apenas a princípios genéricos e disposições da Carta da República, além de menção a legislação infraconstitucional - Inviabilidade do pleito - Precedentes. Extinção do processo que se decreta, sem exame do mérito, nos termos do art. 267, IV, do CPC (ADIN nº 143.372-0/4-00, j. 16.01.2008, Des. IVAN SARTORI).

 

Mérito

Superadas as preliminares, reconhece-se que a lei impugnada não se harmoniza com a Constituição Paulista, em especial porque ofende ao princípio da separação dos Poderes de que trata o art. 5º, in verbis:

São poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

O princípio da separação dos poderes é o mecanismo jurídico que serve à organização do Estado, definindo órgãos, estabelecendo competências e marcando as relações recíprocas entre esses mesmos órgãos (Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Do processo legislativo, São Paulo: Saraiva, p. 111/112).

Nessa sensível relação, destaca-se como relevante a missão do Poder Legislativo de controlar os atos do Poder Executivo, no propalado “sistema de freios e contrapesos”.

Esse controle, todavia, é restrito. Há de ser exercido nos estreitos lindes da previsão constitucional, sob pena de se tornar ilegítimo.

O tema é conhecido do E. Tribunal de Justiça.

O C. Órgão Especial tem firme orientação de que “o Legislativo não pode criar forma de controle interno não previsto na Constituição Estadual, em paralelo ao externo nela consagrado” (ADIN nº 172.909-0/0-00, j. 17.06.2009, rel. desig. Des. PALMA BISSON).

Consolidou jurisprudência no sentido de que:

“A Câmara, induvidosamente, detém o poder de fiscalização da atividade da Administração. Tal, contudo, deve obedecer determinados limites. Não pode extravasar sua área de atuação, nem mesmo nessa condição de ente fiscalizador, para impor obrigações aos particulares que contratam como a Administração, menos ainda, aos próprios órgãos públicos, subordinados ao Executivo (...). Importa, na hipótese, isto sim, obstar a quebra da estrutura funcional diferenciada dos órgãos do Poder permitindo a invasão de atribuição exclusiva do Executivo pelo Legislativo (art. 5º, da Constituição Estadual). Louvável a atitude do Poder Legislativo no sentido de buscar uma melhor fiscalização do exercício das atividades e da aplicação do dinheiro público no Município. Inviável, contudo, a fórmula encontrada pela Câmara Municipal, por fraturar o sistema jurídico constitucional do Estado (art. 144, da Constituição Estadual)” (ADIN nº 135.843.0/7-00, rel. Des. MARCUS ANDRADE).

No caso em análise, a lei impugnada criou um inusitado mecanismo de controle do Poder Executivo sem paralelo na Constituição Federal, pois criou órgão constituído por servidores da Câmara Municipal (art. 16) para exercer o controle interno da Administração Direta e Indireta (arts. 1º, 4º, 5º e 6º). Tais servidores detêm prerrogativas incomuns (art. 17), como a autonomia (inc. I), a inamovibilidade (inc. II) e independência em relação ao Alcaide (inc. III), sendo dotados de poder de requisição.  

Desse modo, a norma questionada representa, sem dúvida, ilegítima ingerência da Câmara nos atos de governo e nas prerrogativas do Prefeito, sendo forçoso reconhecer que é violadora do princípio da separação dos poderes.

Desse modo, em que pesem os elevados propósitos que inspiraram o legislador municipal, impõe-se reconhecer a inconstitucionalidade da lei impugnada.

Diante do exposto, opino pela extinção do processo sem julgamento de mérito (o que não obstará nova propositura de ADIN pelo Prefeito) e, no mérito, pela procedência.

 

São Paulo, 8 de abril de 2010.

 

 

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

        - Assuntos Jurídicos -

jesp