Parecer
Autos nº. 994.09.223644-0 (185.025.0/5-00)
Requerente: Prefeito Municipal de Catanduva
Objeto: Lei nº 4.763, de 01 de setembro de 2009, do Município de Catanduva
Ementa: 1) Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal.
Iniciativa parlamentar, que dispõe sobre a “Obrigatoriedade das empresas
prestadoras de serviço de transporte coletivo a colocarem no interior de seus
veículos mini recipientes para lixos que especifica e dá outras providências”. 2) Violação
da separação de poderes. Ato normativo que invade a esfera da gestão
administrativa (art.5º, 47 II e XIV da Constituição Paulista). 3) Quebra
da simetria quanto aos sistemas de controle da administração (art.33, 144 e 150
da Constituição Paulista). 4) Inconstitucionalidade reconhecida.
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito Municipal de Catanduva, tendo por objeto a Lei Municipal n.º 4.763, de 01 de setembro de 2009, daquele município, que dispõe sobre a “Obrigatoriedade das empresas prestadoras de serviço de transporte coletivo a colocarem no interior de seus veículos mini recipientes para lixos que especifica e dá outras providências”.
Depreende-se dos autos, que o projeto que a antecedeu iniciou-se na Câmara Municipal e que, depois de aprovado, foi inteiramente vetado pelo Poder Executivo. O veto foi derrubado e, afinal, a lei foi promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal.
A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 18/21).
O Presidente da Câmara Municipal se manifestou às fls. 35/38, resumindo-se aos trâmites na casa, até a aprovação da lei.
O Procurador-Geral do Estado, por sua vez, alegou não ter interesse nos autos, na medida em que os dispositivos legais atacados, dizem respeito à matéria exclusivamente local, fls. 76/78.
Este é o breve resumo do que consta dos autos.
Em que pese a
boa intenção estampada na propositura legislativa que culminou se transformando
na lei impugnada nesta ação, o ato normativo é verticalmente incompatível com
nossa sistemática constitucional.
A Lei Municipal n.º 4.763, de 01 de
setembro de 2009, de Catanduva, fruto de iniciativa parlamentar, dispõe
sobre a “Obrigatoriedade das Empresas prestadoras de serviço de transporte
coletivo a colocarem no interior de seus veículos mini recipientes para lixos
que especifica e dá outras providências”,
cria
obrigações e estabelece condutas a serem cumpridas pela Administração Pública,
prevendo-lhe a execução de serviços e atividades, onerando-a e
sobrecarregando-a.
Não há dúvida de que, como tal, a
iniciativa parlamentar, ainda que revestida de boas intenções, invadiu a esfera
da gestão administrativa, e como tal, é inconstitucional, por violar o disposto
no art.5º e no art.47 II e XIV da Constituição Paulista.
É ponto pacífico na doutrina, bem como
na jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe primordialmente a função de administrar,
que se revela em atos de planejamento, organização, direção e execução de
atividades inerentes ao Poder Público. De outra banda, ao Poder Legislativo, de
forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja, atos normativos
revestidos de generalidade e abstração.
O legislador municipal, na hipótese
analisada, criou obrigações de cunho administrativo para órgãos que integram a
Administração Pública local (art.3º, § único; art. 5º e seu § único, art. 7º, art.9º,
art.13, art.20, art.22 e art.23).
Abstraindo quanto aos motivos que podem
ter levado a tal solução legislativa, ela se apresenta como manifestamente
inconstitucional, por interferir na realização da gestão administrativa do
Município.
Referido diploma, na prática, invadiu a esfera da gestão administrativa,
que cabe ao Poder Executivo, e envolve o planejamento,
a direção, a organização e a execução de atos de governo. Isso equivale à
prática de ato de administração, de sorte a malferir a separação dos poderes.
Cumpre recordar aqui o ensinamento de
Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode
legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão
própria e privativa: a Câmara estabelece regra para a Administração; a
Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em
atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o
Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que
residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional
(art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou
Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza,
ademais, que “todo ato do Prefeito que
infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que
invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por
ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF,
art.2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15ªed.,
atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo,
Malheiros, 2006, p.708 e 712).
Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder
Legislativo administra, editando leis que equivalem na prática a verdadeiros
atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre
os poderes estatais.
Esse E. Tribunal de Justiça tem
declarado a inconstitucionalidade de leis municipais de iniciativa parlamentar
que interferem na gestão administrativa, com amparo na violação da regra da
separação de poderes, conforme ementas de julgados recentes, transcritas a
seguir:
“Ação direta de inconstitucionalidade. Lei
9882, de 20 de abril de 2007, do Município de São José do Rio Preto.
Obrigatoriedade de ascensoristas nos elevadores dos edifícios comerciais.
Violação ao princípio constitucional da independência entre os poderes.
Inconstitucionalidade declarada. Pedido julgado procedente.” (TJSP, ADI
149.044-0/8-00, rel. des. Armando Toledo, j.20.02.2008, v.u.).
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei Municipal de
Itapetininga n° 4.979, de 28 de setembro de 2.005, do Município de
Itapetininga, que dispõe sobre a obrigatoriedade de confecção distribuição de
material explicativo dos efeitos das radiações emitidas pelos aparelhos
celulares e sobre sua correta utilização, e dá outras providências. Decorrente
de projeto de iniciativa parlamentar, promulgada pela Câmara Municipal depois
de rejeitado o veto do Prefeito - Realmente, há que se reconhecer que a Câmara
Municipal exorbitou no exercício da função legislativa, interferindo em
atividade concreta do Poder Executivo - Afronta aos artigos 5°, 25, e 144 e da
Constituição Estadual. JULGARAM PROCEDENTE A AÇÃO.” (TJSP, ADI 134.410-0/4,
rel. des. Viana Santos, j. 05.03.2008).
Em hipótese
similar à verificada no caso em exame, além do precedente indicado pelo autor
(ADI 150.355-0/0, rel. des. Oscarlino Moelller, j.20.02.2008), confira-se ainda
o seguinte julgado, desse E. Tribunal de Justiça:
“ADIN - Lei da Edilidade que ‘OBRIGA A INSTALAÇÃO DE PLACA
INFORMATIVA
Ademais,
a própria sistemática constitucional, em prestígio ao sistema de “freios e
contrapesos”, estabelece exceções à separação de poderes. Tais ressalvas acabam
por integrar-se, frise-se, às opções fundamentais do constituinte, conferindo o
exato perfil institucional do Estado Brasileiro, no particular quanto à
intensidade da adoção da regra da separação.
Assim, se qualquer emenda
constitucional tendente a abolir o princípio será inconstitucional, por ofensa
à cláusula pétrea contida no art.60 §4º III da CR/88, também será verticalmente
incompatível com o texto constitucional ato normativo de menor positividade que
venha a conflitar com referido núcleo constitucional imodificável.
Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 4.763, de 01 de setembro de 2009, do Município de Catanduva.
São Paulo, 18 de janeiro de 2010.
Maurício Augusto Gomes
Subprocurador-Geral de Justiça
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