Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 994.09.223764-1 (184.905.0/4-00)

Requerente: Prefeito do Município de Lorena

Objeto: § 7º, art. 2º, da Lei nº 2.004/92; § 8º, art. 2º, da Lei nº 2.135/94 e § 8º, art. 2º, da Lei nº 2.143/94, do Município de Lorena

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, promovida por Prefeito, do § 7º, art. 2º, da Lei nº 2.004/92; do § 8º, art. 2º, da Lei nº 2.135/94 e do § 8º, art. 2º, da Lei nº 2.143/94, do Município de Lorena, que determinam a aplicação mensal de 2% da receita orçamentária ao Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. Preliminar. Os atos normativos têm efeitos temporários, já exauridos, não se sujeitando ao controle concentrado de constitucionalidade, conforme firme orientação do STF. Hipótese de perda do objeto da ação (art. 267, inc. VI, CPC). Mérito. Dispositivos questionados vinculam receita fora das hipóteses constitucionalmente permitidas. Violação do princípio da separação dos poderes e, em particular, do art. 176, inc. IV, da Constituição do Estado de São Paulo. Parecer pela procedência da ação.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Lorena, tendo por objeto os seguintes dispositivos: § 7º, art. 2º, da Lei nº 2.004/92; § 8º, art. 2º, da Lei nº 2.135/94 e § 8º, art. 2º, da Lei nº 2.143/94, do Município de Lorena.

O autor sustenta que referidos dispositivos vincularam o percentual de 2% da receita a repasse ao Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, o que contraria o art. 176, inc. IV, da Constituição Paulista. Cita precedentes (fls. 2/8).

O pedido de suspensão liminar dos efeitos dos atos normativos impugnados foi negado pelos r. Despachos de fls. 77 e 91.

O Presidente da Câmara Municipal se manifestou a fls. 101/103, tendo ele concordado com a tese do Alcaide.

A Procuradoria-Geral do Estado, a seu turno, declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 97/99).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

Preliminar

Os atos normativos questionados são leis de efeitos temporários e não estão mais em vigor:

 

a)    A Lei nº 2.004, de 18 de novembro de 1992, dispôs “sobre as diretrizes orçamentárias para o ano de 1993” (fls. 11);

b)    A Lei nº 2.135, de 9 de maio de 1994, dispôs “sobre as diretrizes orçamentárias para o ano de 1994” (fls. 14); e

c)      A Lei nº 2.143, de 28 de julho de 1994, dispôs “sobre as diretrizes orçamentárias para o ano de 1995” (fls. 18).

Sabe-se que o STF tem firme orientação no sentido de que o controle concentrado de constitucionalidade fica prejudicado pelo exaurimento do prazo estipulado para vigência da norma questionada, como acontece no caso das normas em exame:

“Não cabe ação direta de inconstitucionalidade contra ato normativo de vigência temporária, em virtude da perda de sua eficácia. O Supremo Tribunal Federal já decidiu: ‘Objeto do controle concentrado de constitucionalidade somente pode ser o ato estatal de conteúdo normativo, em regime de plena vigência. A cessação superveniente da vigência da norma estatal impugnada em sede de ação direta de inconstitucionalidade, enquanto fato jurídico que se revela apto a gerar a extinção do processo de fiscalização abstrata, tanto pode decorrer da sua revogação pura e simples como do exaurimento de sua eficácia, tal como sucede nas hipóteses de normas legais de caráter temporário’” (STF, ADIQO 612/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, j. em 3/6/93).

Assim sendo, tendo a ação perdido o objeto, propõe-se a extinção do processo, sem julgamento de mérito, com fundamento no art. 267, inc. VI, do CPC.

Mérito

O § 7º, art. 2º, da Lei nº 2.004/92; o § 8º, art. 2º, da Lei nº 2.135/94 e o § 8º, art. 2º, da Lei nº 2.143/94, do Município de Lorena, contêm a regra segundo a qual:

Caberá ao Município repassar 2% (dois por cento) de sua receita para o Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente nos moldes do artigo 6º, inciso I, da Lei Municipal nº 1.923/91. O repasse será efetuado mensalmente, de acordo com a receita efetiva do mês anterior.

 

Esses dispositivos, de acordo com o autor, não se ajustam ao art. 176, inc. IV, da Constituição do Estado, cuja redação segue transcrita:

 

Artigo 176 - São vedados:

(...)

IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas as permissões previstas no art. 167, IV, da Constituição Federal e a destinação de recursos para a pesquisa científica e tecnológica, conforme dispõe o art. 218, § 5º, da Constituição Federal;

E assiste razão ao Alcaide.

A Constituição em vigor introduziu a regra por força da qual é vedada a vinculação da receita de impostos a órgão, fundo ou despesa. Também criou exceções a essa regra, entre as quais a aplicação do percentual mínimo constitucionalmente previsto (25%) na manutenção e desenvolvimento do ensino. Fora das hipóteses constitucionalmente previstas, a vinculação das receitas não é permitida.

Nem se alegue que, por não tratar de impostos, os atos normativos questionados poderiam subsistir.

De fato, a regra da não-afetação de receitas encontra fundamento no princípio da independência e harmonia entre os Poderes, consagrado no art. 5.º da Constituição do Estado de São Paulo, em face da instituição, em favor do Poder Executivo - por força do art. 174, incisos I a III, dessa mesma Carta Política -, da reserva de iniciativa das leis que disponham sobre o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e os orçamentos anuais.        

Assim, com base nesse regramento constitucional, o Legislativo fica impossibilitado de, por via transversa, mediante o subterfúgio da vinculação de receitas, criar obstáculos ao pleno exercício pelo Executivo da prerrogativa governamental de elaboração dos projetos relativos ao sistema orçamentário, inclusive no que diz com a definição prévia das políticas públicas, a compatibilização das receitas realizadas com as despesas programadas e a implantação do plano de governo e gestão.

No caso vertente, ao instituir na Lei Orgânica do Município a obrigatoriedade de aplicação do percentual mínimo de 2 % da receita orçamentária ao Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente, a Câmara vinculou recursos além dos parâmetros constitucionalmente previstos, sem considerar a reserva de iniciativa, em matéria orçamentária, instituída em favor do Executivo e, ainda, o fato de que os Municípios não foram dotados de poder constituinte que os possibilite instituir exceções às regras firmadas pela Constituição.

A matéria, aliás, já foi apreciada por esse Sodalício, como se depreende dos precedentes indicados na inicial, registrando-se, por oportuno, haver sido reconhecida a inconstitucionalidade de artigo de lei análogo, do Município de Lorena, nos seguintes termos:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Lei Municipal que fixa percentual da receita para vinculação ao Fundo da Criança e do Adolescente – Artigo 176, inciso IV, da Carta Paulista violado – Inconstitucionalidade declarada (ADIN nº 32.811.0/0 – j. 9/4/97, rel. Des. Cunha Bueno).

Em outros pronunciamentos, esse C. Órgão Especial tem reafirmado a tese, invalidando atos normativos que, a exemplo desses que estão sendo questionados, gravam percentuais da receita a órgãos, fundos ou despesas diversas:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. EMENDA 22/2005 À LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO DE SANTA CRUZ DO RIO PARDO. VINCULAÇÃO DE RECEITA AO INCENTIVO DE ESPORTES E CULTURA. INVASÃO DA ESFERA DE INICIATIVA LEGISLATIVA RESERVADA AO EXECUTIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE PROCEDENTE.

VINCULAÇÃO DE RECEITA. A REGRA NO CONSTITUCIONALISMO BRASILEIRO É A VEDAÇÃO DA VINCULAÇÃO DE RECEITAS E AS EXCEÇÕES DEPENDEM DE INICIATIVA DO EXECUTIVO, POIS A NORMA CONSTITUCIONAL SUFRAGA A EXCLUSIVIDADE DO GOVERNO PARA PROPOR E ALTERAR A LEI ORÇAMENTÁRIA. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE PROCEDENTE.

A inclusão do artigo 263-A à Constituição do Estado de São Paulo, por força da Emenda Constitucional 21, de 24 02.2006, não legitima a Emenda à Lei Orgânica do Município de SANTA CRUZ DO RIO PARDO, pois o que se prevê na Carta Bandeirante é a mera permissão à vinculação, não a determinação contida na Emenda à Lei Orgânica Municipal, de evidente vulneração aos princípios constitucionais que preservam a harmonia entre os poderes e a regra geral da não vinculação da receita a qualquer despesa (ADIN nº 139.449-0/9, j. 14 Fev. 2007, rel. Des. RENATO NALINI).

AÇÃO DIRETA DE EVCONSTITUCIONALIDADE - Artigo de lei municipal que atenta contra os artigos 174 e 176, IV, da Constituição Estadual – Inconstitucionalidade reconhecida.

Importa em ofensa aos artigos 174 e 176, IV, da Constituição Paulista artigo da lei municipal, da iniciativa de vereador, que estabelece a reserva de parcela do orçamento, direcionando-a para pagamento de despesas de manutenção de fundação criada pela mesma lei (ADIN nº 87.239.0/7, j. 30 out. 2002, rel. Des. ERNANI DE PAIVA).

Diante do exposto, opina-se pela extinção do processo, sem julgamento de mérito, com fundamento no art. 267, inc. VI, do CPC; no mérito, somos pela procedência da presente ação.

 

São Paulo, 4 de março de 2010.

 

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

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