Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 994.09.223.925-3 (184.231.0/8-00)

Requerente: Município de Itatiba

Objeto: Lei nº 4.189, de 10 de agosto de 2009, do Município de Itatiba

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida por Prefeito, da Lei nº 4.189, de 10 de agosto de 2009, do Município de Itatiba, que “veda o uso de radares móveis na fiscalização do trânsito de veículos automotores no Município de Itatiba” Projeto de vereador. Ato de gestão administrativa incompatível com a vocação da Câmara Municipal. Usurpação de funções, com ofensa ao princípio da separação dos poderes, previsto no artigo 5º da Constituição Estadual. Parecer pela declaração de inconstitucionalidade.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Itatiba, tendo por objeto a Lei nº 4.189, de 10 de agosto de 2009, do Município de Itatiba, que “veda o uso de radares móveis na fiscalização do trânsito de veículos automotores no Município de Itatiba”.

Sustenta o autor que o projeto que a antecedeu iniciou-se na Câmara Municipal e que, depois foi tacitamente aprovado e, afinal, a lei foi promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal. Divisa ofensa aos artigos 5º e 144, da Constituição do Estado e aos artigos  22, inc. XI e 30 da Constituição Federal

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 24).

O Presidente da Câmara Municipal se manifestou a fls. 33/35, prestando informações sobre o processo legislativo.

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 56/58).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A Lei impugnada tem a seguinte redação:

LEI Nº. 4.189, DE 10 DE AGOSTO DE 2009

Veda o uso de radares móveis na fiscalização do trânsito de veículos automotores no Município de Itatiba.

A PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE ITATIBA, Estado de São Paulo, David Bueno, no uso do seu cargo,

FAZ SABER que, conforme a aprovação em Plenário, na 24ª Sessão ordinária, realizada no dia 14 de julho de 2009, e a sanção tácita do Sr. Prefeito Municipal, PROMULGA a presente Lei:

 

 

“Art. 1º. Fica vedado o uso de radares móveis na fiscalização do trânsito de veículos automotores no Município de Itatiba.

 Art. 2º. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

Itatiba, em 10 de agosto de 2009.

DAVID BUENO

Presidente da Câmara

E, de fato, configura a quebra do postulado da separação dos poderes.

Há quebra do princípio da separação de poderes nos casos, por exemplo, em que o Poder Legislativo edita um ano normativo que configura, na prática, ato de gestão executiva. Quando o legislador, a pretexto de legislar, administra, configura-se o desrespeito à independência e harmonia entre os poderes, princípio estatuído no art.5º da Constituição Estadual, que reproduz o contido no art.2º da Constituição Federal. Há também não observância do disposto no art.47 II e XIV da Constituição Paulista.

Nestes termos, a disciplina legal findou, efetivamente, invadindo a esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, envolvendo o planejamento, a direção, a organização e a execução de atos de governo. Isso equivale à prática de ato de administração, de sorte a malferir a separação dos Poderes.

Não é necessário que a lei diga o que o Poder Executivo pode ou não fazer dentro de sua típica atividade administrativa. Se o faz, torna-se patente que a atividade legislativa imiscuiu-se no âmbito de atuação do administrador, fazendo-o de modo inconstitucional.

Cumpre recordar, nesse passo, o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regras para a Administração; a Prefeitura as executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que reside a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art.2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15ªed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p.708 e 712).

Exatamente esta é a hipótese dos autos.

Na Lei Municipal nº 4.189, de 10 de agosto de 2009, a pretexto de legislar, a Câmara Municipal editou verdadeiro ato de gestão administrativa, ao tornar proibido a utilização de radares móveis na fiscalização do trânsito de veículos automotores no Município de Itatiba.

Não só dispensável, como inviável se mostra a deliberação legislativa nessa matéria, mormente quando verificado que a iniciativa para a edição da lei partiu de parlamentar. Aquilo que a regra determina para a Administração Pública é algo que se encontra, precisamente, no âmbito da atividade executiva.

Cabe à Administração estabelecer, mediante estudos técnicos ou critérios de conveniência e oportunidade a utilização ou não dos radares móveis para a fiscalização do trânsito de veículos automotores, naquele município, como, aliás, ficou assentado em recente julgado desse E. Tribunal de Justiça, em caso análogo:

 “Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal 9857/2007, de São José do Rio Preto. Legislação, de iniciativa parlamentar, que determina a pintura, na cor amarela, dos postes em que afixados radares controladores de velocidade. Impossibilidade. Planejamento urbano. Uso e ocupação do solo. Afronta ao princípio da separação de poderes. Matéria de cunho eminentemente administrativo. Lei dispôs sobre situação concreta, concernente à organização administrativa. Inexistência, ademais, de indicação dos recursos orçamentários para implantação da medida. Ação direta julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade da norma.” (ADI 153.649-0/3-00, rel. des. Maurício Ferreira Leite, j. 12.03.2008, v.u.).

Diante do exposto, opino pela procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 4.189, de 10 de agosto de 2009, do Município de Itatiba.

 

São Paulo, 22 de janeiro de 2010.

 

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

        - Assuntos Jurídicos -

vlcb