Parecer
Autos nº. 994.09.224384-0 (184.794.0/6-00)
Requerente: Prefeito do Município de Catanduva
Objeto: Lei nº 4.762, de 1º de Setembro de 2009, do Município de Catanduva
Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida por Prefeito, da Lei nº 4.762, de 1º de Setembro de 2009, do Município de Catanduva, que “dispõe sobre a obrigatoriedade das empresas prestadoras de serviço de coleta de lixo aumentarem o número de veículos coletores e trabalhadores que especifica e dá outras providências” (sic). Projeto de Vereador. Regras sobre a forma de prestação de serviço público explorado por concessão, que acarretam o desequilíbrio da equação econômico-financeira do contrato administrativo, e, em conseqüência, aumento de despesa. Violação do princípio da separação dos poderes (art. 5º, CE) e da regra do art. 25 da CE, que proíbe o aumento de despesa pública sem a indicação dos recursos disponíveis. Parecer pela declaração da inconstitucionalidade.
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito, tendo por objeto a Lei nº 4.762, de 1º de Setembro de 2009, do Município de Catanduva, que “dispõe sobre a obrigatoriedade das empresas prestadoras de serviço de coleta de lixo aumentarem o número de veículos coletores e trabalhadores que especifica e dá outras providências” (sic).
Sustenta o autor que o projeto que a antecedeu iniciou-se na Câmara Municipal e que, depois de aprovado, foi inteiramente vetado pelo Poder Executivo. O veto foi derrubado e, afinal, a lei foi promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal. Divisa ofensa aos artigos 5º, 25 e 144 da Constituição do Estado.
A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 17).
O Presidente da Câmara Municipal se manifestou a fls. 23 e ss., prestando informações sobre o processo legislativo.
A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 72 e ss.).
Este é o breve resumo do que consta dos autos.
A lei em análise decorre de projeto do Vereador Luis Pereira e tem por escopo obrigar as empresas de coleta de lixo aumentar o número de veículos envolvidos nesse trabalho, “de maneira a não expor os trabalhadores a uma situação de fadiga, como presenciamos diariamente” (art. 1º).
Embora imbuído de bons propósitos, o Poder Legislativo de Franca está interferindo em serviço público a cargo da Administração, o que, inequivocamente, configura a quebra do postulado da separação dos poderes.
Sabe-se que a administração da cidade incumbe ao que, modernamente, chama-se de 'Governo', e que tem na lei seu mais relevante instrumento (STARCK, Christian, El Concepto de ley en la constitucion alemana. Madrid: CEC, 1979, p. 73), participando sempre o Poder Legislativo na função de aprovar-desaprovar os atos. Na hipótese de administração ordinária, cabe ao Legislativo o estabelecimento de normas gerais, diretrizes globais, jamais atos pontuais e específicos.
Dentre as funções de governo do Prefeito estão as funções executivas que, no sentido estrito da expressão, compreendem o planejamento, a organização, a direção, o comando, a coordenação e o controle dos serviços públicos (SILVA, José Afonso. O Prefeito e o Município, 1977, p. 134/143).
Como se falou, a lei em questão, de iniciativa parlamentar, dirige às concessionárias de coleta de lixo a obrigação de aumentar o número de veículos e trabalhadores envolvidos no serviço. Esse comando configura nítida invasão do Poder Legislativo na forma de prestação do serviço público oferecido sob a forma de concessão e incide, diretamente, sobre condições de contrato administrativo previamente estabelecido.
Essa anomalia representa ofensa ao princípio da separação de poderes a ensejar o reconhecimento da inconstitucionalidade da norma impugnada, pois, na dicção desse Sodalício:
Ao Executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito (ADIN nº. 53.583-0, rel. Des. FONSECA TAVARES).
De outro giro, a lei traz, inequivocamente, aumento de despesa.
Como se sabe, o “concessionário tem direito ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão de serviço público, visando igualar os encargos da execução à justa remuneração” (GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 13ª. ed., São Paulo: Saraiva, 2008, p. 376).
O comando que deriva do art. 1º da lei em análise tende a desequilibrar a sensível relação encargo-remuneração, conferindo ao concessionário o direito de pleitear a revisão de tarifas, inclusive se valendo da via judicial. Nesse tema, é de todos conhecida a emblemática ação, julgada procedente, movida pela Transbrasil contra a União para se ver ressarcida dos prejuízos resultantes do congelamento de preços estabelecido pelo Governo Sarney para conter a inflação.
Eis aí outro motivo por si só idôneo para a declaração de inconstitucionalidade da lei. As regras instituídas acarretam despesa pública – ainda que de forma indireta – sem a correspondente previsão dos recursos destinados aos novos encargos.
Nesse sentido:
LEIS AUTORIZATIVAS – INCONSTITUCIONALIDADE - Se uma lei fixa o que é próprio da Constituição fixar, pretendendo determinar ou autorizar um Poder constituído no âmbito de sua competência constitucional, essa lei e inconstitucional. — não só inócua ou rebarbativa, — porque estatui o que só o Constituinte pode estatuir O poder de autorizar implica o de não autorizar, sendo, ambos, frente e verso da mesma competência - As leis autorizativas são inconstitucionais por vicio formal de iniciativa, por usurparem a competência material do Poder Executivo e por ferirem o principio constitucional da separação de poderes.
VÍCIO DE INICIATIVA QUE NÃO MAIS PODE SER CONSIDERADO SANADO PELA SANÇÃO DO PREFEITO - Cancelamento da Súmula 5, do Colendo Supremo Tribunal Federal.
LEI MUNICIPAL QUE, DEMAIS
IMPÕE INDEVIDO AUMENTO DE DESPESA PÚBLICA SEM A INDICAÇÃO DOS RECURSOS
DISPONÍVEIS, PRÓPRIOS PARA ATENDER AOS NOVOS ENCARGOS (CE, ART 25).
COMPROMETENDO A ATUAÇÃO DO EXECUTIVO NA EXECUÇÃO DO ORÇAMENTO - ARTIGO 176,
INCISO I, DA REFERIDA CONSTITUIÇÃO, QUE VEDA O INÍCIO DE PROGRAMAS. PROJETOS E
ATIVIDADES NÃO INCLUÍDOS NA LEI ORÇAMENTÁRIA ANUAL (ADIN 142.519-0/5-00, rel.
Des. Mohamed Amaro, 15.8.2007).
Nesse panorama, tem-se por violados os artigos 5º; 25; 47, II; e 144 da Carta Bandeirante.
Diante do exposto, opino pela procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 4.762, de 1º de Setembro de 2009, do Município de Catanduva.
São Paulo, 3 de maio de 2010.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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