Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

 

Autos nº. 994.09.224714-0 (184.463.0)

Requerente: Prefeita Municipal de Rosana

Objeto: Resolução n. 008/2.009, da Câmara Municipal de Rosana

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Resolução n. 008/2.009, da Câmara Municipal de Rosana. Regime jurídico dos servidores da Câmara Municipal.  Usurpação de competência privativa do Chefe do Executivo.  Vício de iniciativa.  Punição e responsabilização de servidores da Câmara (civil, criminal e administrativamente). Matéria de competência da União. Violação ao princípio federativo (Constituição Estadual: arts. 1º e 144).

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, movida pela Prefeita Municipal de Rosana, tendo por objeto a Resolução n. 008/2.009, da Câmara Municipal de Rosana.

Sustenta a autora que referida Resolução afronta o "artigo 22, inc.I da Constituição Federal e artigo 67, II da Lei Orgânica Municipal", além de "usurpar a competência privativa do Poder Executivo", entendendo que "apesar do Poder Legislativo ter autonomia de criar cargos e fixar vencimentos aos seus servidores, seu Regime Jurídico e Plano de carreira, é da competência do Poder Executivo".

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 23/25).

O Presidente da Câmara Municipal se manifestou a fls. 217/235, em defesa da norma impugnada.    Antes, porém, interpusera Agravo Regimental, do qual não colheu os almejados frutos, conforme se vê no Acórdão de fls. 206/210, que lhe negou provimento.

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 213/215).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A presente ação direta deve ser julgada procedente.

O primeiro argumento é de usurpação de competência para legislação a respeito da matéria tratada.

Neste ponto, conquanto caiba ao Legislativo curar da criação, modificação e extinção de seus serviços e os servidores da Câmara ser subordinados ao Presidente da Mesa, ficam estes sujeitos ao regime jurídico estatutário do servidor público municipal, cujo regime jurídico deve ser regulamentado por Lei, de iniciativa do Chefe do Poder Executivo, a teor do que dispõe o art.24, §2º, nº4, da Constituição Estadual, por simetria aplicável à espécie.

É da lição do eminente mestre Hely Lopes Meirelles que:

"Quanto aos servidores da Câmara titulares de cargo público efetivo e em comissão, embora subordinados ao presidente da Mesa, ficam sujeitos ao regime jurídico estatutário geral ou peculiar, porque, na realidade, são servidores públicos do Município, como os que prestam serviços à Prefeitura.   Como já dito anteriormente, admite-se que a Câmara, considerando suas disponibilidades orçamentárias, estabeleça a retribuição a seus servidores em bases idênticas às do Executivo ou lhes atribua menor remuneração, visto que no atual sistema os vencimentos pagos pelo Poder Executivo constituem o teto para a remuneração dos servidores que exerçam funções iguais ou assemelhadas no Legislativo (art.37, XII, da CF).

(...)

A nomeação, movimentação, punição e demais atos de administração do funcionalismo da Câmara cabem ao presidente da Mesa, que é o representante legal da corporação e o administrador nato de todos os seus serviços e pessoal.   Mas essa administração - repetimos - é de ser feita na conformidade da resolução que organizou o quadro de servidores da Câmara e de acordo com o estatuto dos servidores do Município, que rege também o pessoal da Edilidade."  original sem grifos e saliências   "in" Direito Municipal Brasileiro, Hely Lopes Meirelles, Ed. Malheiros, 2008, pág.671

Assim, a vergastada Resolução não vence ao primeiro obstáculo que lhe impõe a presente ação.

Mas não é só.

O impugnado diploma contempla, ainda, normas que não são próprias da competência legislativa do Município, mas sim da União (art.22, inc.I da CF).

Com efeito, ao dispor, sobre atos de improbidade administrativa, inclusive, criando proibição e imposição de penalidade (civil, administrativa e criminal) e, por fim, conceituando tal figura jurídica, ingressou a impugnada norma em seara própria do direito civil e penal.

Deste modo, a legislação municipal que trata de tais temas é inconstitucional, devendo seu vício ser reconhecido por esse E. Órgão Especial, em sede de controle concentrado de normas.

Necessário recordar que, de conformidade com o art. 144 da Constituição do Estado de São Paulo, “Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição” (g.n.).

Desse dispositivo se extrai que os princípios estabelecidos pela Constituição Federal são de observância obrigatória pelos Estados e Municípios.

A mesma idéia pode ser extraída do art. 29, caput, da Constituição Federal, que determina que “O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado, e os seguintes preceitos” (g.n.).

Ora, a repartição constitucional de competências entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios, é um dos elementos que, de modo concreto, delimita e caracteriza o princípio federativo, sendo certo que este é um dos princípios fundamentais ou estabelecidos pela Constituição Federal, ditando, pois, o exato perfil do Estado Brasileiro.

Traçando esse parâmetro, é viável afirmar que o princípio federativo, por força do art. 1º e 18º da CR/88, por remissão do art. 144 da Constituição do Estado, bem ainda por expressa previsão no art. 1º da própria Carta Bandeirante, é de observância obrigatória, permitindo o controle abstrato de normas no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado.

Atos normativos que violam a repartição constitucional de competências desrespeitam não apenas regras relativas à divisão do poder de editar normas infraconstitucionais, mas desautorizam diretamente uma das opções fundamentais da República Federativa do Brasil, ou seja, o próprio princípio federativo.

Nesse ponto, é relevante anotar que esse Tribunal de Justiça acolhe, com tranquilidade, a tese de que é possível declarar a inconstitucionalidade de lei municipal por violação do princípio da repartição de competências estabelecido na Constituição Federal, como comprova recente julgado (ADI 130.227.0/0-00 em 21.08.07, rel. Des. Renato Nalini). Do voto do Des. Walter de Almeida Guilherme se extrai definitiva lição sobre o tema:

“(...) Ora, um dos princípios da Constituição Federal – e de capital importância – é o princípio federativo, que se expressa, no Título I, denominado ‘Dos Princípios Fundamentais’, logo no art.1º: ‘A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito...’.

Sendo a organização federativa do Estado brasileiro um princípio fundamental da República do Brasil, e constituindo elemento essencial dessa forma de estado a distribuição de competência legislativa dos entes federados, inescapável a conclusão de ser essa discriminação de competência um princípio estabelecido na Constituição Federal.

Assim, quando o referido art. 144 ordena que os Municípios, ao se organizarem, devem atender os princípios da Constituição Federal, fica claro que se estes editam lei municipal fora dos parâmetros de sua competência legislativa, invadindo a esfera de competência legislativa da união, não estão obedecendo ao princípio federativo, e, pois, afrontando estão o art.144 da Constituição do Estado (...)”

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Resolução n. 008/2.009, da Câmara Municipal de Rosana.

São Paulo, 12 de maio de 2010.

 

 

         Sérgio Turra Sobrane

         Subprocurador-Geral de Justiça

      Jurídico

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