Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 994.09.224874-4 (183.301.0/0-00)

Requerente: Governador do Estado de São Paulo

Objeto: art. 219 da Lei Orgânica do Município de Icem

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Governador do Estado, tendo por objeto o art. 219 da Lei Orgânica do Município de Icem, que proíbe a construção de penitenciária ou centro de detenção provisória no território do Município – Exorbitância das funções legislativas – Invasão de atribuição conferida ao Estado federado – Vulneração ao princípio da separação e harmonia dos Poderes. Parecer pela procedência da ação.

 

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido liminar, proposta pelo Governador do Estado de São Paulo, tendo como alvo o art. 219 da Lei Orgânica do Município de Icem, que proíbe a construção de penitenciária ou centro de detenção provisória no território do Município.

Foi deferida a liminar (fls. 62).

Embora notificados (fls. 68/71), o Prefeito e o Presidente da Câmara Municipal deixaram de prestar as informações requisitadas (fls. 28/34 e 149/159).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

 

Preliminarmente

Embora a ação tenha sido proposta pelo Governador, requeiro a citação do Procurador-Geral do Estado, para que se cumpra o disposto no § 2º do artigo 90 da Constituição do Estado, verbis:

§ 2º - Quando o Tribunal apreciar a inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo, citará, previamente, o Procurador-Geral do Estado, a quem caberá defender, no que couber, o ato ou o texto impugnado.

 

Mérito

De início, anota-se que a matéria aqui versada já foi objeto de apreciação por este Egrégio Órgão Especial, nos autos da ADIN nº 47.977.0/1, bem como na ADIN nº 38.419.0/5, esta do Município de Casa Branca, oportunidade em que o Desembargador Álvaro Lazzarini, relator da referida ação, assim se pronunciou:

“... a questão do Sistema Prisional é importante para o Sistema de Segurança Pública que, nos termos do artigo 139 da Constituição do Estado de São Paulo, é da responsabilidade de todos, inclusive, assim, quanto ao Sistema Prisional, do município brasileiro que não pode opor entrave à sua implantação, havendo, até sugestão, da municipalização da estrutura prisional, dentro do esforço para reintegrar o preso ao convívio social, podendo tal medida, até mesmo, ser viabilizada através de convênios, pois, ‘assim, os municípios encarregados primordialmente dos programas sociais, preventivos das causas da criminalidade completariam a tarefa, pois cabe com maior propriedade à comunidade próxima, providenciar o retorno do preso ao meio social’ (LAZZARINI, Álvaro, Estudos de Direito Administrativo, 1º ed., 2ª tiragem, 1996, Editora Revista dos Tribunais/Escola Paulista da Magistratura, São Paulo, p.139).

Mas, não bastasse isso que acima foi ponderado, ao certo, como examinou-se no parecer do douto Procurador-Geral de Justiça, ‘na realidade, o legislativo local exorbitou, e muito, no exercício de suas atribuições, ao procurar impedir a participação do município em empreendimentos de natureza penal’, ocasionando, de tal modo, a vulneração do princípio da independência de harmonia entre os Poderes, insculpido no artigo 5º da Constituição Estadual”. 

Adotando-se como parâmetro as decisões citadas, deve igualmente ser tido por inconstitucional o dispositivo da Lei Orgânica do Município de Icem, que foi editado com a mesma finalidade das leis de Peruíbe e Casa Branca. 

No caso dos autos, está bem caracterizada a interferência indevida no âmbito de competência do Estado pelo ente municipal, o que se revela ofensivo ao artigo 1º, da Constituição Paulista, cuja redação é a seguinte:

“O Estado de São Paulo, integrante da República Federativa do Brasil, exerce as competência que não lhe são vedadas pela Constituição Federal”.

De mais a mais, a competência dos Estados para atuar na área de segurança pública, prevista no art. 24, I, c.c. art. 25, § 1º, da Constituição Federal, impõe a conclusão de que tal atribuição condiciona o interesse local, pois que a autonomia municipal não pode se sobrepor aos interesses federativos, inadmitindo-se  que interesse meramente local possa superar interesse geral mais amplo.

Evidente que não pode o Município de Icem, sob o pretexto de agir no limite de autonomia expressamente consagrada pela Constituição (art. 30, I), interferir em assuntos que não são de sua alçada, no caso a Segurança Pública, que é da competência do Estado de São Paulo, nos exatos termos dos artigos 139, caput e 143, da Carta Paulista.

Depreende-se, assim, que a lei municipal em comento se mostra incompatível com os artigos 1º, 5º, 111, 139, 143 ‘caput’ e 144, da Constituição Estadual, devendo por isso ser eliminada do ordenamento constitucional vigente.

Diante do exposto, opino pela procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade do art. 219 da Lei Orgânica do Município de Icem, que proíbe a construção de penitenciária ou centro de detenção provisória no território do Município.

 

São Paulo, 12 de março de 2010.

 

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

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