Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 994.09.225048-4

Requerente: Diretório Regional do Partido da República São Paulo (PR/SP)

Objeto: Lei Complementar nº 61, de 30 de junho de 2009, do Município de Tabapuã

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal.  Extinção de cargos de provimento efetivo do quadro de pessoal da Prefeitura Municipal.   Iniciativa do Chefe do Executivo.   Ausência de vício formal.  Contenção de gastos com pessoal.  Art. 169, §4º da CF e art. 59, §1º da Lei de Responsabilidade Fiscal.   Ausência de violação à regra Constitucional.  Parecer pela constitucionalidade da norma.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Diretório Regional do Partido da República São Paulo (PR/SP), tendo por objeto a Lei Complementar nº 61, de 30 de junho de 2009, do Município de Tabapuã , que extinguiu cargos de provimento efetivo do quadro de pessoal da Prefeitura Municipal.

Alega o requerente que há vício formal, por violação ao art.127 da Constituição Estadual, uma vez que não se realizou "estudo de desnecessidade do cargo"; que não foi observado o devido processo legislativo, por não ter sido o assunto submetido às Comissões Permanentes da Câmara Municipal; e que, por fim, não poderia ao processo legislativo ter sido aplicado o rito de urgência.

A liminar foi indeferida (fls. 236/238).

O Presidente da Câmara Municipal se manifestou às fls. 255/274, em defesa da norma impugnada.

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 251/253).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

Não vinga a presente ação.

Este é o teor do ato normativo impugnado:

“Art.1º - Ficam extintos e excluídos do quadro de pessoal da Prefeitura Municipal de Tabapuã, os seguintes cargos, de provimento efetivo:

Qde.                  Denominação                                     Referência

01     Gerente de Divisão de Água e Esgoto                 09

01     Gerente de Divisão de Licitação                09

01     Gerente da Divisão de Patrimônio             09

01     Ger. Div. Coord., Man. e Transp. Saúde     09

01     Ger. Div. Man. de Veículos e Transp.          09

01     Gerente da Divisão de Obras                    09

01     Gerente da Divisão de Serviços                           09

01     Gerente da Divisão do Meio Ambiente      09

01     Gerente da Divisão de Trânsito                           10

01     Gerente de Recursos Humanos                    10

02     Agentes de Trânsito                                    04

01     Encarregado de Estádio e Gin. Esportes     03

02     Guarda Civil Municipal                               04

01     Técnico em Segurança do Trabalho            04"

        

         A ação, com todo respeito, entremostra-se despida de razões que pudessem levar à extirpação da norma impugnada do mundo jurídico.

         Ao argumento de que não foi realizado estudo que demonstrasse a desnecessidade dos cargos extintos, impõe rechaçá-lo com o alerta emitido pelo Tribunal de Contas do Estado, dando conta de que o "percentual apurado dos Gastos com Pessoal ultrapassou aquele previsto no art. 59, §1º, inciso II da LRF" (fls.222).

         Portanto, para que o Município não transgredisse a Lei de Responsabilidade Fiscal, houve por bem a Administração eleger quais dos cargos que deveriam ser extintos, sem privação total dos serviços prestados.    Ou seja, foram escolhidos quais dos cargos de provimento efetivo poderiam ser extintos sem causar piores transtornos à administração pública e que melhor desonerassem a Administração.

         Isto, por si, fulmina a necessidade de quaisquer outros estudos tendentes a demonstrar a desnecessidade dos cargos extintos, cuja providência, ademais, não encontra expressa correlação ou previsão no mencionado art. 127 da Constituição Bandeirante, como fez constar o requerente.

         Como se não bastasse, a Sra. Prefeita Municipal apresentou efetiva justificativa, nos seguintes termos:

         "enxugamento do quadro de pessoal, e, com isso, possibilitar o avanço na meta de melhorar a qualidade dos gastos e promover eficiência na gestão da Prefeitura Municipal de Tabapuã."

         Portanto, há estudos recomendando a redução do quadro de pessoal da Prefeitura, inclusive pelo Tribunal de Contas do Estado; há justificativa para tal e ainda há exigência legal e previsão constitucional para que se procedesse à extinção dos cargos de provimento efetivo do Município de Tabapuã.

         Quanto aos dois últimos itens, ou seja, falta de observância ao devido processo legislativo, por não ter sido o assunto submetido às Comissões Permanentes da Câmara Municipal e que não poderia ao processo legislativo ter sido aplicado o rito de urgência, os temas se confundem e, da mesma forma, não levam a êxito a pretensão do requerente.

         Ocorre que o regime de urgência encontra previsão Constitucional (art.64, §1º, da Constituição Federal e 26 da Constituição Estadual).   Além disso, a Câmara conta com discricionariedade para deliberar a respeito do pedido de urgência, podendo rejeitá-lo a seu talante.   E, por fim, a dispensa de submissão dos temas às Comissões Permanentes foi votada e aprovada pela Câmara Municipal (fls.55).

         Uma vez concedido o regime de Urgência Especial, ficaram dispensadas as "exigências regimentais", inclusive "a dispensa de pareceres das Comissões Permanentes", conforme inc.III, do art.188 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Tabapuã.

         Portanto, absolutamente nenhuma mácula reside no processo legislativo que pudesse gravar a norma impugnada de inconstitucional.

         No que tange à questão fática quanto aos ocupantes dos cargos extintos, a matéria é absolutamente estranha ao processo objetivo, impassível de sindicância nos estreitos limites que regem a ação direta de inconstitucionalidade.

Como dito, a análise de inconstitucionalidades indiretas ou reflexas não pode ser realizada em sede de ação direta de inconstitucionalidade, que não é o mecanismo adequado para tal fim.

Se a avaliação necessária, no caso, depende do exame sobre a compatibilidade entre a lei impugnada e a causa da extinção dos cargos de provimento efetivo na Administração, então o melhor caminho será o controle difuso da constitucionalidade da lei.

Isso decorre do entendimento que tem prevalecido na doutrina e na jurisprudência, nesse tema, no sentido de que no processo objetivo a única avaliação admissível é aquela referente à questão de direito, no confronto direto entre a lei e o texto constitucional.

No controle concentrado de constitucionalidade das leis, promovido por meio da ação direta, a discussão a respeito da legitimidade constitucional da norma é relativamente limitada.

Inconstitucionalidades indiretas ou reflexas, ou mesmo decorrentes de questões de fato, não podem ser aferidas. O único exame que se faz, no processo objetivo, decorre do confronto direto entre o ato normativo impugnado e o parâmetro constitucional (na hipótese, apenas estadual) adotado para fins de controle (STF, ADI 2.714, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 13-3-03, DJ de 27-2-04; ADI-MC 1347 /DF, Rel. Min. Celso de Mello, j. 05/09/1995, Tribunal Pleno, DJ 01-12-1995, p.41685, EMENT VOL-01811-02, p.00241, g.n.; ADI-MC n.º 842 - DF, RTJ 147/545-546).

A esse propósito, é oportuno averbar a advertência feita pelo i. Min. Celso de Mello, do E. STF: “A ação direta não pode ser degradada em sua condição jurídica de instrumento básico de defesa objetiva da ordem normativa inscrita na Constituição. A válida e adequada utilização desse meio processual exige que o exame ‘in abstracto’ do ato estatal impugnado seja realizado exclusivamente à luz do texto constitucional. Desse modo, a inconstitucionalidade deve transparecer diretamente do texto do ato estatal impugnado. A prolação desse juízo de desvalor não pode e nem deve depender, para efeito de controle normativo abstrato, da prévia análise de outras espécies jurídicas infraconstitucionais, para, somente a partir desse exame e num desdobramento exegético ulterior, efetivar-se o reconhecimento da ilegitimidade constitucional do ato questionado” (ADI-MC n.º 842 - DF, RTJ 147/545-546, g.n.).

Aqui, mais uma vez, torna-se necessário, como premissa para a solução da hipótese apresentada, apreciar o problema sob adequada perspectiva: deve-se levar em conta o papel que o ordenamento jurídico pátrio reserva à ação direta de inconstitucionalidade, como mecanismo de controle da compatibilidade vertical dos atos normativos infraconstitucionais com relação à Constituição.

A abertura do processo de controle concentrado não tem por escopo, é importante frisar, a elucidação de questões de fato (rectius = pontos de fato que se tornaram controversos) ou de crises de legalidade (confronto entre atos normativos infraconstitucionais). Isso, na medida em que, nestas ações, não se realiza o exame de determinada “lide”, invocada, nesse passo, na concepção carnelutiana, ou seja, como conflito de interesses qualificado pela existência de uma pretensão resistida.

No processo objetivo a questão sobre a qual o Tribunal se debruça é essencialmente jurídico-constitucional (dúvida ou controvérsia sobre a legitimidade do direito positivo infraconstitucional, em sua perspectiva de eventual confronto com determinado parâmetro constitucional).

            Caso contrário, inviabilizado restaria o próprio processo objetivo, degradado de sua condição natural de sistema de controle abstrato da atividade legislativa (em que o Tribunal constitucional funciona como legislador negativo), à posição de simples desdobramento do exercício da função jurisdicional do Estado (consistente em examinar e solucionar litígios concretos).

         Por derradeiro, não se poderia deixar de consignar que a Decisão de fls.236/238, que indeferiu a liminar, acabou por analisar, de certa forma, o cerne da questão, em todos os seus pontos, no sentido da compatibilidade da norma impugnada com o texto constitucional.

Diante do exposto, o parecer é no sentido da improcedência da presente ação direta de inconstitucionalidade.

São Paulo, 19 de agosto de 2010.

 

 

         Sérgio Turra Sobrane

         Subprocurador-Geral de Justiça

      Jurídico

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