Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº 994.09.225266-7 (183.554-0/4-00)

Requerente: Prefeito Municipal de Pardinho

Objeto: Lei Municipal nº 1.057, de 24 de julho de 2009, do Município de Pardinho.

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal nº 1.057, de 24 de julho de 2009, do Município de Pardinho. Vedação ao nepotismo.

2)      Inexistência de reserva de iniciativa do Chefe do Executivo. Vedação ao nepotismo que decorre dos princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade (art. 37, caput da CR; art. 111 da Constituição Paulista), possuindo eficácia plena e imediata, independente de ulterior regulação pelo legislador infraconstitucional. Precedentes do C. STF e do E. TJSP.

3)      Dispositivos da lei que tratam de responsabilidade civil, criminal e trabalhista. Matérias que estão na esfera de competência do legislador federal (art. 22, I da CR). Repartição de competências como manifestação do princípio federativo. Princípio constitucional estabelecido. Contrariedade ao art. 144 da Constituição do Estado.

4)      Causa de pedir “aberta” em sede de ação direta de inconstitucionalidade. Possibilidade de acolhimento da impugnação por fundamento não indicado pelo autor da ação. Parcial procedência da ação direta.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Excelentíssimo Senhor Prefeito Municipal de Pardinho, tendo como alvo a Lei Municipal nº 1.057, de 24 de julho de 2009, de Pardinho, que, conforme respectiva rubrica, “dispõe sobre a proibição da prática de nepotismo no âmbito dos Poderes Executivo e Legislativo do Município de Pardinho, e dá outras providências”.

Alega o requerente a existência de inconstitucionalidade por: (a) vício de iniciativa (autoria parlamentar), alegando contrariedade ao disposto no art. 24, § 2º, 1 e 4 da Constituição Paulista; (b) por ter sido excessiva a proibição, contrariando o art. 37, caput da CR/88; (c) e ainda por contrariedade a dispositivos da Lei Orgânica do Município.

Foi concedida liminar parcial, para suspender artigos que foram editados a respeito de matérias da competência da União.

Nesse passo, cumpre transcrever excerto da decisão concessiva da liminar, cf. fls. 63/64:

“(...)

         Entretanto, no tocante aos demais dispositivos, nota-se que vulneram a Constituição da República. O artigo 4º da Lei Municipal nº 1.057/2009 estipula atos de admissão e seu parágrafo único, estabelece normas para propositura de medidas judiciais cíveis e criminais; por sua vez, o artigo 5º e seus parágrafos e o artigo 8º impõe responsabilidade civil, administrativa e criminal, caso vigorem nomeações reputadas em afronta ao diploma legal municipal em questão; por fim o artigo 9º, impõe a título de punição o dever de restituição aos cofres públicos municipais dos valores pagos indevidamente. Desta feita, verificando-se que os atos apontados tratam-se de matérias que, a princípio, é de competência exclusiva da União e por que eventualmente descumpridas as determinações constantes do diploma legal, a autoridade superior poderia sofrer constrição, a constitucionalidade merece exame mais detalhado, quanto ao mérito do pedido.

         Sem embargo de um exame em maior grau de extensão a ser levado a efeito na oportunidade do julgamento do mérito da presente ação, a lei municipal em comento estaria a violar a Carta Política, na medida em que é da competência exclusiva da União legislar sobre matéria penal e civil (art. 22, inciso I).

         Por conseguinte, divisando-se, especialmente a plausibilidade jurídica da argumentação exposta na inicial da presente ação, defiro em parte a liminar para sustar ex tunc a eficácia dos artigos 4º, parágrafo único, 5º e seus parágrafos, 8º e 9º, todos da Lei Municipal nº 1.057, de 24 de julho de 2009, do Município de Pardinho, até final julgamento da ação direta de inconstitucionalidade.

(...)”

A Presidência da Câmara Municipal prestou informações (fls. 70/71, 82/84).

Citado (fls. 80), o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou da defesa do ato normativo (fls. 87/89).

É o relato do essencial.

Não procede a alegação de vício de iniciativa.

Sustenta o autor que a lei seria formalmente inconstitucional por ser fruto de iniciativa parlamentar e tratar de questão atinente a servidores públicos, ou seja, a vedação constitucional ao nepotismo.

O Colendo Supremo Tribunal Federal tem reiteradamente decidido que: (a) a vedação ao nepotismo é de extração constitucional, e decorre dos princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade na administração pública, sendo plenamente eficaz independentemente de regulamentação infraconstitucional; (b) as normas infraconstitucionais apenas explicitam a vedação constitucional já existente, não sendo viável excepcionar aquilo que a própria Constituição proíbe; (c) não há reserva de iniciativa do Chefe do Executivo nessa matéria.

Essa foi a tônica dos pronunciamentos do Colendo STF que conduziram à edição do verbete de nº 13 da súmula de sua jurisprudência vinculante (transcrita a seguir), bem como dos que foram emitidos recentemente:

“(...)

Súmula vinculante nº 13: A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal. (DJe nº 162/2008, p. 1, em 29/8/2008. DOU de 29/8/2008, p. 1.).

(...)”

Confiram-se precedentes no sentido do que vem sendo exposto:

(...)

“Ato decisório contrário à Súmula Vinculante 13 do STF. Nepotismo. Nomeação para o exercício do cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Paraná. Natureza administrativa do cargo. Vícios no processo de escolha. Votação aberta. Aparente incompatibilidade com a sistemática da Constituição Federal. Presença do fumus boni iuris e do periculum in mora. (...) A vedação do nepotismo não exige a edição de lei formal para coibir a prática, uma vez que decorre diretamente dos princípios contidos no art. 37, caput, da Constituição Federal. (...)” (Rcl 6.702-AgR-MC, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 4-3-09, Plenário, DJE de 30-4-09, g.n.)

“O Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação declaratória de constitucionalidade proposta pela Associação dos Magistrados do Brasil – AMB – para declarar a constitucionalidade da Resolução n. 7/2005, do Conselho Nacional de Justiça – CNJ – que veda o exercício de cargos, empregos e funções por parentes, cônjuges e companheiros de magistrados e de servidores investidos em cargos de direção e assessoramento, no âmbito do Poder Judiciário –, e emprestar interpretação conforme a Constituição a fim de deduzir a função de chefia do substantivo ‘direção’, constante dos incisos II, III, IV e V do art. 2º da aludida norma (...). No mérito, entendeu-se que a Resolução n. 7/2005 está em sintonia com os princípios constantes do art. 37, em especial os da impessoalidade, da eficiência, da igualdade e da moralidade, que são dotados de eficácia imediata, não havendo que se falar em ofensa à liberdade de nomeação e exoneração dos cargos em comissão e funções de confiança, visto que as restrições por ela impostas são as mesmas previstas na CF, as quais, extraídas dos citados princípios, vedam a prática do nepotismo. Afirmou-se, também, não estar a resolução examinada a violar nem o princípio da separação dos Poderes, nem o princípio federativo, porquanto o CNJ não usurpou o campo de atuação do Poder Legislativo, limitando-se a exercer as competências que lhe foram constitucionalmente reservadas.” (ADC 12, Rel. Min. Carlos Britto, julgamento em 20-8-08, Plenário, Informativo 516, g.n.)

“EMENTA: Recurso extraordinário. Declaração de inconstitucionalidade de dispositivo de lei municipal. 2. Dispositivo que vedava a nomeação de cônjuge e parentes consangüíneos ou afins, até o terceiro grau ou por adoção, do Prefeito, Vice-Prefeito, Secretários e Vereadores, para cargos em comissão, salvo se servidores efetivos do Município. 3. Contrariedade ao disposto no art. 60, II, "b", da Constituição Estadual, por vício formal de iniciativa. 4. Precedente do Plenário desta Corte, na ADIN 1521-4-RS, que indeferiu, por maioria, a suspensão cautelar de dispositivo que dizia respeito à proibição de ocupação de cargo em comissão por cônjuges ou companheiros e parentes consangüíneos, afins ou por adoção, até o segundo grau. 5. Recurso extraordinário conhecido e provido. Afastado o vício formal.“ (RE 183952/RS, rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA, j. 19/03/2002, 2ª Turma, g.n.)

(...)

Nesse Colendo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já está pacificada a tese de que não há reserva de iniciativa para edição de lei vedando o nepotismo, pelos motivos já apontados acima. Confiram-se os seguintes precedentes:

(...)

“Ação direta de inconstitucionalidade de lei - Lei n. 003/2006, do Município de Severínia - Proíbe a contratação de parentes para cargos em comissão e função de confiança - Diploma de origem parlamentar e promulgado pelo Presidente da Câmara Municipal, depois de rejeitado o veto do Prefeito - Alegado vício de iniciativa, por se tratar de matéria reservada ao Chefe do Poder Executivo - Vício de iniciativa inexistente — Questão pertinente à moralidade administrativa e não à remuneração de servidor - Competência legislativa concorrente — Ação julgada improcedente.” (ADI 160.984.0/8-00, rel. des. Ribeiro dos Santos, j. 02.07.2008, v.u., g.n.)

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Lei 1.017/2006 do Município de Três Fronteiras - Proibição de contratação e nomeação de parentes e afins no âmbito do legislativo, por seus vereadores, e no do executivo, do prefeito, vice-prefeito e demais servidores - Princípios que norteiam o ingresso no serviço público, em todas as esferas, regulamentados pela Constituição Federal - Contratação de parentes, sem submissão a concurso, violam regras estabelecidas pela Lei Maior - Possibilidade de atuação e intervenção da Câmara de Vereadores - Matéria que não disciplina extinção de cargos ou regime jurídico de servidores, mas sim a estrita aplicação de princípios constitucionais - Lesão ao interesse público, que deve sempre prevalecer - Lei orgânica dispõe sobre a necessidade de lei complementar - Circunstância que não pode ser objeto de Adin e, ademais, relevância da matéria autoriza a legislação na forma apresentada - Ressalva, entretanto, em relação ao art. 7º, que responsabiliza administrativamente servidor ou autoridade - Competência privativa da União - Ação direta julgada parcialmente procedente, para o fim de declarar a inconstitucionalidade do art. 7º da Lei 1.017/2006 do Município de Três Fronteiras.” (ADI 142.953-0/5-00, rel. des. Maurício Ferreira Leite, j. 23.04.2008, v.u., g.n.)

(...)

Não há, pois, inconstitucionalidade formal.

Resta verificar a existência de vício material.

E, de fato, há vício material quanto a alguns dispositivos da lei, que tratam de questões que estão na esfera da competência do legislador federal.

Eis os dispositivos da Lei Municipal nº 1.057/2009, de Pardinho, que ostentam aludido vício material, apenas nos trechos colocados em destaque (negrito):

“(...)

Art. 4º. Quando da contratação de qualquer pessoa para exercer cargo demissível ‘ad nutum’ ou sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o responsável pelo expediente da Secretaria de Administração, o Setor de Pessoal da Câmara Municipal, das Autarquias, das Empresas Públicas, das Sociedades de Economia Mista e das Fundações, exigirá declaração daquele que vai ser admitido ou contratado, de não incidência nas proibições desta lei, sendo que em caso de falsidade, o declarante estará incurso nas sanções do art. 299, do Código Penal.

Parágrafo único – Constatada a falsidade da declaração, a admissão ou contratação será nula de pleno direito, caso em que, no prazo máximo de quarenta e oito (48) horas, o responsável pelo expediente da Secretaria de Administração, do Setor de Pessoal da Câmara Municipal, das Autarquias, das empresas Públicas, das Sociedades de Economia mista e das Fundações, comunicará o fato ao seu superior hierárquico, devendo ser encaminhado no mesmo prazo, cópias de toda a documentação ao Ministério Público, para a propositura das medidas cíveis e criminais que entenderem cabíveis.

Art. 5º. O servidor municipal da Administração Direta e da Câmara Municipal, que deixar de exigir a declaração de que trata o art. 4º, desta lei, estará sujeito às penas cabíveis.

§ 1º - O responsável pelo Setor de Pessoal das Empresas da Administração indireta e Fundacional que deixar de exigir a declaração de que trata o art. 4º será demitido por justa causa.

§ 2º - O servidor Municipal da Administração Direta e da Câmara Municipal que aceitar declaração negativa sabendo-a falsa ou, não fizer as comunicações do parágrafo único, do art. 4º, será considerado co-autor do delito e responsabilizado civilmente pela reparação do numerário despendido pelo erário municipal, independentemente da pena que lhe for aplicada.

(...)

Art. 8º. Caso vigorem nomeações de servidores em afronta ao que dispõe esta lei, as autoridades responsáveis e os indicados aos cargos ser]ao responsabilizados civil, administrativa e criminalmente, de acordo com a legislação aplicável.

Art. 9º. O não cumprimento dos artigos 7º e 8º, implicará ainda na punição da autoridade responsável, com a devolução aos cofres do Município, dos valores pagos.

(...)”

Observe-se que há nos dispositivos acima transcritos, da Lei Municipal nº 1.057/2009, definição de hipóteses de responsabilidade penal, civil e trabalhista.

Legislar a respeito de direito civil, direito penal e direito do trabalho é da competência privativa do legislador federal, nos termos do art. 22, I da CR/88.

Note-se: não se trata de invocar parâmetro contido na Constituição da República para fins de declaração de inconstitucionalidade de Lei Municipal. Os dispositivos impugnados (acima transcritos) violam o disposto no art. 144 da Constituição Paulista, que tem a seguinte redação:

“(...)

Art. 144. Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

(...)”

Um dos princípios constitucionais estabelecidos é o denominado princípio federativo, que está assentado nos art. 1º e 18 da Constituição da República, bem como no art. 1º da Constituição Paulista.

Como é cediço, a Constituição da República estabelece a repartição constitucional de competências entre as diversas esferas da federação brasileira. E a repartição de competências entre os entes federados é o corolário mais evidente do princípio federativo.

Referindo-se aos princípios fundamentais da Constituição, que revelam as opções políticas essenciais do Estado, José Afonso da Silva aponta que entre eles podem ser inseridos, entre outros, “os princípios relativos à existência, forma, estrutura e tipo de Estado: República Federativa do Brasil, soberania, Estado Democrático de Direito (art. 1º)” (Curso de direito constitucional positivo, 13. ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 96, g.n.).

Um dos aspectos de maior relevo, e que representa a dimensão e alcance do princípio do pacto federativo, adotado pelo Constituinte em 1988, é justamente o que se assenta nos critérios adotados pela Constituição Federal para a repartição de competências entre os entes federativos, bem como a fixação da autonomia e dos respectivos limites, dos Estados, Distrito Federal, e Municípios, em relação à União.

Anota a propósito Fernanda Dias Menezes de Almeida que “avulta, portanto, sob esse ângulo, a importância da repartição de competências, já que a decisão tomada a respeito é que condiciona a feição do Estado Federal, determinando maior ou menor grau de descentralização.” Daí a afirmação de doutrinadores no sentido de que a repartição de competências é “’a chave da estrutura do poder federal’, ‘o elemento essencial da construção federal’, ‘a grande questão do federalismo’, ‘o problema típico do Estado Federal’” (Competências na Constituição Federal de 1988, 4. ed., São Paulo, Atlas, 2007, p. 19/20).

Não pairaria qualquer dúvida a respeito da inconstitucionalidade de proposta de emenda constitucional ou de lei que sugerisse, por exemplo, a extinção da própria Federação: a Constituição veda proposta de emenda “tendente a abolir”, entre outros, “a forma federativa de Estado” (art. 60, § 4º, I da CR/88).

A preservação do princípio federativo tem contado com a anuência do C. STF, pois como destacado em julgado relatado pelo Min. Celso de Mello:

"(...) a idéia de Federação — que tem, na autonomia dos Estados-membros, um de seus cornerstones — revela-se elemento cujo sentido de fundamentalidade a torna imune, em sede de revisão constitucional, à própria ação reformadora do Congresso Nacional, por representar categoria política inalcançável, até mesmo, pelo exercício do poder constituinte derivado (CF, art. 60, § 4º, I)." (HC 80.511, voto do Min. Celso de Mello, julgamento em 21-8-01, DJ de 14-9-01).

Por essa linha de raciocínio, pode-se também afirmar que a Lei Municipal que regula matéria cuja competência é do legislador federal e do estadual está, ao desrespeitar a repartição constitucional de competências, a violar o princípio federativo.

A prescrição de que os Municípios devem observar os princípios constitucionais estabelecidos não se encontra apenas no art. 144 da Constituição Paulista. O art. 29, caput da CR/88 prevê que “O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado, e os seguintes preceitos (g.n.).”

Relevante anotar que quando do julgamento da ADI 130.227.0/0-00 em 21.08.07, rel. des. Renato Nalini, esse E. Tribunal de Justiça acolheu a tese no sentido da possibilidade de declaração de inconstitucionalidade de lei municipal por violação do princípio da repartição de competências estabelecido pela Constituição Federal. É relevante trazer excerto de voto do i. Desembargador Walter de Almeida Guilherme, imprescindível para a elucidação da questão:

“(...)

         Ora, um dos princípios da Constituição Federal – e de capital importância – é o princípio federativo, que se expressa, no Título I, denominado ‘Dos Princípios Fundamentais’, logo no art.1º: ‘A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito...’.

         Sendo a organização federativa do Estado brasileiro um princípio fundamental da República do Brasil, e constituindo elemento essencial dessa forma de estado a distribuição de competência legislativa dos entes federados, inescapável a conclusão de ser essa discriminação de competência um princípio estabelecido na Constituição Federal.

         Assim, quando o referido art. 144 ordena que os Municípios, ao se organizarem, devem atender os princípios da Constituição Federal, fica claro que se estes editam lei municipal fora dos parâmetros de sua competência legislativa, invadindo a esfera de competência legislativa da União, não estão obedecendo ao princípio federativo, e, pois, afrontando estão o art. 144 da Constituição do Estado (...) (trecho do voto do i. des. Walter de Almeida Guilherme, no julgamento da ADI 130.227.0/0-00).

(...)”

Acrescente-se, por último e não menos importante, que esse Colendo Órgão Especial pode acolher a alegação de inconstitucionalidade por fundamento não apontado na inicial da ação direta.

O entendimento pacífico nessa matéria, assentado inclusive pelo E. STF, é de que a causa de pedir, nas ações diretas de inconstitucionalidade, é aberta, podendo ser apreciados pelo Tribunal fundamentos distintos daqueles indicados quando da propositura da ação, para fins de declaração da inconstitucionalidade.

A propósito, anota Juliano Taveira Bernardes que no processo objetivo, “Segundo o STF, o âmbito de cognoscibilidade da questão constitucional não se adstringe aos fundamentos constitucionais invocados pelo requerente, pois abarca todas as normas que compõe a Constituição Federal. Daí, a fundamentação dada pelo requerente pode ser desconsiderada e suprida por outra encontrada pela Corte” (Controle abstrato de constitucionalidade, São Paulo, Saraiva, 2004, p. 436).

Assim vem decidindo o E. STF:

“(...)

Ementa: constitucional. (...). 'Causa petendi' aberta, que permite examinar a questão por fundamento diverso daquele alegado pelo requerente. (...) (ADI 1749/DF, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI, Rel. p. acórdão Min. NELSON JOBIM, j. 25/11/1999, Tribunal Pleno , DJ 15-04-2005, PP-00005, EMENT VOL-02187-01, PP-00094, g.n.).

(...)”

Confira-se ainda: ADI 3576/RS, Rel. Min. ELLEN GRACIE, j. 22/11/2006, Tribunal Pleno, DJ 02-02-2007, PP-00071, EMENT VOL-02262-02, PP-00376.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da parcial procedência da ação direta, reconhecendo-se a inconstitucionalidade dos seguintes dispositivos da Lei Municipal nº 1.057, de 24 de julho de 2009, do Município de Pardinho: (a) art. 4º, caput (a frase “sendo que em caso de falsidade, o declarante estará incurso nas sanções do art. 299, do Código Penal); (b) art. 5º e respectivos §§ 1º e 2º (integralmente); (c) art. 8º e 9º (integralmente).

São Paulo, 22 de janeiro de 2010.

 

Maurício Augusto Gomes

Subprocurador-Geral de Justiça

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