Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 994.09.225881-7 (182.936.0)

Requerente: Sindicato dos Clubes do Estado de São Paulo (SINDI-CLUBE)

Objeto: Inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 13.582, de 12 de maio de 2009, de Campinas.

 

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade.  Lei Municipal nº 13.582, de 12 de maio de 2009, de Campinas que dispõe (cf. respectiva ementa) sobre a “obrigatoriedade dos clubes desportivos e clubes de campo, que possuam piscinas, manter salva-vidas em tempo integral em suas dependências e dá outras providências”.

2)      Lei editada pelo legislador municipal relativamente a assuntos de interesse local. Inexistência de violação à livre iniciativa, à autonomia da vontade, à livre concorrência, à proporcionalidade e à razoabilidade, bem como ao princípio federativo e à reserva legal.

3)      Inconstitucionalidade afastada.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Sindicato dos Clubes do Estado de São Paulo (SINDI-CLUBE), tendo como alvo a Lei Municipal nº 13.582, de 12 de maio de 2009, de Campinas, que estabelece (cf. respectiva ementa) a “Obrigatoriedade dos clubes desportivos e clubes de campo, que possuam piscinas, manter salva-vidas em tempo integral em suas dependências e dá outras providências”.

Sustenta o autor que o ato normativo impugnado violou o art. 144 da Constituição do Estado (não observância de princípios estabelecidos na Constituição Federal), por contrariar a livre iniciativa, a autonomia da vontade, a livre concorrência, a proporcionalidade e a razoabilidade, assentados, conforme noticia, no art. 1º, IV, art. 170, caput e inciso IV, e art. 5º, LIV, todos da Constituição da República. Além disso, recorda que a lei contraria a competência do legislador federal para legislar sobre trabalho e emprego (art. 22, I e XVI da CR/88), havendo, por isso, ofensa ao princípio federativo e à reserva legal.

Foi denegado o pedido de liminar (fls. 62/65). Dessa decisão foi interposto agravo regimental, rejeitado pelo Colendo Órgão Especial desse Egrégio Tribunal de Justiça (fls. 108/126).

Citado (fls. 86), o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou da defesa do ato normativo (fls. 88/90).

Foram prestadas informações pela Presidência da Câmara Municipal (fls. 92/96).

É o relato do essencial.

A Lei Municipal nº 13.582, de 12 de maio de 2009, de Campinas, fruto de iniciativa parlamentar, dispõe sobre a “obrigatoriedade dos clubes desportivos e clubes de campo, que possuam piscinas, manter salva-vidas em tempo integral em suas dependências e dá outras providências”.

Eis o texto do referido diploma:

“(...)

Art. 1º - Ficam os clubes desportivos e os clubes de campo, que possuam piscinas, obrigados a manter salva-vidas em tempo integral de seu funcionamento nos locais que ofereçam perigo de afogamento.

Parágrafo Único - A proporção no número de salva-vidas será a seguinte:

a) para clubes desportivos e de campo que possuam de quinhentos a mil sócios – um salva-vidas;

b) para clubes desportivos e de campo que possuam de mil e um a cinco a mil sócios - dois salva-vidas;

c) para clubes desportivos e de campo que possuam acima de cinco mil e um sócios – três salva-vidas.

Art. 2º - A inobservância do disposto no artigo anterior, acarretará as seguintes penalidades:

I - Advertência, a fim de se adequar à Lei no prazo de quarenta e oito horas;

II - Multa de três mil UFICs - Unidades Fiscais do Município de Campinas, na primeira constatação do descumprimento;

III - Na reincidência, lacramento das dependências do clube na parte em que se encontrem as piscinas;

IV - Suspensão definitiva do alvará de funcionamento do Clube.

Art. 3º - O Poder Executivo regulamentará esta Lei no prazo de trinta dias após sua publicação.

(...)”

Com o devido respeito à argumentação expendida na inicial, não é possível vislumbrar na lei impugnada contrariedade a nenhum dos parâmetros constitucionais indicados quando da propositura da ação direta.

Em outros termos, a Lei Municipal nº 13.582, de 2009, de Campinas, não contraria a livre iniciativa, a autonomia da vontade, a livre concorrência, a proporcionalidade e a razoabilidade, assentados, conforme noticia a inicial, no art. 1º, IV, art. 170, caput e inciso IV, e art. 5º, LIV, todos da Constituição da República. Além disso, não há contrariedade à previsão de competência do legislador federal para legislar sobre trabalho e emprego (art. 22, I e XVI da CR/88), não havendo ofensa ao princípio federativo e à reserva legal.

O legislador municipal, tratando de assunto eminentemente local – fixação de condições de segurança para o uso de piscinas coletivas existentes em clubes no Município – estabeleceu parâmetros mínimos assentados na necessidade de presença de “salva-vidas” nesses locais.

Exerceu, assim, a competência que lhe foi assegurada pelo art. 30, I da CR/88, observando os princípios estabelecidos na Constituição da República e na Constituição Estadual, obsequiando, portanto, o art. 29, caput da CR/88, bem como o art. 144 da Constituição Paulista.

O princípio da livre iniciativa não impede que o legislador estabeleça parâmetros normativos, voltados à preservação de outros valores igualmente prestigiados pela Constituição, no exercício de qualquer atividade. Não fica limitada a atividade exercida nas entidades associativas, tão só pela exigência de que se realize com adequadas condições de segurança, que, na hipótese considerada, se dá pela necessária presença de “salva-vidas” em piscinas de uso coletivo.

De outro lado, nem a autonomia da vontade, nem a livre concorrência, são, em modo algum tangenciadas pelo ato normativo glosado na ação direta.

Pela autonomia da vontade, ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei (art. 5º, II da CR/88). E a lei, no caso, existe, obrigando legitimamente as entidades associativas (clubes) a manterem condições de segurança (“salva-vidas”) para que seus associados possam, adequadamente, utilizar as piscinas coletivas.

A lei não afeta, nesse particular, a livre concorrência, mormente considerando que a principal destinação das referidas entidades é voltada à atividade desportiva e cultural, e não econômica. Não se evidencia, nem mesmo por hipótese, qualquer relação negativa que pudesse ser extraída da exigência da “salva-vidas” em piscinas dos clubes desportivos e de lazer, com o resultado da atividade econômica, especialmente quanto ao aspecto da livre concorrência.

Também não se mostra plausível a alegação de quebra da razoabilidade ou da proporcionalidade. A solução prevista na lei se mostra necessária (a necessidade da presença de “salva-vidas” em piscinas coletivas de clubes é algo que decorre, até mesmo, do senso comum), adequada (essa condição de segurança é apropriada para o uso de piscinas coletivas com minimização de riscos para os usuários), respeitando a proporcionalidade em sentido estrito (não se pode dizer que a exigência seja “excessiva”: o mínimo que se pode pretender de entidades que congreguem coletividades de associados, e ofereçam a estes oportunidades de lazer mediante pagamento de “mensalidades”, é que propiciem adequadas condições de segurança aos interessados).

Assim, o denominado teste de razoabilidade, aplicável em operação lógica à lei impugnada nesta ação direta, oferece resposta no sentido da aprovação, e não da reprovação do ato normativo, na perspectiva da constitucionalidade.

De outro lado, não houve violação do princípio federativo, como decorrência da competência privativa do legislador federal para disciplinar o trabalho e o emprego.

A lei impugnada não tratou desses temas. Não criou nova categoria de trabalhadores, e tampouco disciplinou aspectos relativos ao regime de seu trabalho ou ao contrato respectivo. Apenas impôs como aspecto essencial ao uso de piscinas coletivas, a presença de “salva-vidas”, sem tecer qualquer consideração quanto ao regime jurídico empregatício desses profissionais. Pressupôs sua existência, que, aliás, é fato do conhecimento comum, cuja negação sequer se mostraria possível.

A autora invocou, em defesa de sua tese, o parecer oferecido pela Procuradoria-Geral da República na ADI nº 4.072-3 (rel. Min. Ricardo Lewandowski), do Colendo STF, em que foi impugnada a Lei do Distrito Federal nº 4.117, de 7 de abril de 2003. Nesse parecer foi sustentada a inconstitucionalidade da lei distrital com base nos mesmos fundamentos, trazidos na presente ação direta.

Mas se tratam de situações nitidamente diversas. No caso da Lei do Distrito Federal nº 4.117, de 7 de abril de 2003, impugnada na ADI nº 4.072-3 do STF, houve, verdadeiramente: (a) definição de categoria profissional (o art. 2º da lei distrital chega a conceituar a profissão de “salva-vidas”); (b) estabelecimento de requisitos e condições para o exercício dessa profissão, tal como definida na referida lei; (c) ademais, a exigência da presença de “salva-vidas” refere-se não apenas aos clubes, mas a qualquer piscina, inclusive aquelas situadas em edifícios ou condomínios (art. 1º da referida lei distrital).

Pedimos vênia para transcrever alguns dispositivos da Lei do Distrito Federal nº 4.117, de 2008, para deixar clara a diversidade de conteúdo se feito o cotejo com a lei impugnada nesta ação direta:

“(...)

Lei Distrital nº 4.117, de 2008.

(...)

Art. 1º - A utilização de piscinas e quaisquer reservatórios de água, artificiais ou naturais, com ou sem sistema eletromecânico para produção de ondas  e com  profundidade  superior  a  50cm  (cinquenta centímetros), explorados por qualquer entidade, em  recintos  públicos ou privados, e destinados à utilização coletiva para banho,  lazer  ou atividade terapêutica, ainda que sem fins lucrativos, será regulada de acordo com o disposto nesta Lei.

     Parágrafo único - Incluem-se nas disposições desta   Lei  as piscinas de uso coletivo pertencentes a edifícios ou  condomínios,  as praias fluviais ou lacustres e outras áreas de acesso ao público.

     Art. 2º - Denomina-se guarda-vidas de   piscina   a   pessoa devidamente habilitada pelo Poder Público para essa função em  piscina ou em área restrita ao banho, conforme o  art. 1º,  mediante  curso ministrado ou supervisionado pelo órgão fiscalizador,  para  atuar  na proteção dos usuários.

     § 1º - Os cursos de formação de guarda-vidas de piscina serão ministrados pelo órgão público competente ou entidade civil pública ou privada credenciada na forma desta Lei.

     § 2º - Será fornecido,  exclusivamente  pelo  órgão  do  Poder Público, aos concludentes com aproveitamento de curso de  formação  de guarda-vidas  de  piscina  documento  que  os  habilite  a  exercer a profissão, com validade máxima de 2 (dois) anos.

     § 3º - A renovação do documento será precedida de  reavaliação do habilitado.

     § 4º - Os guarda-vidas de piscina  deverão,  durante  todo  o horário de trabalho, estar vestidos de sunga ou short e  camiseta  que tenham a inscrição "guarda-vidas de piscina" bem legível.

(...)

Art. 4º - Aos clubes,    parques    aquáticos,    sociedades recreativas, hotéis  e  similares,  condomínios,  estabelecimentos  de ensino  e  quaisquer  outras   entidades, públicas  ou  privadas,  que explorem as áreas abrangidas pelo art. 1º  e  seu  parágrafo  único, além de outras  atribuições  previstas  em  lei  e  norma  específica, compete:

         I - cumprir e fazer cumprir por seus usuários as disposições desta Lei e de normas específicas a ela relacionadas;

          II - contratar os profissionais necessários ao cumprimento do disposto no art. 3º, I e § 1º;

          III - adquirir ou confeccionar e manter em bom estado e em perfeitas condições de uso os equipamentos  e  meios  de  proteção previstos no art. 3º, II;

          IV - cumprir o disposto no art. 3º, § 2º. (g.n.)

(...)

Nesse contexto fica compreendido o porquê da posição adotada pela Procuradoria-Geral da República com relação à Lei do Distrito Federal nº 4.117, de 2003, no sentido da violação dos parâmetros constitucionais indicados no referido parecer, juntado pela requerente às fls. 50/59. Em síntese: dada a diversidade de situações, o respeitável parecer não serve como parâmetro para o julgamento desta ação.

Resta ainda examinar, para finalizar, o voto vencido proferido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Palma Bisson, que acolhia o agravo regimental interposto contra o indeferimento da liminar pelo relator. Nesse voto foram apontados dois fundamentos para o reconhecimento da inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 13.582, de 2009, de Campinas: (a) violação da separação de poderes (imposição à Municipalidade do dever de fiscalização); (b) vício de iniciativa (fls. 122/126).

Nada obstante a exímia argumentação contida nesse voto vencido, e com a devida vênia, entendemos que essa posição não deverá prevalecer no julgamento do mérito da ação.

A matéria tratada na lei não se insere naquelas cuja iniciativa legislativa é do Chefe do Executivo. Além disso, a lei não criou órgão administrativo, cargo público, nem deu à Municipalidade atribuição que já não lhe fosse inerente, em decorrência do Poder de Polícia do Município. Não houve, assim, quebra do princípio da separação de poderes.

Por todas essas razões, nosso parecer é no sentido da improcedência desta ação direta, reconhecendo-se a constitucionalidade da Lei Municipal nº 13.582, de 12 de maio de 2009, de Campinas.

São Paulo, 12 de agosto de 2010.

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

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