Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 994.09.225950-0 (183.006-0/4-00)

Requerente:  Partido dos Trabalhadores

Objeto:  Arts. 63, 74, 76, 77, 81 e 83, da Lei n. 9.121/09, do Município de Santo André

 

Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade dos arts. 63, 74, 76, 77, 81 e 83, da Lei n. 9.121/09, do Município de Santo André, que “dispõe sobre a reorganização da estrutura administrativa e organizacional da Administração Pública Municipal de Santo André”, proposta por Partido Político Diretório Municipal que, consoante a jurisprudência firmada pelo Órgão Especial, não é parte legítima para propor a ação. Ausência de indicação de parâmetro constitucional válido para o exercício do controle concentrado de constitucionalidade da lei municipal. Hipótese de inconstitucionalidade reflexa, que inviabiliza a análise da constitucionalidade dos dispositivos legais impugnados. Parecer pela extinção do processo, sem exame de mérito, nos termos do art. 276, inc. V e VI, do CPC; vencida  a tese, pela improcedência  dada a   impossibilidade de se questionar, em ADI,  mera crise de legalidade.  

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Partido dos Trabalhadores, com sede Municipal, na Cidade de Santo André, tendo por objeto os arts. 63, 74, 76, 77, 81 e 83, da   Lei nº 9.121, de 31 de março de 2009, do Município de Santo André, que “dispõe sobre a reorganização da estrutura administrativa e organizacional da Administração Pública Municipal de Santo André”.

Sustenta o autor que a lei em questão é inconstitucional por contrariar a Lei Complementar Federal n. 95/98,  na medida em que deveriam ter sido apresentados dois projetos distintos, um para extinguir, criar e transformar cargos e o outro para criar, adaptar e regular conselhos e fundos, até mesmo porque, o quorum para aprovação dos projetos seriam diferenciados, nos termos do art. 36, da Lei Orgânica Municipal.

Argumenta, também, que foram criados 95 cargos, dos quais não é possível identificar quais são os cargos de comissões e as  funções gratificadas, a denominação e a classe de cada função dos cargos extintos e muito menos foi especificado o salário atribuído a cada cargo, para que ocorresse a criação e a transformação proposta para os novos cargos.

A Reorganização Administrativa causa grave impacto a Lei de Responsabilidade Fiscal, uma vez que toda criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento de despesa deve ser apresentado a Câmara acompanhado de estimativa de impacto orçamentário-financeiro do exercício em que entrar em vigor e dos dois subseqüentes, o que efetivamente não ocorreu.

Por tal razão, houve violação dos arts. 16 e 17, da Lei de Responsabilidade Fiscal.

No que diz respeito à criação  dos Conselhos e Fundos, houve  violação  dos arts. 73, 74, 75 e 76, da Lei Orgânica Municipal, nem o princípio da legalidade, pois criou Conselhos de forma paritária, sendo que nos Conselhos Diretores, foram nomeados somente pessoas indicadas pelo Executivo para gerir os fundos, ou seja, os recursos financeiros dos conselhos criados pela promulgação da nova lei.

O Fundo de Solidariedade criado pela Lei impugnada é inconstitucional, pois além de vinculá-lo ao prefeito e não a um órgão especial.

O art. 81 e 83 da Lei n. 9.121/09, são contraditórios, eis que o art. 81, pressupõe investimento para alcançar à finalidade do fundo, ao passo que o art. 83 dá a entender que os valores serão arrecadados para uma pretensão de investimento.

A Lei teve, inicialmente, a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 150/151). Entretanto, diante do pedido de reconsideração feito pela Municipalidade, a liminar anteriormente concedida foi revogada (fls. 173).

O Município de Santo André prestou informações alegando preliminarmente a inadequação da via eleita, eis que é pacífico na jurisprudência e na doutrina  que não se admite a argüição de inconstitucionalidade indireta ou reflexa. Só se admite ação direta de inconstitucionalidade quando a lei contraria texto expresso da Constituição do estado, o que efetivamente não ocorreu, porquanto o alegado conflito da Lei em questão, é oriundo de Leis Federais e com a Lei Orgânica Municipal. No mérito, defendeu a constitucionalidade dos dispositivos legais impugnados (fls. 190/201).

 A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 186/188).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

Preliminarmente

- I -

No caso dos autos, o Partido está representado por seu Diretório Municipal (cf. fls. 21), parte ilegítima para a propositura da presente ação direta de inconstitucionalidade.

Neste sentido, confiram-se os seguintes precedentes:

ADIN. Lei Municipal que dispõe sobre a criação e extinção de cargos de servidores municipais. Exegese do art. 90, II, da Constituição Paulista. Diretório Municipal de Partido Político que não detém legitimidade ativa, mesmo em se tratando de lei municipal, para o ajuizamento da ação. Representação que compete ao Diretório regional do Partido Político. Ilegitimidade ativa ad causam reconhecida. Processo extinto sem julgamento do mérito (TJSP, ADI 135.781-0/3-00, Órgão Especial, Rel. Des. Carlos Stroppa, v.u., 19-09-2007).

Ação direta de inconstitucionalidade - Lei Orgânica do Município de Sandovalina, que revoga integralmente a anterior – sustentada violação aos arts. 22, 111 e 144 da Constituição Estadual, porque ‘constata-se claramente que a Lei Orgânica do Município de Sandovalina, promulgada em 05 de Abril de 1990, somente poderia ser emendada, como ocorre na Carta da República e na Carta Paulista’, em obediência ao poder constituinte derivado. - Órgão Municipal de partido político, por seu Presidente representado, não detém legitimidade para pugnar, em ação direta, a inconstitucionalidade de lei municipal - processo julgado extinto, sem resolução do mérito (TJSP, ADI 138.863-0/0-00, Órgão Especial, Rel. Des. Palma Bisson, v.u., 01-08-2007).

 

Essa orientação foi reafirmada em julgamento recente         (unânime):

Ação Direta de inconstitucionalidade- Lei Municipal que cria um cargo de Assessor Jurídico Supervisor- Propositura por Diretório Municipal de Partido Político- Ausência de legitimidade ativa- Entendimento cristalizado neste Egrégio tribunal e no Colendo Supremo tribunal Federal- Processo extinto sem exame de mérito (TJSP, ADI 994.09.227895-3, Órgão Especial, Rel. Des. Pedro Gagliardi, v.u, 27.01.2010).    

Seguindo a orientação dessa Corte, opina-se pela extinção do processo, sem julgamento de mérito, com fundamento no art. 267, inc. VI, do CPC.

No mérito

- II -

Cuidando-se de ação direta de inconstitucionalidade visando a declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos legais já mencionados da Lei n. 9.121/09, sob a alegação de que os mesmos violam a Lei Complementar Federal n. 95/98, os arts. 36, 73, 74, 75, 76, 131 e 301, da Lei Orgânica Municipal, os arts. 16 e 17, da Lei de Responsabilidade Fiscal e art. 167, da Constituição Federal, verifica-se que não há,  ofensa direta e imediata ao texto constitucional estadual.

O que pode existir, no caso, é a contradição entre os dispositivos legais impugnados e os apontados como violados.

Essa antinomia é o que se denomina “crise de legalidade” ou “ofensa reflexa ao texto constitucional”, que não viabiliza a instauração   da jurisdição constitucional.

Os parâmetros de controle da validade jurídico-constitucional das leis, é cediço, devem estar assentados no próprio texto constitucional. O processo objetivo não se presta ao controle de inconstitucionalidades indiretas, mas apenas das afrontas diretas e imediatas do texto da Constituição.

Nesse sentido, mutatis mutandis, já decidiu o Pretório Excelso:

"É incabível a ação direta de inconstitucionalidade quando destinada a examinar atos normativos de natureza secundária que não regulem diretamente dispositivos constitucionais, mas sim normas legais. Violação indireta que não autoriza a aferição abstrata de conformação constitucional." (ADI 2.714, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 13-3-03, DJ de 27-2-04).

“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MP 1911-9/99. NORMA DE NATUREZA SECUNDÁRIA. VIOLAÇÃO INDIRETA. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME EM SEDE DE CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE. 1. É incabível a ação direta de inconstitucionalidade quando destinada a examinar ato normativo de natureza secundária que não regule diretamente dispositivos constitucionais, mas sim normas legais. Violação indireta que não autoriza a aferição abstrata de conformação constitucional. Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida.  (ADI 2065 / DF – DISTRITO FEDERAL, Relator(a):  Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. MAURÍCIO CORRÊ., Julgamento:  17/02/2000, Tribunal Pleno, DJ 04-06-2004 PP-00028, EMENT VOL-02154-01, PP-00114)”.

No mesmo: ADI-MC 1347/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, j. 05/09/1995, Tribunal Pleno, DJ 01-12-1995, p.41685, EMENT VOL-01811-02, p.00241; ADI 2626/DF – DISTRITO FEDERAL, Relator(a):  Min. SYDNEY SANCHES, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. ELLEN GRACIE. Julgamento: 18/04/2004.  Tribunal Pleno. DJ 05-03-2004, PP-00013, EMENT VOL-02142-03, PP-00354.

Desse entendimento não destoa a jurisprudência da Corte Paulista:

“As ações diretas de inconstitucionalidade devem ater-se a contrastes com dispositivos constitucionais, não com normas de direito comum, independente de sua hierarquia. A violação de dispositivo de leis ordinárias, leis complementares e mesmo de preceitos inseridos em lei orgânica do município, não pode ser invocada em ação direta” (TJSP, ADI 46.911-0/4-00, Órgão Especial, Rel. Des. Franciulli Netto, v.u., 08-09-1999).

Em suma, o Partido Político não apontou violação de dispositivo da Constituição do Estado de São Paulo, mas de artigo constante da Lei Complementar Federal n. 95/1998, da Lei de Responsabilidade Fiscal, da Lei Orgânica Municipal e da  Constituição da República. Ocorre que o contraste da lei impugnada com dispositivos da Constituição Federal ou com os outros atos normativos apontados, não viabiliza o processo abstrato, pois, na ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal, o único parâmetro a ser considerado é a Constituição do Estado (art. 125, § 2º, Constituição Federal).

         Diante do exposto, opino pela extinção do processo sem exame do mérito, com fundamento no art. 276, inc. V e VI, do CPC; vencida  a tese, pela improcedência  dada a   impossibilidade de se questionar, em ADI,  mera crise de legalidade.

 

São Paulo, 23 de fevereiro de 2010.

 

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

        - Assuntos Jurídicos -

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