Parecer
Autos nº. 994.09.227591-6 (180.892.0/4-00)
Requerente: Prefeito do Município de Orlândia
Objeto: inciso XXIII, do art. 90, da Lei Orgânica do Município de Orlândia.
Ementa: 1) Lei Orgânica do Município. Necessidade de autorização da Câmara Municipal para elaboração de convênios e consórcios. 2) Violação da regra da separação de poderes (art.5º, art.47 II e XIV, e art.144 da Constituição Paulista). Atos típicos de gestão administrativa, que envolvem o planejamento, a direção, a organização e a execução de medidas de governo. 3) Criação de mecanismo de controle externo não previsto na sistemática constitucional. Violação da simetria que deve existir, na matéria, com relação aos modelos constitucionais de controle da Administração. (art.33, 144 e 150 da Constituição do Estado). 4) Inconstitucionalidade parcialmente reconhecida.
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito Municipal de Orlândia, tendo por objeto o inciso XXIII, do art. 90, da Lei Orgânica do Município de Orlândia.
O pedido de liminar foi indeferido (fls. 80/82).
Citado, o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou da defesa do ato normativo (fls. 95/97).
O Presidente da Câmara Municipal deixou de prestar informações, fls. 99.
Este é o breve resumo do que consta dos autos.
O
dispositivo impugnado, da Lei Orgânica do Município de Orlândia, têm a seguinte
redação:
“Art.90º - Compete privativamente, ao Prefeito:
(...)
XXIII- celebrar convênios e consórcios com prévia autorização da Câmara Municipal”.
Entretanto,
tal dispositivo é verticalmente incompatível com nossa ordem constitucional,
face à flagrante violação ao princípio da separação de poderes (art.5º c.c. o
art.144 da constituição Paulista).
É
ponto pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo
cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de
planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder
Público. De outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a
função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e
abstração.
O
legislador municipal, na hipótese analisada, acolheu iniciativa parlamentar,
limitando o exercício, por parte do Chefe do Executivo, da regular
administração do Município.
Referido
diploma, na prática, invadiu a esfera da
gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, e envolve o planejamento, a direção, a organização e a
execução de atos de governo. Isso equivale à prática de ato de
administração, de sorte a malferir a separação dos poderes.
Cumpre
recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a
Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa:
a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa,
convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos,
individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos
segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e
independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao
governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com
usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir
prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou
retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao
princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art.2º c/c o
art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15ªed.,
atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo,
Malheiros, 2006, p.708 e 712).
Violação da simetria com
relação ao sistema de controle externo.
Também
por outro fundamento se chegará à conclusão de que o dispositivo impugnado é
inconstitucional.
Tanto
a Constituição Federal, como a Estadual, já estabelecem formas de controle
interno e externo, cuja essência deve ser seguida pelo legislador Municipal.
Recorde-se
a propósito o art.31 §1º da CR/88 prevê que o controle externo da Câmara
Municipal sobre o Executivo será “exercido
com o auxílio dos Tribunais de Contas dos Estados ou do Município ou dos
Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver”.
Por
outro lado, o art.33 da Constituição Paulista prevê que o controle externo seja
exercido pela Assembléia Legislativa, com o auxílio do Tribunal de Contas, com
várias atribuições contidas em seus diversos incisos, que, em linhas gerais,
replicam as atribuições do Tribunal de Contas da União, cf. art.71 da CR/88.
Por
seu turno, o art.150 da Carta Paulista reitera a existência de sistemas de
controle interno,
Deste
modo, dentro das sistemáticas de controle interno e externo, previstas tanto no
texto da Constituição Federal, como na Estadual, não se identifica, nem de modo
distante, metodologia de fiscalização que se assemelhe àquela adotada pelo
legislador municipal, no dispositivo impugnado na presente ação: necessidade de
prévio exame e autorização, pelo Legislativo local, de convênios, acordos e contratos
administrativos.
A
matéria já foi pacificada pelo E. STF, como se infere dos seguintes
precedentes: ADI 2.911, Rel. Min. Carlos Britto, julgamento em
10-8-06, DJ de 2-2-07; ADI 1.905-MC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento
em 19-11-98, DJ de 5-11-04; ADI 3.046, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento
em 15-4-04, DJ de 28-5-04; entre outros.
Esse
posicionamento tem, do mesmo modo, sido prestigiado por esse E. Tribunal de
Justiça: ADI 12.345-0, rel. Carlos
Ortiz, j. 15.05.91; ADI 096.538-0, rel. Viseu Júnior, j. 12.02.03, v.u.; ADI
123.145-0/9-00, rel. Aloísio de Toledo César, j.19.04.06 – m.v.; ADI
128.082-0/7-00, rel. Denser de Sá, j. 19.07.06, v.u.
Assim,
o dispositivo impugnado na presente ação, nitidamente: (a) violou o necessário
equilíbrio e harmonia que deve existir entre os Poderes Legislativo e
Executivo; (b) criou sistemática de controle não prevista na nossa ordem
constitucional; (c) desrespeitou, dessa forma, o “modelo” traçado pelo
constituinte para exercício do sistema de “freios e contrapesos”.
Deste
modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando
leis que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a
harmonia e independência que deve existir entre os poderes estatais.
Esse
E. Tribunal de Justiça tem declarado a inconstitucionalidade de leis municipais
de iniciativa parlamentar que interferem na gestão administrativa, com amparo
na violação da regra da separação de poderes: ADI 149.044-0/8-00, rel. des.
Armando Toledo, j.20.02.2008, v.u.; ADI 134.410-0/4, rel. des. Viana Santos, j.
05.03.2008; entre outros.
Anote-se que, no E. STF é pacífico o entendimento no sentido de que a exigência de autorização legislativa para a celebração de convênios, acordos ou contratos, é inconstitucional, por violar a regra da separação de poderes: ADI 342/PR, rel. Min. SYDNEY SANCHES, j. 06/02/2003, DJ 11-04-2003; ADI 1166/DF, rel. Min. ILMAR GALVÃO, j. 05/09/2002, DJ 25-10-2002; ADI 770/MG, rel. Min. ELLEN GRACIE, j. 01/07/2002, DJ 20-09-2002; ADI 462/BA, rel. Min. MOREIRA ALVES, j. 20/08/1997, DJ 18-02-2000; entre outros.
Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da parcial procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade apenas da expressão "com a prévia da Câmara Municipal" do inc. XXIII, do art.90, da Lei Orgânica do Município de Orlândia.
São Paulo, 01 de fevereiro de 2010.
Maurício Augusto Gomes
Subprocurador-Geral de Justiça
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