Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº 994.09.227736-8

(182.315.0/7-00)

Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo

Requerente: Prefeito Municipal de Platina

Objeto: Lei Municipal nº 966, de 29, de abril de 2008, de Platina

 

 

Ementa: 1) Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal nº 966, de 29, de abril de 2008, de Platina. Inclusão de despesas no plano plurianual do município. 2) Hipótese de inconstitucionalidade indireta. Necessidade de confronto com a legislação orçamentária do Município e com a Fonte de Financiamento dos Programas Governamentais, para a aferição quanto à existência ou não de receita.  3)Parecer no sentido da extinção da ação direta sem exame do mérito.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Senhor Prefeito Municipal de Platina, tendo como alvo a Lei Municipal nº 966, de 29 de abril de 2008, daquele município.

Alega o autor que a lei impugnada promoveu alteração do plano plurianual, elevação das despesas criadas, sem a “indicação dos recursos próprios para atender as alterações aprovadas pelo Legislativo Municipal”. Salienta, contudo, que a lei municipal é “tida como inconstitucional em razão de ter sido aprovada e promulgada sem a observância das cautelas previstas nos artigos citados, de forma que se estampa a irregularidade e a lesividade ao patrimônio público, segundo dispõe o artigo 15 da LC 101/200”.

Em virtude da determinação de emenda à inicial, “indicando os dispositivos da Constituição Estadual que entende violados”, houve por bem o autor indicar os arts. 74, inc. VI e XV; 90, II; e 144 (fls.20).

A liminar foi concedida (fls. 22/23).

O Procurador-Geral do Estado declinou de realizar a defesa do ato normativo (fls. 106/108).

A Câmara Municipal prestou informações (fls. 37/38).

É o relato do essencial.

A Lei Municipal nº 966, de 29, de abril de 2008, de Platina, de iniciativa do Poder Executivo Municipal, que “Dispõe sobre alteração de metas físicas e custos financeiros de programas governamentais constantes do PPA para o período de 2006 a 2009 do Município para os fins que especifica e dá outras providências”, tem a seguinte redação:

Art. 1º. Fica incluído no PLANO PLURIANUAL DO MUNICÍPIO DE PLATINA, para o período de 2006 a 2009, as metas físicas e os custos financeiros dos programas governamentais do exercício de 2009, constituídos pelos anexos nºs. II e III, constantes desta Lei, conforme segue:

Construção de prédio para a Câmara Municipal – R$ 100.000,00.

Art. 2º. Ficam alterados no PLANO PLURIANUAL DO MUNICÍPIO DE PLATINA, para o período de 2006 a 2009, as metas físicas e os custos financeiros dos programas governamentais do exercício de 2009, constituídos pelos anexos nºs. I e III, constantes desta lei, conforme segue:

Manutenção da Câmara Municipal – de R$319.400,00 para R$ 366.800,00

Reserva de Contingência – de R$ 37.000 para R$ 377.440

Manutenção do FUNDEB Infantil – de R$ 59.500,00 para R$ 81.500,00

Art. 3º. Diante das alterações de que tratam os artigos 1º e 2º desta Lei, fica reestimado a Fonte de Financiamento dos Programas Governamentais para o exercício de 2009, constante do anexo I, que também integra esta Lei.”

Verifica-se, no caso em exame, que não é viável a análise do pedido de declaração de inconstitucionalidade da lei, por inadequação da via eleita, na medida em que o requerente pretende, a pretexto da apreciação da ação direta, a análise de inconstitucionalidade indireta ou reflexa.

Note-se que a afirmação feita pelo requerente é no sentido de que a lei, ao promover a alteração de metas físicas e custos financeiros de programas governamentais, assim o fez sem que houvesse adequação à legislação infraconstitucional (Lei Complementar 101/2000).

Depois, os artigos da Constituição Estadual apontados às fls.20 nada mais se referem à competência, legitimidade de parte e autonomia dos municípios.

A análise de inconstitucionalidades indiretas ou reflexas não pode ser realizada em sede de ação direta de inconstitucionalidade, que não é o mecanismo adequado para tal fim.

Se a avaliação necessária, no caso, depende do exame sobre a compatibilidade entre a lei impugnada e a legislação orçamentária do Município, então o melhor caminho será o controle difuso da constitucionalidade da lei.

Isso decorre do entendimento que tem prevalecido na doutrina e na jurisprudência, nesse tema, no sentido de que no processo objetivo a única avaliação admissível é aquela referente à questão de direito, no confronto direto entre a lei e o texto constitucional.

No controle concentrado de constitucionalidade das leis, promovido por meio da ação direta, a discussão a respeito da legitimidade constitucional da norma é relativamente limitada.

Inconstitucionalidades indiretas ou reflexas, ou mesmo decorrentes de questões de fato, não podem ser aferidas. O único exame que se faz, no processo objetivo, decorre do confronto direto entre o ato normativo impugnado e o parâmetro constitucional (na hipótese, apenas estadual) adotado para fins de controle (STF, ADI 2.714, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 13-3-03, DJ de 27-2-04; ADI-MC 1347 /DF, Rel. Min. Celso de Mello, j. 05/09/1995, Tribunal Pleno, DJ 01-12-1995, p.41685, EMENT VOL-01811-02, p.00241, g.n.; ADI-MC n.º 842 - DF, RTJ 147/545-546).

A esse propósito, é oportuno averbar a advertência feita pelo i. Min. Celso de Mello, do E. STF: “A ação direta não pode ser degradada em sua condição jurídica de instrumento básico de defesa objetiva da ordem normativa inscrita na Constituição. A válida e adequada utilização desse meio processual exige que o exame ‘in abstracto’ do ato estatal impugnado seja realizado exclusivamente à luz do texto constitucional. Desse modo, a inconstitucionalidade deve transparecer diretamente do texto do ato estatal impugnado. A prolação desse juízo de desvalor não pode e nem deve depender, para efeito de controle normativo abstrato, da prévia análise de outras espécies jurídicas infraconstitucionais, para, somente a partir desse exame e num desdobramento exegético ulterior, efetivar-se o reconhecimento da ilegitimidade constitucional do ato questionado” (ADI-MC n.º 842 - DF, RTJ 147/545-546, g.n.).

Aqui, mais uma vez, torna-se necessário, como premissa para a solução da hipótese apresentada, apreciar o problema sob adequada perspectiva: deve-se levar em conta o papel que o ordenamento jurídico pátrio reserva à ação direta de inconstitucionalidade, como mecanismo de controle da compatibilidade vertical dos atos normativos infraconstitucionais com relação à Constituição.

A abertura do processo de controle concentrado não tem por escopo, é importante frisar, a elucidação de questões de fato (rectius = pontos de fato que se tornaram controversos) ou de crises de legalidade (confronto entre atos normativos infraconstitucionais). Isso, na medida em que, nestas ações, não se realiza o exame de determinada “lide”, invocada, nesse passo, na concepção carnelutiana, ou seja, como conflito de interesses qualificado pela existência de uma pretensão resistida.

No processo objetivo a questão sobre a qual o Tribunal se debruça é essencialmente jurídico-constitucional (dúvida ou controvérsia sobre a legitimidade do direito positivo infraconstitucional, em sua perspectiva de eventual confronto com determinado parâmetro constitucional).

Caso contrário, inviabilizado restaria o próprio processo objetivo, degradado de sua condição natural de sistema de controle abstrato da atividade legislativa (em que o Tribunal constitucional funciona como legislador negativo), à posição de simples desdobramento do exercício da função jurisdicional do Estado (consistente em examinar e solucionar litígios concretos).

Diante do exposto, dada a inadequação da via eleita, nosso parecer é no sentido da extinção da presente ação direta sem exame do mérito, com fundamento no art. 267, VI do CPC, ou caso se o analise, pela improcedência da ação, por ausência de afronta direta à Constituição do Estado de São Paulo.

São Paulo, 1 de fevereiro de 2010.

 

 

 

Maurício Augusto Gomes

Subprocurador-Geral de Justiça

- Assuntos Jurídicos –

 

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