Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 994.09.228246-9

(181.718-0/9-00)

Requerente: Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal de Jacareí

Objeto: Leis nºs 5.331/08 e 5.332/08, do Município de Jacareí.

 

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade.   Leis do município de Jacareí, referentes aos vencimentos dos Secretários e Servidores Municipais.  Alegado vício de iniciativa.  Projeto de lei de Vereador e do Prefeito Municipal. Matéria cuja iniciativa é privativa do Prefeito. Alegada ofensa ao princípio da separação dos Poderes e ausência de indicação da fonte de custeio (arts. 5º; 24, §2º, n.1; 25; e 47, II; da Constituição do Estado).

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal de Jacareí, contra as Leis ns. 5.331/08 e 5.332/08, daquele município, que fixaram os vencimentos de determinados setores do serviço público municipal.

Sustenta o autor que os projetos que as antecederam iniciaram-se na Câmara Municipal; e que não há indicação da fonte de custeio.

A liminar foi indeferida (fls.42/44).

O Presidente da Câmara Municipal deixou transcorrer "in albis" o prazo para as informações (fls.157).

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 55/57).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

2. Fundamentação

Em que pesem os elevados propósitos que as inspiraram, as Leis nºs 5.331/08 e 5.332/08, do Município de Jacareí são, de fato, e por motivos diferentes, incompatíveis com os artigos 5º; 24, §2º, n.1; 25 e 47, II, da Constituição do Estado, abaixo reproduzidos:

"Art. 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Art.24 - (...)

§2º - Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre:

(...)

1 - criação e extinção de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração;

 

Art.25 - Nenhum projeto de lei que implique a criação ou o aumento de despesa pública será sancionado sem que dele conste a indicação dos recursos disponíveis, próprios para atender aos novos encargos.

Art. 47 - Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição (...)

II - exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual.

Por primeiro, a Constituição do Estado, em simetria com o modelo Federal, não concede ao parlamentar a iniciativa de leis que disponham sobre a fixação da remuneração do servidor público da administração direta e autárquica.

Em realidade, a administração da cidade incumbe ao que, modernamente, chama-se de 'Governo', e que tem na lei seu mais relevante instrumento[1], participando sempre o Poder Legislativo na função de aprovar-desaprovar os atos[2]. Na hipótese de administração ordinária, cabe ao Legislativo o estabelecimento de normas gerais, diretrizes globais, jamais atos pontuais e específicos.

Sobre isso, ensinou Hely Lopes Meirelles que:

"A atribuição típica e predominante da Câmara é a normativa, isto é, a de regular a administração do Município e a conduta dos munícipes no que afeta aos interesses locais. A Câmara não administra o Município; estabelece, apenas, normas de administração. Não executa obras e serviços públicos; dispõe, unicamente, sobre sua execução. Não compõe nem dirige o funcionalismo da Prefeitura; edita, tão-somente, preceitos para sua organização e direção. Não arrecada nem aplica as rendas locais; apenas institui ou altera tributos ou autoriza sua arrecadação e aplicação. Não governa o Município; mas regula e controla a atuação governamental do Executivo, personalizado no prefeito. Eis aí a distinção marcante entre a missão normativa da Câmara e a função executiva do prefeito; o Legislativo delibera e atua com caráter regulatório genérico e abstrato; o Executivo consubstancia os mandamentos da norma legislativa em atos específicos e concretos de administração (...). A interferência de um Poder no outro é ilegítima, por atentatória da separação institucional de suas funções. Por idêntica razão constitucional, a Câmara não pode delegar funções ao prefeito, nem receber delegações do Executivo. Suas atribuições são incomunicáveis, estanques, intransferíveis (CF, art. 2º.). Assim como não cabe à Edilidade praticar atos do Executivo, não cabe a este substituí-la nas atividades que lhe são próprias. Em sua função normal e predominante sobre as demais, a Câmara elabora leis, isto é, normas abstratas, gerais e obrigatórias de conduta. Esta é sua função específica, bem diferenciada da do Executivo, que é a de praticar atos concretos de administração. Já dissemos - e convém se repita - que o Legislativo provê 'in genere', o Executivo 'in specie', a Câmara edita normas gerais, o prefeito as aplica aos casos particulares ocorrentes. Daí não ser permitido à Câmara intervir direta e concretamente nas atividades reservadas ao Executivo, que pedem provisões administrativas especiais manifestadas em ordens, proibições, concessões, permissões, nomeações, pagamentos, recebimentos, entendimentos verbais ou escritos com os interessados, contratos, realizações materiais da Administração e tudo o mais que se traduzir em atos ou medidas de execução governamental (...) Leis de iniciativa da Câmara ou, mais propriamente, de seus vereadores são todas as que a lei orgânica municipal não reserva, expressa privativamente, à iniciativa do prefeito. As leis orgânicas municipais devem reproduzir, dentre as matérias previstas nos arts. 61, § I, c/c 165 da CF, as que se inserem no âmbito da competência municipal. São, pois, de iniciativa exclusiva do prefeito, como chefe do Executivo local, os projetos de leis que disponham sobre a criação, estruturação e atribuição das secretarias, órgãos e entes da Administração Pública Municipal; matéria de organização administrativa e planejamento de execução de obras e serviços públicos; criação de cargos, funções ou empregos públicos na Administração direta, autárquica e fundacional do Município; o regime jurídico e previdenciário dos servidores municipais, fixação e aumento de sua remuneração; o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias, o orçamento anual e os créditos suplementares e especiais. Os demais projetos competem concorrentemente ao prefeito e à Câmara, na forma regimental.'[3]

Percebe-se que as leis em análise referem-se à remuneração do servidor público.   E, desta forma, além de curar de matéria da alçada do Poder Executivo, interferem na administração do orçamento, pois acarretam despesa sem a indicação da fonte de custeio, já que houve incremento no "quantum" remuneratório.

Em suma, a disciplina do servidor público e seu regime remuneratório é matéria que a Constituição reservou à iniciativa do Executivo, não podendo o Legislativo tomar a iniciativa a respeito.

Não bastasse o acima exposto, em casos assim esse E. Tribunal de Justiça tem reconhecido a inconstitucionalidade de normas que criam despesas para o Poder Público, sem a indicação das respectivas fontes de receita, em violação ao disposto no art.25 da Constituição Bandeirante. Confiram-se, a título de exemplificação, recentes julgados adiante indicados: ADI 134.844-0/4-00, rel. des. Jarbas Mazzoni, j. 19.09.2007, v.u.; ADI 135.527-0/5-00, rel. des. Carlos Stroppa, j.03.10.2007, v.u.; ADI 135.498-0/1-00, rel. des. Carlos Stroppa, j.03.10.2007, v.u.

Postas tais premissas, em linhas sobre as quais se assentam o estudo a respeito das impugnadas leis, necessário se faz a análise individual de cada qual, já que os fundamentos que levam à inconstitucionalidade de ambas não se identificam por completo.

Assim, no tocante à Lei n. 5.331/08, cujo texto encontra-se às fls.133 e segs. vê-se que o projeto que a antecedeu brota do Sr. Prefeito Municipal.   Logo, não há vício de iniciativa.

No entanto, referido diploma legal não indica a fonte de custeio, o que faz emergir a inconstitucionalidade por afronta ao art. 25 da Constituição Estadual.

Já no que se refere à Lei n. 5.332/08, o seu nascedouro encontra sede no Legislativo, conforme se pode ver às fls.95 e segs., verificando-se, desta forma, patente o vício de iniciativa e a conseqüente invasão de competência.

Esta lei, da mesma forma, que a anterior, também não indica a fonte de custeio, conquanto onere o município com o incremento de vencimentos.

Por fim, a apontada inconstitucionalidade material (violação ao princípio da igualdade), não pode ser questionada na presente ação, que visa o controle concentrado da norma, já que o parâmetro indicado é a Constituição Federal e para o que se pretende somente de paradigma serve o texto Constitucional Estadual.

Assim, pelas apontadas razões, a solução deste processo é a declaração de inconstitucionalidade das Leis nºs 5.331/08 e 5.332/08, do Município de Jacareí, que alteraram a remuneração dos subsídios dos Secretários e Servidores do SAEE daquele município, pois, na hipótese do vício de iniciativa, “se a Câmara, desatendendo à privatividade do Executivo para esses projetos, votar e aprovar leis sobre tais matérias, caberá ao prefeito vetá-las, por inconstitucionais. Sancionadas e promulgadas que sejam, nem por isso se nos afigura que convalesçam do vício inicial, porque o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais, inerentes às suas funções, como não pode delegá-las ou aquiescer que o Legislativo as exerça”[4].

Conclusão.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade das Leis ns. 5.331/08 e 5.332/08, do Município de Jacareí.

São Paulo, 2 de março de 2010.

 

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

        - Assuntos Jurídicos -

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[1] Christian Starck. 'El Concepto de ley en la constitucion alemana', p. 73, CEC, Madrid, 1979.

[2] "...O poder governante é que goza, de fato (e talvez de direito) de uma estabilidade garantida, necessária para a tradução em atos de um 'indirizzo'. É, em geral, delegatária, também, de importantes porções da função legislativa. Ao legislativo, sua função torna-se aquela convalidar-confirmar solenemente o 'indirizzo politico' decidido pelo Poder Governante revestindo as medidas sob a forma de lei. O bloqueio - com voto negativo – ao 'indirizzo' do Poder governante, ou a remoção formal deste ultimo - quando o regime o admite - deve ficar, pelas exigências do modelo, eventos absolutamente excepcionais. O Legislativo controla o Poder governante também com outros meios (investigações, comissões parlamentares etc). Provê as leis para a integração normativa das escolhas feitas no 'indirizzo governativo'." Giovanni Bognetti, 'In' 'Digesto Delle Discipline Pubblicistiche', p. 376, XI, UTET.

[3] Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro, 12ª. ed., São Paulo: Malheiros, p. 576.

[4] Hely Lopes Meirelles. Direito Municipal Brasileiro, 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2008,  p. 748.