Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 994.09.229236-7 (188.196-0/6-00)

Requerente: Associação Brasileira de Shopping Centers

Objeto: Lei nº 12.582, de 23 de junho de 2006, do Município de Campinas 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade movida pela Associação Brasileira de Shopping Centers – ABRASCE, tendo por objeto a Lei nº 12.582, de 23 de junho de 2006, do Município de Campinas, que “dispõe sobre a isenção do pagamento da tarifa de estacionamento aos funcionários e proprietários dos estabelecimentos comerciais dos shopping centers instalados no Município de Campinas”. Ato normativo que, estabelecendo limitações ao direito de propriedade, trata de Direito Civil, matéria estranha à competência legislativa municipal (art. 22, inc. I, da CF). Ofensa ao pacto federativo (art. 144 da Constituição do Estado). Parecer pela procedência da ação.

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pela Associação Brasileira de Shopping Centers – ABRASCE, tendo por objeto a Lei nº 12.582, de 23 de junho de 2006, do Município de Campinas, que “dispõe sobre a isenção do pagamento da tarifa de estacionamento aos funcionários e proprietários dos estabelecimentos comerciais dos shopping centers instalados no Município de Campinas” (fls. 56).

Sustenta a associação-autora que a lei, concedendo aos proprietários e funcionários dos estabelecimentos comerciais dos shopping centers  isenção do pagamento da tarifa de estacionamentos, trata de direito civil, matéria reservada à União (art. 22, inc. I, da Constituição Federal), violando, em consequência, os artigos 1º, 111 e 144 da Carta Paulista.

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 399/400).

O Presidente da Câmara Municipal se manifestou a fls. 410 e ss. Em preliminar, sustentou a ilegitimidade da associação; no mérito, defendeu a constitucionalidade do ato normativo.

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 421/423).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A preliminar arguida pelo Presidente da Câmara Municipal não deve ser acolhida.

O conceito de entidade de classe, para os fins do art. 90, inc. V, da Constituição Paulista, é, de fato, limitado e reproduz no âmbito estadual as mesmas restrições encontradas no plano federal.

Entidade de classe é aquela constituída para a defesa de uma determinada categoria profissional, “cujo conteúdo seja ‘imediatamente dirigido à idéia de profissão, - entendendo-se classe no sentido não de simples segmento social, de classe social, mas de categoria profissional’” (MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 23ª. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 742, grifos do original).

O STF estabeleceu que a associação legitimada é aquela que, em essência, representa o interesse comum de determinada categoria (ADI 34/DF, rel. Octavio Galloti, RTJ 128/481) e, desse modo, consolidou o entendimento de que o Constituinte decidiu por uma legitimação limitada, “não permitindo que se convertesse o direito de propositura dessas organizações de classe em autêntica ação popular” (MARTINS, Ives Gandra e MENDES, Gilmar Ferreira. Controle concentrado de constitucionalidade. 3ª. ed., São Paulo: Saraiva, p. 170). Por isso, a Corte Constitucional nega legitimação às entidades formadas por associados pertencentes a categorias diversas, cujos objetivos, quando individualmente considerados, se mostram contrastantes (ADI – 108/DF, Celso de Mello, DJ 5 Jun. 1992, p. 8426).

Esta, entretanto, não parece ser a hipótese dos autos.

De acordo com o ato constitutivo da ABRASCE, a entidade ter por finalidade “representar e defender os interesses dos empreendedores, investidores e gestores de shopping centers” (art. 1º), tomando, se necessário, medidas judiciais para preservar os interesses do setor (art. 2º, a e b).

O provimento jurisdicional almejado atende objetivamente à finalidade associativa, impondo-se reconhecer, na espécie, a legitimidade da autora.

No mérito, a ação é procedente.

O direito de propriedade é garantido na Constituição Federal (art. 5º, inc. XXII), podendo, por previsão legal, sofrer certas limitações.

No plano infraconstitucional, as limitações ao uso lícito da propriedade são temas do Direito Civil (cf. STF, ADI 2.448, rel. min. Sydney Sanches, pleno, 243.04.2003; ADI 1.472, rel. Min. Ilmar Galvão, pleno, 05.09.2002; ADI 1.918, rel. min. Maurício Corrêa, pleno, 23.08.2001; ADI-MC 1.623, rel. min. Moreira Alves, pleno, 25.06.1997), matéria estranha à competência legislativa do Município, nos termos do art. 22, inc. I, da Constituição da República.

Entende-se, por isso, que, ao editar a norma impugnada, o legislador municipal usurpou a competência da União, com violação do pacto federativo, extraível dos art. 1º e 18 da Lei Maior, ofendendo, igualmente, o art. 144 da Constituição Paulista que prevê:

“Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

No julgamento da ADIN 130.227.0/0-00, em 21.08.07, essa C. Corte acolheu a tese acima aventada (possibilidade de declaração de inconstitucionalidade de lei municipal por violação do princípio da repartição de competências estabelecido pela Constituição Federal). Do voto do Des. ALMEIDA GUILHERME se extrai a seguinte lição:

“(...) Ora, um dos princípios da Constituição Federal – e de capital importância – é o princípio federativo, que se expressa, no Título I, denominado ‘Dos Princípios Fundamentais’, logo no art.1º: ‘A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito...’.

Sendo a organização federativa do Estado brasileiro um princípio fundamental da República do Brasil, e constituindo elemento essencial dessa forma de estado a distribuição de competência legislativa dos entes federados, inescapável a conclusão de ser essa discriminação de competência um princípio estabelecido na Constituição Federal.

Assim, quando o referido art.144 ordena que os Municípios, ao se organizarem, devem atender os princípios da Constituição Federal, fica claro que se estes editam lei municipal fora dos parâmetros de sua competência legislativa, invadindo a esfera de competência legislativa da união, não estão obedecendo ao princípio federativo, e, pois, afrontando estão o art.144 da Constituição do Estado (...)” (trecho do voto do Des. Walter de Almeida Guilherme, no julgamento da ADI 130.227.0/0-00).

Especificamente sobre o tema, cumpre dizer que, tal como afirma a entidade autora, esse E. Tribunal de Justiça reconheceu a inconstitucionalidade de norma análoga, como demonstra o v. Acórdão reproduzido a fls. 78/102, com a seguinte ementa:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE PROPOSTA OR SINDICATO, OBJETIVANDO A DESCONSTITUIÇÃO DE LEIS MUNICIPAIS QUE PROÍBEM A COBRANÇA DE ESTACIONAMENTO EM SHOPPING CENTERS, SUPERMERCADOS, BANCOS, LOJAS DE DEPARTAMENTOS, HOSPITAIS E CONGÊNERES, E INSTITUIÇÕES EDUCACIONAIS.

RESTRIÇÃO ARBITRÁRIA A DIREITOS INERENTES À PROPRIEDADE PRIVADA, QUAIS SEJAM, USAR E FRUIR.

Afronta à garantia do direito de propriedade, prevista na Constituição Federal, com esvaziamento de seu conteúdo sem o devido processo legal, e violando-se a razoabilidade.

INVASÃO DA COMPETÊNCIA DA UNIÃO FEDERAL PARA LEGISLAR SOBRE DIREITO CIVIL.

INCOMPATIBILIDADE FORMAL E MATERIAL COM O ARTIGO 22, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

Restrição que não se confunde com limitação administrativa.

OFENSA AOS ARTIGOS 22, INCISO I; 5º, XXII, XXIV e LIV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, BEM COMO AOS ARTIGOS 1º; 5º; 111 e 144 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL.

LEGITIMIDADE ATIVA.

Rejeitada a matéria preliminar, julgaram procedente a ação (ADIN nº 84.568-0/6, rel. Des. MOHAMED AMARO, j. 19.06.2002).

Pelo exposto, opino pela rejeição da preliminar e, no mérito, pela procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 12.582, de 23 de junho de 2006, do Município de Campinas, que “dispõe sobre a isenção do pagamento da tarifa de estacionamento aos funcionários e proprietários dos estabelecimentos comerciais dos shopping centers instalados no Município de Campinas”.

 

São Paulo, 26 de abril de 2010.

                                    

 

         Sérgio Turra Sobrane

         Subprocurador-Geral de Justiça

         Jurídico

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