Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade
Processo n. 994.09.229245-6 (188.187-0/5-00)
Requerente: Prefeito do Município de Itararé
Objeto: Lei n. 3.188, de 03 de junho de 2009, do Município de
Itararé
Ementa: Constitucional.
Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 3.188/09, do
Município de Itararé. Disciplina do reflorestamento de espécies exóticas.
Inexistência de violação ao princípio da separação de poderes. 1. Inadmissível controle
abstrato de constitucionalidade de lei local sob alegação de usurpação de
competência normativa federal, pouco importando articulação de ofensa à Constituição
do Estado sob o mote de violação ao princípio federativo (STF, Rcl 5.096-SP). 2.
Não se qualifica invasão da competência legislativa estadual a atribuição tão
somente de competência material estadual (arts. 184 e 191, CE), à vista do art.
30, I e VIII, CF. 3. A regulação do reflorestamento de espécies
exóticas, com descrição de infrações, previsão de sanções, e imposição de deveres
e responsabilidades, dirigidas aos particulares, manifesta o exercício da polícia
administrativa, matéria que não é reservada à iniciativa legislativa do Chefe
do Poder Executivo e nem é da reserva da Administração. 4. A reserva de
iniciativa legislativa é excepcional e, por isso, não se presume e merece
interpretação restritiva. 5. Improcedência da ação.
Colendo
Órgão Especial:
1. Trata-se de ação direta de
inconstitucionalidade impugnando a Lei n. 3.188, de 03 de junho de 2009, do
Município de Itararé, que disciplina o reflorestamento de espécies exóticas,
por violação aos arts. 5º, 184 e 191, da Constituição do Estado, e ao art. 22,
I, da Constituição Federal (fls. 02/25). Concedida liminar (fls. 32/33), a
Câmara Municipal defendeu sua constitucionalidade (fls. 47/50) e a douta
Procuradoria-Geral do Estado declinou de sua intervenção no processo (fls.
61/63).
2. É o relatório.
3. A
Lei n. 3.188/09 é de iniciativa parlamentar e a petição inicial além de acusar
violação à separação de poderes, por traduzir hipótese de iniciativa reservada
do Chefe do Poder Executivo a criação de programa, com proibições, sanções e
receitas, assinala incompetência normativa à vista do art. 22, I, da
Constituição Federal e dos arts. 184 e 191 da Constituição Estadual.
4. Com relação à violação ao art.
22, I, da Constituição Federal, o fundamento não merece conhecimento, por
afrontar o § 2º do art. 125 da Constituição Federal que elege como exclusivo
parâmetro da constitucionalidade de lei ou ato normativo municipal a
Constituição Estadual, bem como por não aviar-se a empolgação de agressão ao
princípio federativo com lastro nos arts. 1º e 144 da Constituição Estadual:
“COMPETÊNCIA - PROCESSO OBJETIVO - CONFLITO DE LEI ESTADUAL COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL. O conflito de lei estadual disciplinadora da atribuição normativa para legislar sobre exercício profissional resolve-se considerada a Constituição Federal, pouco importando articulação, na inicial, de ofensa à Carta do Estado no que revela princípios gerais - de competir à Unidade da Federação normatizar o que não lhe seja vedado e respeitar a atuação municipal” (STF, Rcl 5.096-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, 20-05-2009, v.u., DJe 18-06-2009).
5. A Constituição Estadual confere
tão somente, nos arts. 184 e 191, competência executiva (ou material) ao
Estado, com a cooperação dos Municípios, o que, portanto, não elimina, em linha
de princípio, a competência normativa municipal para assuntos de interesse
local e a disciplina do uso e da ocupação do solo urbano (art. 30, I e VIII,
Constituição Federal) e proteção de espaços territoriais (art. 225, III,
Constituição Federal).
6. A lei local cuidou da regulação
do reflorestamento de espécies exóticas, com descrição de infrações, previsão
de sanções e imposição de deveres e responsabilidades, dirigidas aos
particulares, manifestando o exercício da polícia administrativa, assunto em
que não há reserva de iniciativa legislativa em favor do Chefe do Poder
Executivo.
7. Regra é a iniciativa legislativa
pertencente ao Poder Legislativo; exceção é a atribuição de reserva a certa
categoria de agentes, entidades e órgãos, e que, por isso, não se presume.
Corolário é a devida interpretação restritiva às hipóteses de iniciativa
legislativa reservada, perfilhando tradicional lição salientando que:
“a distribuição das funções entre os órgãos do Estado (poderes), isto é, a determinação das competências, constitui tarefa do Poder Constituinte, através da Constituição. Donde se conclui que as exceções ao princípio da separação, isto é, todas aquelas participações de cada poder, a título secundário, em funções que teórica e normalmente competiriam a outro poder, só serão admissíveis quando a Constituição as estabeleça, e nos termos em que fizer. Não é lícito à lei ordinária, nem ao juiz, nem ao intérprete, criarem novas exceções, novas participações secundárias, violadoras do princípio geral de que a cada categoria de órgãos compete aquelas funções correspondentes à sua natureza específica” (J. H. Meirelles Teixeira. Curso de Direito Constitucional, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, pp. 581, 592-593).
8. Fixadas estas premissas, as
reservas de iniciativa legislativa a autoridades, agentes, entidades ou órgãos
públicos diversos do Poder Legislativo devem sempre ser interpretadas
restritivamente na medida em que, ao transferirem a ignição do processo
legislativo, operam reduções a funções típicas do Parlamento e de seus membros.
Neste sentido, colhe-se da Suprema Corte:
“A iniciativa reservada, por constituir matéria de direito
estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em
que – por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo –
deve necessariamente derivar de norma constitucional explícita e inequívoca” (STF,
ADI-MC 724-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 27-04-2001).
“As hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus clausus, no artigo 61 da Constituição do Brasil --- matérias relativas ao funcionamento da Administração Pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo” (RT 866/112).
“A disciplina jurídica do processo de elaboração das leis tem
matriz essencialmente constitucional, pois residem, no texto da Constituição -
e nele somente -, os princípios que regem o procedimento de formação
legislativa, inclusive aqueles que concernem ao exercício do poder de
iniciativa das leis. - A teoria geral do processo legislativo, ao versar a
questão da iniciativa vinculada das leis, adverte que esta somente se legitima
- considerada a qualificação eminentemente constitucional do poder de agir em
sede legislativa - se houver, no texto da própria Constituição, dispositivo
que, de modo expresso, a preveja. Em conseqüência desse modelo constitucional,
nenhuma lei, no sistema de direito positivo vigente no Brasil, dispõe de
autoridade suficiente para impor, ao Chefe do Executivo, o exercício
compulsório do poder de iniciativa legislativa” (STF, MS 22.690-CE, Tribunal
Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 17-04-1997, v.u., DJ 07-12-2006, p. 36).
9. Se “as regras do processo legislativo federal,
especialmente as que dizem respeito à iniciativa reservada, são normas de
observância obrigatória pelos Estados-membros” (STF, ADI 2.719-1-ES, Tribunal
Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 20-03-2003, v.u.), considera-se que o preceito da Constituição Federal contido no art. 61, § 1º,
II, b, não é de observância obrigatória nem simetricamente extensível ao
plano constitucional estadual (STF, ADI 2.464-AP, Tribunal Pleno, Rel. Min.
Ellen Gracie, 11-04-2007, v.u., DJe 24-05-2007).
10. De qualquer modo, não se verifica
no rol do § 2º do art. 24 da Constituição Estadual a descrição de reserva de
iniciativa legislativa ao Chefe do Poder Executivo, e, tampouco, de reserva de
Administração no art. 47, II, XIV e XIX, a, da Constituição Estadual,
até porque a matéria objeto da lei local impugnada é da reserva de lei, nos
termos do art. 111 da Constituição Estadual na medida em que interfere na
esfera de liberdades e direitos dos administrados.
11. Opino pela improcedência da ação.
São Paulo, 28 de junho de 2010.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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