Parecer
Autos nº. 994.09.229737-7
(186.671-0/0-00)
Requerente: Prefeito Municipal de São José do Rio Preto
Objeto: Lei nº 10.479, de 23 de outubro 2009, do Município de São José do Rio Preto
Ementa: 1) Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal. Iniciativa parlamentar. Determinação para que a Prefeitura Municipal instale banheiros químicos nas feiras livres do Município de São José do Rio Preto. 2) Violação da separação de poderes. Ato normativo que invade a esfera da gestão administrativa (art.5º, 47 II e XIV da Constituição Paulista). 3) Criação de novas despesas sem a indicação da respectiva fonte de receitas (art.25 da Constituição Paulista). 5) Inconstitucionalidade reconhecida.
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito Municipal de São José do Rio Preto, tendo por objeto a Lei Municipal n.º 10.479, de 23 de outubro de 2009, que “Dispõe sobre a instalação de banheiros químicos nas feiras livres do Município de São José do Rio Preto”.
Sustenta o autor que o projeto que a antecedeu iniciou-se na Câmara Municipal e que, depois de aprovado, foi integralmente vetado pelo Poder Executivo. O veto foi derrubado e, afinal, a lei foi promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal.
A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 22).
O Presidente da Câmara Municipal se manifestou a fls. 30/31, em defesa da constitucionalidade da norma, alegando tratar-se de iniciativa concorrente.
A Procuradoria-Geral do Estado não foi citada.
Este é o breve resumo do que consta dos autos.
Preliminarmente, requer-se a citação do Senhor Procurador-Geral do Estado, a fim de defender o ato normativo impugnado, nos termos do art.90 §2º da Constituição Estadual.
No mérito, em que pese a boa intenção estampada na propositura legislativa que culminou se transformando na lei impugnada nesta ação, o ato normativo é verticalmente incompatível com nossa sistemática constitucional.
Este é o teor do ato normativo impugnado, no que interessa:
“Art.1º - O poder Executivo deverá colocar à disposição da população banheiros químicos durante a realização de feiras livres no Município, utilizando a quantidade de módulos compatível e proporcional à previsão da densidade humana.
Art.2º - Ficam excetuadas da obrigatoriedade contida no artigo 1º as feiras realizadas em locais fechados que disponham de instalações sanitárias.
Art.3º - As despesas decorrentes da execução da presente Lei correão por conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.”
A lei, de
iniciativa parlamentar, cria obrigações e estabelece condutas a serem cumpridas
pela Administração Pública, prevendo a obrigação de instalar banheiros químicos
em feiras livres do município.
Não há dúvida de que, como tal, a iniciativa
parlamentar, ainda que revestida de boas intenções, invadiu a esfera da gestão
administrativa, e como tal, é inconstitucional, por violar o disposto no art.5º
e no art.47 II e XIV da Constituição Paulista.
É ponto pacífico na doutrina, bem como na
jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe primordialmente a função de
administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e
execução de atividades inerentes ao Poder Público. De outra banda, ao Poder
Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja, atos
normativos revestidos de generalidade e abstração.
O legislador municipal, na hipótese analisada, criou
obrigações de cunho administrativo para a Administração Pública local.
Abstraindo quanto aos motivos que podem ter levado a
tal solução legislativa, ela se apresenta como manifestamente inconstitucional,
por interferir na realização, em certa medida, da gestão administrativa do
Município.
Referido diploma, na prática, invadiu a esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder
Executivo, e envolve o planejamento, a
direção, a organização e a execução de atos de governo. Isso equivale à
prática de ato de administração, de sorte a malferir a separação dos poderes.
Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes
Meirelles, anotando que
“a Prefeitura não pode legislar, como a
Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa:
a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa,
convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos,
individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo
as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência
dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local.
Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções
é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também
toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou
do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos
do governo local (CF, art.2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder
Judiciário” (Direito
municipal brasileiro, 15ªed., atualizada por Márcio Schneider Reis e
Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p.708 e 712).
Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder
Legislativo administra, editando leis que equivalem na prática a verdadeiros
atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre
os poderes estatais.
Esse E. Tribunal de Justiça tem declarado a inconstitucionalidade
de leis municipais de iniciativa parlamentar que interferem na gestão
administrativa, com amparo na violação da regra da separação de poderes,
conforme ementas de julgados recentes, transcritas a seguir:
“Ação
direta de inconstitucionalidade. Lei 9882, de 20 de abril de 2007, do Município
de São José do Rio Preto. Obrigatoriedade de ascensoristas nos elevadores dos
edifícios comerciais. Violação ao princípio constitucional da independência
entre os poderes. Inconstitucionalidade declarada. Pedido julgado procedente.”
(TJSP, ADI 149.044-0/8-00, rel. des. Armando Toledo, j.20.02.2008, v.u.).
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei Municipal de Itapetininga n° 4.979, de 28 de setembro de 2.005, do Município de Itapetininga, que dispõe sobre a obrigatoriedade de confecção distribuição de material explicativo dos efeitos das radiações emitidas pelos aparelhos celulares e sobre sua correta utilização, e dá outras providências. Decorrente de projeto de iniciativa parlamentar, promulgada pela Câmara Municipal depois de rejeitado o veto do Prefeito - Realmente, há que se reconhecer que a Câmara Municipal exorbitou no exercício da função legislativa, interferindo em atividade concreta do Poder Executivo - Afronta aos artigos 5°, 25, e 144 e da Constituição Estadual. JULGARAM PROCEDENTE A AÇÃO.” (TJSP, ADI 134.410-0/4, rel. des. Viana Santos, j. 05.03.2008).
Não bastasse
o acima exposto, em casos assim esse E. Tribunal de Justiça tem reconhecido a
inconstitucionalidade de normas que criam despesas para o Poder Público, sem a
indicação das respectivas fontes de receita, em violação ao disposto no art.25
da Constituição Bandeirante. Confiram-se, a título de exemplificação, recentes
julgados adiante indicados: ADI 134.844-0/4-00, rel. des. Jarbas Mazzoni, j.
19.09.2007, v.u.; ADI 135.527-0/5-00, rel. des. Carlos Stroppa, j.03.10.2007,
v.u.; ADI 135.498-0/1-00, rel. des. Carlos Stroppa, j.03.10.2007, v.u.
Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 10.479, de 23 de outubro de 2009, de São José do Rio Preto.
São Paulo, 23 de março de 2010.
Maurício Augusto Gomes
Subprocurador-Geral de Justiça
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