Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

 

Autos nº.  994.09.229769-5 (186.639.0/4-00)

Requerente: Prefeito Municipal de Iperó

Objeto: Lei nº 681, de 16 de março de 2009, do Município de Iperó

 

 

Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade.   Instituição do feriado em homenagem ao dia da Consciência Negra.   Legislação Municipal.   Iniciativa concorrente para a deflagração do processo legislativo.  Interesse local presente.   Constitucionalidade da norma constatada.  Parecer pela improcedência da ação.

 

 

 

Excelentíssimo Senhor Desembargador-Presidente:

 

 

Conforme se depreende dos autos, o Prefeito Municipal de Iperó ingressou com a presente ação a fim de que fosse declarada a inconstitucionalidade da Lei nº 681, de 16 de março de 2009, do Município de Iperó, que instituiu o feriado municipal em homenagem ao "Dia da Consciência Negra", sob o argumento de que referido diploma legal estaria maculado pelo vício de iniciativa, já que o projeto é oriundo do Poder Legislativo.   Alega, ainda, que a Lei cria despesas sem que haja previsão de recursos para com elas arcar.   Continua, levantando hipótese de ferimento à legislação federal.   E arremata aduzindo que houve violação ao princípio da separação dos poderes.

A liminar foi indeferida (fls.45), porque não se vislumbrou a presença "indispensável do requisito fumus boni iuris"

A Câmara Municipal prestou informações às fls.66/68, em defesa da norma impugnada.

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa da norma questionada, consignando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 62/64).

É a síntese do necessário.

Assim dispõe a impugnada norma:

Artigo 1º - Fica instituído no Município de Iperó, feriado municipal no dia 20 de novembro, dia de Zumbi dos Palmares, em homenagem ao dia da Consciência Negra.

§ Único - A data terá como objetivo elevar e ressaltar a cultura original da população negra e afro-descendente, estimular a cidadania e a solidariedade e fomentar a produção artística e cultural em todas as suas formas.

Artigo 2º - Fica o poder público autorizado a executar as ações comemorativas alusivas à efemeridade.

Artigo 3º - A prefeitura municipal envidará esforços no sentido de colaborar com a realização de eventos durante o dia 20 (vinte) de novembro, preferencialmente em espaços públicos municipais, incentivando a participação da sociedade civil, e promovendo atividades de conscientização do real motivo do feriado em homenagem à 'Consciência Negra'.

Artigo 4º - As despesas com a execução da presente lei correrão por conta de verba orçamentária própria, suplementada se necessário.

Artigo 5º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação."

A respeito de feriados, dispõe a Lei federal n. 9.093, de 12 de setembro de 1995:

            “Art. 1º- São feriados civis:

         I- os declarados em lei federal;

           II- a data magna do Estado fixada em lei federal;

          III- os dias do início e do término do ano do centenário de fundação do Município, fixados em lei municipal;

          Art. 2º- São feriados religiosos os dias de guarda, declarados em lei municipal, de acordo com a tradição local e em número não superior a quatro, neste incluída a Sexta-feira da Paixão.

         Art. 3º- Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

         Art. 4º- Revogam-se as disposições em contrário, especialmente o art. 11 da Lei nº 605, de 5 de janeiro de 1949.”

Diante do que dispõe esse diploma, seria possível argumentar que, se que o legislador federal disciplinou o tema em todo o território nacional, o assunto não se restringiria exclusivamente ao interesse local, transcendendo aos interesses meramente municipais.  E o feriado da “Consciência Negra”, de natureza civil, não se enquadra na hipótese do art. 1º., inciso III da norma transcrita.

Todavia, o confronto com a legislação federal não é admissível nesta sede, uma vez que o único parâmetro de controle aqui admitido é a Constituição do Estado, conforme esta dispõe em seu art. 90 (em consonância, aliás, com o previsto no art. 125, § 2º. da Carta da República).

A esse respeito, ensina o Ministro Gilmar Mendes:

“não se pode, no sistema brasileiro, invocar o direito federal como parâmetro do controle abstrato de normas. A legislação ordinária federal pode assumir relevância, porém, na aferição de constitucionalidade de leis estaduais, editadas com fundamento na competência concorrente (CF, art. 24, §§ 3º e 4º). É que, existindo lei federal sobre as matérias elencadas no art. 24 (incisos I – XVI), não pode o Estado-Membro fazer uso da competência legislativa plena que lhe é assegurada em caso de ‘vácuo-legislativo’. A norma federal ordinária limita e condiciona essa faculdade.”[1]

Em julgamento realizado por esse Egrégio Órgão Especial, em outra ação direta de inconstitucionalidade versando tema idêntico (instituição do feriado da “Consciência Negra” pelo município de Santa Bárbara d´Oeste) foi assinalado:

                      “A Constituição da República, ademais, não veda aos municípios, desde que respeitados os limites da razoabilidade, fixar datas de feriados segundo as suas próprias tradições (art. 30, I). Diante, pois, da necessidade de análise de legislação infraconstitucional e de ausência, na Constituição do Estado, de dispositivos que impeçam os Municípios de legislar sobre feriados, a lei que se busca impugnar não pode ser tachada de inconstitucional por esta E. Corte de Justiça[2].”

Nesse aresto, concluiu-se pela ausência de parâmetro de controle na Constituição Estadual, declarando-se extinto o feito sem julgamento do mérito.

De modo similar decidiu o Colendo Supremo Tribunal Federal, ao examinar a alegada inconstitucionalidade de lei de mesmo teor do município do Rio de Janeiro: 

“O Município do Rio de Janeiro legislou sobre assunto que pode ser tido como de interesse local, muito embora não se mostre peculiar, específico, exclusivo ao campo de atuação. Esse predicado é dispensável, porquanto não há antinomia entre a noção de interesses locais e interesses gerais. Quanto ao inciso II, já foi dito que a suplementação diz respeito à legitimação concorrente. Em suma, acabou-se por julgar procedente a representação não considerados os parâmetros, em si, da Carta do Estado do Rio de Janeiro, mas os limites da legislação federal. Ao assim se proceder, adotou-se entendimento distanciado das balizas ditadas pelo artigo 125, § 2º, da Constituição Federal, além de invadir-se, no julgamento de fundo, área reservada ao Município.”[3]

Assim, posta a questão, vê-se que, uma vez atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e Estadual, não há afronta ao art. 144 desta última, como alegado pelo requerente.

Os parâmetros de controle da validade jurídico-constitucional das leis, é cediço, devem estar assentados no próprio texto constitucional. O processo objetivo não se presta ao controle de inconstitucionalidades indiretas, mas apenas das afrontas diretas e imediatas do texto da Constituição.

Nesse sentido, mutatis mutandis, já decidiu o Pretório Excelso:

"É incabível a ação direta de inconstitucionalidade quando destinada a examinar atos normativos de natureza secundária que não regulem diretamente dispositivos constitucionais, mas sim normas legais. Violação indireta que não autoriza a aferição abstrata de conformação constitucional." (ADI 2.714, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 13-3-03, DJ de 27-2-04).

“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MP 1911-9/99. NORMA DE NATUREZA SECUNDÁRIA. VIOLAÇÃO INDIRETA. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME EM SEDE DE CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE. 1. É incabível a ação direta de inconstitucionalidade quando destinada a examinar ato normativo de natureza secundária que não regule diretamente dispositivos constitucionais, mas sim normas legais. Violação indireta que não autoriza a aferição abstrata de conformação constitucional. Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida.  (ADI 2065 / DF – DISTRITO FEDERAL, Relator(a):  Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. MAURÍCIO CORRÊ., Julgamento:  17/02/2000, Tribunal Pleno, DJ 04-06-2004 PP-00028, EMENT VOL-02154-01, PP-00114)”.

No mesmo: ADI-MC 1347/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, j. 05/09/1995, Tribunal Pleno, DJ 01-12-1995, p.41685, EMENT VOL-01811-02, p.00241; ADI 2626/DF – DISTRITO FEDERAL, Relator(a):  Min. SYDNEY SANCHES, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. ELLEN GRACIE. Julgamento: 18/04/2004.  Tribunal Pleno. DJ 05-03-2004, PP-00013, EMENT VOL-02142-03, PP-00354.

Desse entendimento não destoa a jurisprudência da Corte Paulista:

“As ações diretas de inconstitucionalidade devem ater-se a contrastes com dispositivos constitucionais, não com normas de direito comum, independente de sua hierarquia. A violação de dispositivo de leis ordinárias, leis complementares e mesmo de preceitos inseridos em lei orgânica do município, não pode ser invocada em ação direta” (TJSP, ADI 46.911-0/4-00, Órgão Especial, Rel. Des. Franciulli Netto, v.u., 08-09-1999).

Quanto ao alegado vício formal, pode-se afirmar que a matéria versada na lei impugnada não é de iniciativa legislativa reservada ao Executivo, pois não está contemplada no rol do art. 24, § 2º, 1 a 6, da Constituição Paulista, inexistindo, por esse aspecto, qualquer inconstitucionalidade a ser declarada em razão do impulso parlamentar dado ao projeto que culminou com a edição do ato normativo em epígrafe.

         De outro lado, não há, também, violação ao postulado constitucional da independência e harmonia entre os Poderes. A Constituição Federal atribuiu competência aos Municípios para legislar sobre assuntos de interesse local, bem como para suplementar a legislação federal e a estadual no que couber (art.30, I e II da CF). E legislar a respeito do tema não significa invadir a seara da administração local.

         A propósito, a Constituição do Estado prescreve iniciativa privativa do Chefe do Executivo para leis que versem, em síntese, sobre: cargos, funções e empregos públicos na administração direta e indireta e sua remuneração; criação e extinção de órgãos na administração pública; regime jurídico dos servidores públicos (cf. art.24, §2º, n. 1 a 6 da Constituição Estadual). Reitera a Carta Paulista, em linhas gerais, as limitações contidas no art.61, §1º, inciso II da Constituição Federal.

         De outro lado, a Constituição do Estado de São Paulo também determina que cabe ao Executivo exercer a direção superior da Administração Estadual, bem como a prática de atos de administração (art.47, incisos II e XIV).

         O princípio da independência e harmonia entre os Poderes, adotado expressamente no ordenamento constitucional brasileiro, não coloca o Executivo em posição de preeminência, e o Legislativo em situação de mera coadjuvação. É indispensável vislumbrar na proporcionalidade de forças na formulação das opções políticas do Estado, decorrente do sistema de separação associado aos freios e contrapesos (checks and balances), que Executivo e Legislativo, atuando em suas respectivas esferas de atribuição, possuem a mesma relevância política.

         Assim como o Executivo não deve sofrer indevida interferência em sua primacial função de administrar (planejamento, direção, organização e execução das atividades da Administração), o Legislativo não deve ver minimizada sua atividade de legislar. Afinal, em última análise, nosso regime democrático é representativo, e o Poder Legislativo, em sede de elaboração legislativa, reflete a própria voz da vontade popular.

         Entendimento diverso significa admitir, como perfil do Estado Democrático brasileiro, numa imagem representativa, uma balança deslocada para um lado de maior importância e prestígio: o lado do Poder Executivo. Um Executivo hipertrofiado em suas atribuições e poderes, ladeado por um Legislativo que se limitará a chancelar iniciativas daquele.

         Não parece ter sido esta a opção do Constituinte.

         Note-se, de início, que a essência da separação de Poderes, como ensina Manoel Gonçalves Ferreira Filho, é a “proteção da independência de determinado Poder, como ocorre com a de iniciativa em favor do Judiciário, que aliás, procede da inspiração que em Montesquieu sugeria a atribuição de veto ao Executivo, ou a redução das despesas públicas" (Do processo legislativo, 5ª ed., São Paulo, Saraiva, 2002, p.147).

         Como anota José Afonso da Silva, nos casos de iniciativa reservada aos Chefes do Executivo só estes “estão em condições de saberem quais são esses interesses e como fazerem para resguardá-los” (Processo constitucional de formação das leis, 2ªed., São Paulo, Malheiros, 2006, p.179).

         Deve-se notar, entretanto, que a regra em nosso regime constitucional é a livre iniciativa legislativa, que decorre do art.61 caput da CF, ao passo que as hipóteses de iniciativa reservada são excepcionais. Como tal é curial que regras de exceção sejam interpretadas restritivamente, sem a possibilidade de extensão por integração ou interpretação analógica.

         Lembrando o brocardo latino segundo o qual “exceptiones sunt strictissimae interpretanionis”, há muito Carlos Maximiliano anotava que “as disposições excepcionais são estabelecidas por motivos ou considerações particulares, contra outras normas jurídicas ou contra o direito comum, por isso não se estendem além dos casos e tempos que designam expressamente” (Hermenêutica e aplicação do direito, 18ªed., Rio de Janeiro, Revista Forense, 1999, p.227).

         O Pretório Excelso já assentou que as hipóteses indicadas pelo texto constitucional como casos de iniciativa legislativa privativa do Executivo, assumindo o caráter de direito excepcional, na expressão de Carlos Maximiliano, devem ser interpretadas de forma restritiva. Confira-se:

"O respeito às atribuições resultantes da divisão funcional do Poder constitui pressuposto de legitimação material das resoluções estatais, notadamente das leis. Prevalece, em nosso sistema jurídico, o princípio geral da legitimação concorrente para instauração do processo legislativo. Não se presume, em conseqüência, a reserva de iniciativa, que deve resultar — em face do seu caráter excepcional — de expressa previsão inscrita no próprio texto da Constituição, que define, de modo taxativo, em numerus clausus, as hipóteses em que essa cláusula de privatividade regerá a instauração do processo de formação das leis. O desrespeito à prerrogativa de iniciar o processo legislativo, quando resultante da usurpação do poder sujeito à cláusula de reserva, traduz hipótese de inconstitucionalidade formal, apta a infirmar, de modo irremissível, a própria integridade do diploma legislativo assim editado, que não se convalida, juridicamente, nem mesmo com a sanção manifestada pelo Chefe do Poder Executivo (...).    (ADI 776-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 23-10-92, DJ de 15-12-06, g.n.).

         "A disciplina jurídica do processo de elaboração das leis tem matriz essencialmente constitucional, pois residem, no texto da Constituição — e nele somente —, os princípios que regem o procedimento de formação legislativa, inclusive aqueles que concernem ao exercício do poder de iniciativa das leis. A teoria geral do processo legislativo, ao versar a questão da iniciativa vinculada das leis, adverte que esta somente se legitima — considerada a qualificação eminentemente constitucional do poder de agir em sede legislativa — se houver, no texto da própria Constituição, dispositivo que, de modo expresso, a preveja. Em conseqüência desse modelo constitucional, nenhuma lei, no sistema de direito positivo vigente no Brasil, dispõe de autoridade suficiente para impor, ao Chefe do Executivo, o exercício compulsório do poder de iniciativa legislativa." (MS 22.690, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 17-4-97, DJ de 7-12-06, g.n.).

         Também não se caracteriza, na hipótese, prática de ato de administração pelo legislativo, o que poderia amparar o reconhecimento da tese da quebra do princípio da separação de poderes. Note-se que a lei aqui analisada reveste-se de todos os pressupostos necessários à sua configuração como ato normativo: generalidade, impessoalidade, e abstração.

Por fim, também não é possível acolher o pleito com amparo no art. 25 da Constituição do Estado de São Paulo.

Com a devida vênia, sem embargo de indício suficiente de que a vergastada norma, de fato, se traduza em sobrecarga onerosa à Administração, duvidosa a constitucionalidade do dispositivo, ao prever que “Nenhum projeto de lei que implique a criação ou o aumento de despesa pública será sancionado sem que dele conste a indicação dos recursos disponíveis, próprios para atender aos novos encargos”, quando utilizado como entrave ao regular desenvolvimento do processo legislativo.                

         Ademais, afirmar que a lei gerará aumento de despesas sem que haja recursos disponíveis é pautar o exame da constitucionalidade da norma em aspecto factual (existência ou não dos recursos), cuja análise extrapola o limite do controle abstrato de normas.

         A adequada compreensão do art. 25 da Constituição do Estado nos leva à conclusão de que o Poder Executivo está impedido de sancionar qualquer projeto de lei que implique a criação ou o aumento de despesa pública, quando dele não constar a indicação dos recursos disponíveis, próprios para o atendimento dos novos encargos. Mas isso não significa que o Legislativo não possa ter iniciativa na matéria. Quem tem o poder de veto ou sanção é o Executivo, e a regra se dirige exclusivamente a ele.

         Na Constituição Federal, porém, não existe nenhuma regra com idêntico conteúdo, que impeça o Chefe do Poder Executivo de exercer a prerrogativa de sancionar os projetos de lei aprovados pelo Parlamento.

         Assim, o art. 25 da Constituição do Estado de São Paulo é inconstitucional, na medida em que viola o modelo adotado pela Constituição Federal para o processo de elaboração das leis.

         Como é sabido, o modelo de processo legislativo adotado em nosso ordenamento está delineado no texto da Constituição Federal.

         Embora pondere com relação ao acerto da tese, sustenta Manoel Gonçalves Ferreira Filho que, em que pese a autonomia para organização reservada aos Estados e Municípios, O STF tem decidido no sentido da simetria entre o processo legislativo da União e o dos Estados e Municípios. É o que resulta da jurisprudência iniciada na Ação Direta de Inconstitucionalidade .216/PB, relatada pelo Min. Celso de Mello (RTJ 146:388)” (Do processo legislativo, cit., p.253).

         Nesse sentido já se posicionou o Pretório Excelso, pacificando a obrigatoriedade de simetria entre o processo legislativo dos Estados e dos Municípios, com relação ao Federal, em que pese a respectiva autonomia dos entes federativos:

"Processo de reforma da Constituição estadual — Necessária observância dos requisitos estabelecidos na Constituição Federal (art. 60, §§ 1º a 5º) — Impossibilidade constitucional de o Estado-Membro, em divergência com o modelo inscrito na Lei Fundamental da República, condicionar a reforma da Constituição estadual à aprovação da respectiva proposta por 4/5 (quatro quintos) da totalidade dos membros integrantes da Assembléia Legislativa — Exigência que virtualmente esteriliza o exercício da função reformadora pelo Poder Legislativo local — A questão da autonomia dos Estados-Membros (CF, art. 25) — Subordinação jurídica do poder constituinte decorrente às limitações que o órgão investido de funções constituintes primárias ou originárias estabeleceu no texto da Constituição da República: (...)." (ADI 486, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 3-4-97, DJ de 10-11-06, g.n.).

 "O poder constituinte outorgado aos Estados-Membros sofre as limitações jurídicas impostas pela Constituição da República. Os Estados-membros organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem (CF, art. 25), submetendo-se, no entanto, quanto ao exercício dessa prerrogativa institucional (essencialmente limitada em sua extensão), aos condicionamentos normativos impostos pela Constituição Federal, pois é nessa que reside o núcleo de emanação (e de restrição) que informa e dá substância ao poder constituinte decorrente que a Lei Fundamental da República confere a essas unidades regionais da Federação.” (ADI 507, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 14-2-96, DJ de 8-8-03).

            Registre-se ainda que, à parte de prever regra não contida no processo legislativo federal, o art.25 da Constituição do Estado de São Paulo acaba por criar óbice quase que intransponível ao exercício da iniciativa legislativa por parte de parlamentares (recordemos que a iniciativa em matéria orçamentária é reservada ao Poder Executivo cf. art.174 da Constituição do Estado; e art.165 da Constituição Federal), interferindo, ademais, na prerrogativa do Executivo de sancionar ou vetar os projetos de lei.

         Em síntese, o argumento é inconsistente para fins de reconhecimento de invalidade da lei impugnada.

Diante do exposto, aguarda-se a improcedência da presente ação direta, reconhecendo-se a constitucionalidade da Lei Municipal nº 681, de 16 de março de 2009, de Iperó.

                      São Paulo, 25 de novembro de 2010.

 

 

       Sérgio Turra Sobrane

         Subprocurador-Geral de Justiça

      Jurídico

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[1] Jurisdição Constitucional, São Paulo: Saraiva, 5ª ed., 2005, p. 239.

[2] Adin 99.484.0/7-00, Rel. Des. Jarbas Mazzoni, j. em 10/9/2003.

[3] RE 251.470-5 RJ, relator Min. Marco Aurélio, j. em 24/5/2000.