Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 994.09.230166-6 (185.986-0/0)

Requerente: Sindicato dos Despachantes Documentalistas no Estado de São Paulo

Objeto: Lei Estadual nº 8.107, de 27 de outubro de 1992.

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Sindicato dos Despachantes Documentalistas no Estado de São Paulo, tendo por objeto a Lei Estadual n.º 8.107, de 27 de outubro de 1992, de iniciativa parlamentar, que “dispõe sobre a atividade dos despachantes perante os órgãos da Administração Pública do Estado”. Repetição de ação proposta pelo mesmo sindicato, com acréscimo de novo fundamento. Acórdão do TJESP, reconhecendo a inconstitucionalidade da lei, cassado pelo STF, ao argumento de que a norma foi sindicada perante a Constituição Federal. Aspecto que inviabiliza o conhecimento da ação pelo motivo anteriormente alegado. Novo fundamento – ofensa ao art. 24, § 2º, ‘1”, da Constituição Paulista – que não se aplica à lei em análise. Parecer pela improcedência da ação.

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Sindicato dos Despachantes Documentalistas no Estado de São Paulo, tendo por objeto a Lei Estadual n.º 8.107, de 27 de outubro de 1992, que “dispõe sobre a atividade dos despachantes perante os órgãos da Administração Pública do Estado”.

Nos termos da inicial e de seu aditamento (fls. 8/30 e 227/232), alega-se que o ato normativo em análise, a par de normatizar a profissão de despachante – matéria cuja competência legislativa está afeta à União (art. 22, inc. I e XVI, CF) – interfere na administração do órgão de trânsito. Nesse aspecto, como a lei deriva de projeto subscrito por Deputado, padeceria do vício de iniciativa, com ofensa ao princípio da separação dos poderes.

O pedido de suspensão liminar da eficácia da lei foi negado (fls. 215/218 e 260/261).

O Presidente da Assembléia Legislativa, tendo tomado ciência do processado (fls. 272), não se pronunciou.

A Procuradoria-Geral do Estado, a seu turno, opinou pela extinção do processo, sem julgamento de mérito, assinalando a incompetência do Tribunal de Justiça para exercer o controle de constitucionalidade de lei estadual em face da Carta Republicana (fls. 277/284).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

Não há dúvida de que a Lei nº 8.107/92 invadiu o âmbito da competência legislativa da União, ao regular o exercício da profissão de Despachante, e que, sob tal ótica, é, de fato, inconstitucional (art. 1º c.c. o art. 22, inc. XVI, da Constituição Federal).

Com esse fundamento e vislumbrando ofensa reflexa aos artigos 1º e 144 da Carta Paulista, o E. Tribunal de Justiça julgou procedente a ADIN nº 136.160.0/7-00, proposta pelo mesmo Sindicato, tendo sido declarada a insubsistência do ato normativo.

Essa Decisão, contudo, foi cassada pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação nº 5096/SP, ocorrido em 20 de maio de 2009, cuja ementa é a seguinte:

COMPETÊNCIA - PROCESSO OBJETIVO - CONFLITO DE LEI ESTADUAL COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL. O conflito de lei estadual disciplinadora da atribuição normativa para legislar sobre exercício profissional resolve-se considerada a Constituição Federal, pouco importando articulação, na inicial, de ofensa à Carta do Estado no que revela princípios gerais - de competir à Unidade da Federação normatizar o que não lhe seja vedado e respeitar a atuação municipal. RECLAMAÇÃO - USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SUPREMO - AVOCAÇÃO DO PROCESSO - IRRELEVÂNCIA. Surge irrelevante avocar o processo quando, estabelecida a competência do Supremo, nota-se a carência da ação proposta na origem ante a ilegitimidade da parte ativa.

Por isso, não é mais possível sindicar a incompatibilidade da Lei nº 8.107/92 com a Constituição Paulista, sob a ótica da incompetência do Estado para normatizar o exercício profissional.

Resta, portanto, examinar o novo argumento trazido pelo sindicato, o de que a lei “interferiu na administração do órgão de trânsito local, invadindo, assim, a esfera de competência do Poder Executivo” (fls. 227 – aditamento), contrariando, assim, o art. 24, § 2º, “1”, da Constituição do Estado.

Anoto que a doutrina tem assentido com a possibilidade de submeter questão constitucional já decidida à Corte, quando se alteram as circunstâncias fáticas ou as concepções jurídicas dominantes (MARTINS, Ives Gandra da Silva e MENDES, Gilmar Ferreira, Controle concentrado de constitucionalidade, 3ª. ed., 2009, São Paulo, Saraiva, p. 591).

No caso, o C. Órgão Especial não precisou se pronunciar sobre a eventual colidência da lei com o art. 24, § 2º, “1”, da Constituição do Estado, pois, com outros fundamentos, reconheceu a inconstitucionalidade do ato normativo.

Ora, cassado o julgado, abre-se ao Tribunal Estadual a possibilidade de exercer o controle concentrado de constitucionalidade pela via do argumento novo, não reputado ilegítimo pelo STF.

Na esteira desse raciocínio penso, em harmonia com o culto parecer do DD. Procurador-Geral do Estado (fls. 277/84), que não há conflito entre a lei e o novo parâmetro de controle indicado.

Com efeito, nos termos do art. 24, § 2º, “1”, da Carta Paulista, “compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre: 1 - criação e extinção de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração”.

Ora, a lei trata da atividade dos despachantes perante os órgãos da Administração Pública do Estado.

Prevê requisitos para o credenciamento do profissional e de seus empregados, regula o processo de habilitação e o concurso para a obtenção do título, dispõe sobre o alvará de funcionamento e a carteira do despachante, elenca as atribuições, os deveres e os direitos desse profissional e cuida das penalidades e do procedimento punitivo.

Nada diz sobre criação ou extinção de cargos, funções ou empregos públicos. Também não versa sobre regime jurídico de servidores, nem sobre remuneração de funcionários.

Figura-se, destarte, evidente a inaplicabilidade do parâmetro de controle indicado pelo sindicato-autor no caso sub judice, sendo forçoso reconhecer que a matéria de que trata a lei não demanda a iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo.

Diante do exposto, opino pelo conhecimento da ação, em razão do novo fundamento, e, no mérito, pela improcedência.

São Paulo, 26 de abril de 2010.

 

 

         Sérgio Turra Sobrane

         Subprocurador-Geral de Justiça

         Jurídico

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