Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos n. 994.09.230430-0 (186.170-0/3-00)

Autor: Prefeito do Município de Serrana

Objeto de impugnação: Lei n. 1.332, de 10 de setembro de 2009, do Município de Serrana

 

 

 

 

Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade, movida por Prefeito, da Lei n. 1.332, de 10 de setembro de 2009, do Município de Serrana, impondo ao Chefe do Executivo local o encaminhamento à Câmara de relação de compras, das obras e serviços contratados, bem como os respectivos adiantamentos, contratos financeiros, empréstimos de qualquer natureza que impliquem despesas financeiras. Alegada ofensa ao princípio da separação de poderes. Parecer pela procedência.

 

 

 

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator:

 

 

 

O Prefeito Municipal de Serrana formulou a presente ação direta objetivando a declaração de inconstitucionalidade da Lei n. 1.332, de 10 de setembro de 2009, do Município de Serrana, que “dispõe sobre normas de transparência administrativa mediante o envio ordinariamente de documentos do executivo municipal para Câmara de Vereadores de Serrana”.

Segundo alega, a lei orgânica traz flagrante inconstitucionalidade, pois há quebra do princípio da harmonia e independência, previsto no art.2º, da Constituição Federal e art.5º, da Constituição Estadual.

Pleiteada a liminar, ficou a mesma concedida a fls. 40/41.

Solicitadas informações, a Câmara Municipal prestou-as a fls.63/65. Citado, o Procurador Geral do Estado manifestou-se a fls. 56/58.

É a síntese do necessário.

A norma questionada impõe ao Prefeito Municipal a remessa obrigatória, até quinze (15) dias subseqüentes à sua efetivação, a relação de compras, das  obras e serviços contratados, bem como os respectivos adiantamentos, contratos financeiros, empréstimos de qualquer natureza que impliquem despesas financeiras, celebradas no mês, iguais ou superior ao valor de 65 UFESP (Unidade de Referência do Estado de São Paulo). (art.1º ).

Determina, também, a forma como a relação de compras e dos serviços e obras deverá ser encaminhada (art. 2º e 3º).

Impõe, ainda, que bimestralmente o Executivo Municipal envie de forma resumida o relatório físico-financeiro das obras em andamento na Cidade para a Câmara dos Vereadores e estipula a forma como os contratos financeiros e empréstimos deverão ser remetidos à Câmara dos Vereadores. (art.3º,§ único e 4º ).        

 Pois bem. Ainda que seja dever do Prefeito prestar contas de sua gestão, tanto financeira e orçamentária, quanto administrativa, tal imposição não pode se afastar do parâmetro constitucional.  Aliás, o parágrafo único do art.11, do Ato as Disposições Constitucionais Transitórias, diz caber à Câmara Municipal votar a Lei Orgânica, respeitada o disposto na Constituição Federal e na Constituição Estadual.  Portanto, o parâmetro para o legislador municipal, na elaboração da Lei Orgânica municipal, é a Constituição Federal e a Estadual.

A Constituição Federal dispõe sobre a obrigatoriedade da prestação de contas pelo Chefe do Executivo, no art. 49, inciso IX, prescrevendo competir, exclusivamente, ao Congresso Nacional julgar anualmente as contas prestadas pelo Presidente da República e apreciar os relatórios sobre a execução dos planos de governo. Esse controle a cargo do Congresso é exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União (art.71, I e II, CF), ao qual compete apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República. Já a fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo (art.31, caput, CF), com o auxílio dos Tribunais de contas do Estado ou do Município ou dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver (art.31, § 1º).  Também menciona o parágrafo 2º, do citado artigo 31, a periodicidade anual das contas apresentadas pelo Prefeito.

No plano estadual, o art.150, da Carta Paulista, ao tratar da fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do Município e de todas as entidades da administração direta e indireta, determina que a mesma seja exercida pela Câmara Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno de cada Poder, na forma da respectiva lei orgânica, em conformidade com o disposto no artigo 31 da Constituição Federal.   A fiscalização das contas do Governador do Estado, a cargo da Assembléia Legislativa (art.32, Constituição do Estado de São Paulo), se dará anualmente, sempre mediante parecer prévio do Tribunal de Contas (art.33, I, CE).  Ainda, prevê a Constituição Estadual a obrigação do Poder Executivo publicar e enviar a Assembléia Legislativa, até trinta dias após o encerramento de cada trimestre, relatório resumido da execução orçamentária (art.170, CE).

A legislação impugnada provoca verdadeiro estado de submissão institucional do Chefe do Poder Executivo ao Poder Legislativo municipal, sem qualquer correspondência com o modelo positivado nas Constituições Federal e Estadual, rompendo com o postulado da separação de poderes. Acresce que o controle externo a cargo Legislativo municipal deve ser feito com o auxílio do Tribunal de Contas, o que na hipótese em comento está totalmente descartado, recaindo sobre o texto viciado mais essa falta.

Verifica-se, assim, que a lei questionada afasta-se dos limites constitucionais, impondo, por isso, a declaração de sua inconstitucionalidade.

Nessa linha, já decidiu este Órgão Especial na Adin 135.843.0/7-00, a retratar caso parelho, sob a relatoria do desembargador Marcus Andrade:

“A Câmara, induvidosamente, detém o poder de fiscalização da atividade da Administração. Tal, contudo, deve obedecer determinados limites. Não pode extravasar sua área de atuação, nem mesmo nessa condição de ente fiscalizador, para impor obrigações aos particulares que contratam com a Administração, menos ainda, aos próprios órgãos públicos, subordinados ao Executivo.(...). Importa, na hipótese, isto sim, obstar a quebra da estrutura funcional diferenciada dos órgãos do Poder, permitindo a invasão de atribuição exclusiva do Executivo pelo Legislativo (art.5º, da Constituição Estadual). Louvável a atitude do Poder Legislativo no sentido de buscar uma melhor fiscalização do exercício das atividades e da aplicação do dinheiro público no Município. Inviável, contudo, a fórmula encontrada pela Câmara Municipal, por fraturar o sistema jurídico constitucional do Estado (art.144, da Constituição Estadual)”.”

Conclui-se, pois, que é inconstitucional a lei municipal impugnada.

Posto isso, aguarda-se seja a presente ação direta julgada procedente, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei n. 1.332, de 10 de setembro de 2009, do Município de Serrana.

 

São Paulo, 22 de fevereiro de 2010.

 

 

 

 

Maurício Augusto Gomes

Subprocurador-Geral de Justiça

- Assuntos Jurídicos –

 

vlcb