Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 994.09.231043-6

Requerente: Sindicato dos Condomínios de Prédios e Edifícios Comerciais, Industriais, Residenciais e Mistos Intermunicipal do Estado de São Paulo (SINDICOND)

Objeto: Lei nº 3.909, de 29 de outubro de 2003, do Município de Americana

Ementa:

1.       Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal n.º 3.909, de 29 de outubro de 2003, do Município de Americana , que dispõe sobre a remuneração, através de tarifas, dos serviços de fornecimento de água tratada e de coleta de esgotos prestados pelo Departamento de Água e Esgosto.

2.       Preliminar: falta de legitimidade para a propositura da ação direta. Ausência de pertinência temática, consistente na demonstração de que o provimento jurisdicional almejado atende a interesse dos associados que a entidade se propõe a defender. Extinção nos termos do art. 267, VI do CPC.

3.       Mérito. Matéria pacificada pelo STJ, que firmou posicionamento no sentido de que a natureza jurídica das contraprestações cobradas por concessionárias de serviços público de água e esgoto não é de taxa, mas tarifa ou preço público (AgRg no REsp 1155657/SP, Rel. Ministro  BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/12/2009, DJe 02/02/2010). Precedentes: REsp 149654/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ de 17/10/2005; EREsp 690.609/RS, Primeira Seção, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe 07.04.08.

4.       Parecer é no sentido da extinção do feito, sem exame do mérito, por ilegitimidade ativa; no mérito, parecer pela improcedência da ação direta.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

1)    Relatório

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Sindicato dos Condomínios de Prédios e Edifícios Comerciais, Industriais, Residenciais e Mistos Intermunicipal do Estado de São Paulo (SINDICOND), tendo por objeto a Lei Municipal n.º 3.909, de 29 de outubro de 2003, do Município de Americana , que “dispõe sobre a remuneração, através de tarifas, dos serviços de fornecimento de água tratada e de coleta de esgotos prestados pelo Departamento de Água e Esgosto.

Sustenta o autor que a Lei nº 3.909, de 29 de outubro de 2003, do Município de Americana, é inconstitucional, por afronta ao inciso II do art. 160 e inciso I do art. 163, ambos da Constituição do Estado de São Paulo, e aos princípios da legalidade e da estrita legalidade.

Não foi concedido o pedido liminar (fls. 65, v.).

O Presidente da Câmara Municipal se manifestou a fls. 85/99, em defesa da lei impugnada. No mesmo sentido, manifestou-se o Prefeito Municipal (fls. 101/117).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

2)    Preliminar: falta de legitimidade para a propositura da ação direta.

No caso em exame, não se faz presente condição indispensável para o conhecimento e exame do mérito da ação direta, sendo necessária a extinção nos termos do art. 267, VI do CPC. A condição faltante é a legitimação para agir.

A Constituição do Estado de São Paulo, quando trata da ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual ou municipal, determina:

Artigo 90 - São partes legítimas para propor ação de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estaduais ou municipais, contestados em face desta Constituição ou por omissão de medida necessária para tornar efetiva norma ou princípio desta Constituição, no âmbito de seu interesse:

(...)

V - as entidades sindicais ou de classe, de atuação estadual ou municipal, demonstrando seu interesse jurídico no caso”.

Quando a Constituição estadual refere-se às entidades sindicais ou de classe como legitimadas para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade, faz a ressalva de que a atuação dependerá da demonstração do interesse jurídico no caso. Exige-se o que a doutrina denomina de pertinência temática, consistente na demonstração de que o provimento jurisdicional almejado atende a interesse dos associados que a entidade se propõe a defender

Ao passo que o Ministério Público, como um dos legitimados para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade, ocupa a posição de legitimado universal, as entidades sindicais ou de classe necessitam comprovar a relação entre a sua própria razão de existir e a pretensão levada ao Judiciário.

Não se pode negar que a questão da legitimidade dos sindicatos para propor ação direta de inconstitucionalidade sofre forte interpretação restritiva da jurisprudência. Prevalece o entendimento de que o sindicato só teria legitimidade para se utilizar de ação direta de inconstitucionalidade se o direito ou interesse defendido fosse inerente à classe representada.

O conceito de entidade de classe, para os fins do art. 90, inc. V, da Constituição Paulista, é limitado e reproduz no âmbito estadual as mesmas restrições encontradas no plano federal. Entidade de classe é aquela constituída para a defesa de uma determinada categoria profissional, “cujo conteúdo seja ‘imediatamente dirigido à idéia de profissão, - entendendo-se classe no sentido não de simples segmento social, de classe social, mas de categoria profissional’” (MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 23ª. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 742, grifos do original).

O STF estabeleceu que a associação legitimada é aquela que, em essência, representa o interesse comum de determinada categoria (ADI 34/DF, rel. Octavio Galloti, RTJ 128/481), e, desse modo, consolidou o entendimento de que o Constituinte decidiu por uma legitimação limitada, “não permitindo que se convertesse o direito de propositura dessas organizações de classe em autêntica ação popular” (MARTINS, Ives Gandra e MENDES, Gilmar Ferreira. Controle concetrado de constitucionalidade. 3ª. ed., São Paulo: Saraiva, p. 170).

Deste modo, é inevitável a extinção do feito sem exame do mérito, por ilegitimidade do autor, nos termos do art.267 VI do CPC.

3)    Mérito

No mérito, a ação não merece acolhimento. A questão está pacificada nos Tribunais Superiores.

Registre-se que o objeto da controvérsia consiste em saber qual a natureza jurídica da remuneração dos serviços públicos de fornecimento de água e de coleta de esgoto, isto é, se é legítima a transformação operada pela Lei nº 3.909, de 29 de outubro de 2003, do Município de Americana, que transformou o regime jurídico de direito público (taxa), para privado (tarifa).

Com efeito, dispõe o ato normativo impugnado:

Art. 1º - Os serviços de fornecimento de água tratada e de coleta de esgotos prestados pelo Departamento de Água e Esgoto serão remunerados, a partir do primeiro dia do mês seguinte ao da entrada em vigor da presente lei, pelo regime de tarifa.

Art. 2º - Os valores das tarifas e as condições de fornecimento de água tratada e de coleta de esgotos, contidos nos Anexos I e II, serão estabelecidos através de Decreto do Poder Executivo a ser baixado pelo Prefeito Municipal, previamente aprovado pelo Conselho Deliberativo.

§ 1º - Será instituída taxa mínima, a disponibilidade de serviços de água e esgoto sem sua efetiva utilização, respeitadas as categorias e valores fixados em:

I - Residencial - R$ 3,78;

II - Comercial - R$ 7,52;

III - Industrial - R$ 11,28.

§ 2º - Os valores da Taxa serão reajustados anualmente, a partir do primeiro dia do ano, pelo índice do IPCA do ano anterior, através de Decreto do Poder Executivo.

§ 3º - Os valores das tarifas de que trata este artigo ficam sujeitos a um único reajuste em cada exercício financeiro, limitado ao percentual de variação anual do IPCA - Índice de Preços ao Consumidor, nos termos da Lei nº 3.610, de 26 de dezembro de 2001, ou de outro indexador que vier a substituí-lo ou modificá-lo por força de lei.

Art. 3º - Ficam, no primeiro dia do mês seguinte ao da entrada em vigor da presente lei:

I - revogados os artigos 15 e 17 da Lei nº 1.258, de 20 de novembro de 1973;

II - alterados para "tarifa", os termos "taxa" constantes da Lei nº 1.258, de 20 de novembro de 1973 e de suas alterações.

Remarque-se, por oportuno, que a matéria encontra-se pacificada pelo STJ, que firmou posicionamento “no sentido de que a natureza jurídica das contraprestações cobradas por concessionárias de serviços público de água e esgoto não é de taxa, mas, sim, de tarifa ou preço público (AgRg no REsp 1155657/SP, Rel. Ministro  BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/12/2009, DJe 02/02/2010).

Nesse sentido, vejam-se os seguintes julgados, todos do STJ:

“Os serviços públicos de fornecimento de água e esgoto, essenciais à cidadania, se caracterizam pela facultatividade e não pela compulsoriedade, prestado diretamente pelo Estado ou por terceiro, mediante concessão, submetendo-se à fiscalização, princípios e regras condicionadores impostos pelo ente público, e por isso remunerados por tarifas ou preços públicos, regendo-se pelas normas de direito privado" (REsp 149654/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ de 17/10/2005).

"Este Tribunal Superior, encampando entendimento sedimentado no Pretório Excelso, firmou posição no sentido de que a contraprestação cobrada por concessionárias de serviço público de água e esgoto detém natureza jurídica de tarifa ou preço público" (EREsp 690.609/RS, Primeira Seção, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe 07.04.08)".

4. Conclusão

Diante do exposto, o parecer é no sentido da extinção do feito, sem exame do mérito, por ilegitimidade ativa; no mérito, o parecer é pela improcedência desta ação direta.

São Paulo, 18 de março de 2010.

 

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

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