Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 994.09.231054-1

Requerente: Prefeito do Município de Franca

Objeto: artigos 4º e seus incisos; 10; 12; 13 e seus incisos e parágrafos; 14; 15 e seus parágrafos; 16 e seus incisos; 17; 18; 19 e seu parágrafo único; 20; 21 e seus incisos e os §§ 1º e 4º do art. 22, todos da Lei nº 7.283, de 26 de agosto de 2009, do Município de Franca, que “disciplina a responsabilidade e guarda de animais domésticos no Município de Franca e dá outras providências”

 

Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade, promovida por Prefeito, de dispositivos da Lei nº 7.283, de 26 de agosto de 2009, do Município de Franca, que “disciplina a responsabilidade e guarda de animais domésticos no Município de Franca e dá outras providências”. Iniciativa parlamentar. Ato normativo que cria ônus para a Administração. Violação ao princípio da separação dos poderes. Criação de despesas sem indicação dos recursos disponíveis. Ofensa aos artigos 5º, 25, 47 II, e 144, da Constituição do Estado. Parecer pela procedência da ação

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Franca, tendo por objeto os artigos 4º e seus incisos; 10; 12; 13 e seus incisos e parágrafos; 14; 15 e seus parágrafos; 16 e seus incisos; 17; 18; 19 e seu parágrafo único; 20; 21 e seus incisos e os §§ 1º e 4º do art. 22, todos da Lei nº 7.283, de 26 de agosto de 2009, do Município de Franca, que “disciplina a responsabilidade e guarda de animais domésticos no Município de Franca e dá outras providências”.

Sustenta o autor que o projeto que antecedeu a lei em análise iniciou-se na Câmara Municipal e que, depois de aprovado, foi parcialmente vetado pelo Poder Executivo. O veto foi derrubado e, afinal, a lei foi promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal.

Aponta inconstitucionalidade por ofensa ao princípio da separação dos poderes, ressaltando que os dispositivos indicados criam encargos para a Administração sem indicação dos recursos e tratam de tema de alçada exclusiva do Prefeito.

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 160/162).

Contra essa Decisão, a Câmara Municipal interpôs agravo regimental, desprovido à unanimidade pelo C. Órgão Especial (fls. 184/187.

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 190/192).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

Deflui dos autos que a Lei em análise decorre de projeto de autoria dos Vereadores Josivaldo Silva Vilas Boas e Luís Otávio Rodrigues Pinheiro.

Com o intuito de disciplinar “a responsabilidade e guarda de animais domésticos”, a norma cria obrigações para a Administração, como as previstas nos incisos I a VII do art. 4º.

Por dispor sobre a obrigatoriedade de registro dos animais domésticos (art. 10 e 12), o ato normativo institui, em contrapartida, serviço municipal. Note-se, por exemplo, que, para cumprir o art. 12, a Prefeitura deverá manter o serviço de registro de óbito de animais.

No que concerne às regras para a recolha dos animais perdidos, abandonados, vítimas de maus tratos ou soltos, a lei passa a exigir servidor “treinado com meios e tecnicas que preservem a saúde e o bem estar do animal” e prever o uso obrigatório de armas não letais (art. 13).

Estabelecem-se a obrigatoriedade de tratamento de animais feridos (art. 14) e regras minuciosas para a triagem (art. 15 e 17) e adoção dos animais (art. 21 e 22).

A lei prevê, finalmente, a esterilização gratuita à disposição dos munícipes que não podem arcar com o custo do procedimento (art. 20).

Por tais motivos, dá-se razão ao Alcaide quando afirma o vício de iniciativa da lei impugnada.

É que somente ao Chefe do Poder Executivo assiste a iniciativa de leis que criem – como é o caso – obrigações e deveres para órgãos municipais (art. 47, inc. II da Constituição Estadual, de aplicação extensível aos municípios por força do art. 144 da mesma Carta).

Como a lei foi concebida no Poder Legislativo, a iniciativa acabou invadindo a seara da administração pública, da alçada exclusiva do Prefeito, violando sua prerrogativa de analisar a conveniência e oportunidade das providências que a lei quis determinar.

Bem por isso, a matéria somente poderia objeto de tramitação legislativa por proposta do próprio Chefe do Poder Executivo.

Ofendeu-se, igualmente, o princípio basilar da separação de poderes, pois, na dicção desse Sodalício:

“Ao Executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito” (ADIN n. 53.583-0, rel. Des. FONSECA TAVARES).

No caso dos autos, existe outro fundamento, relevante por si só, que demanda o reconhecimento da inconstitucionalidade.

A regra do art. 25 da Constituição do Estado, fortemente influenciada pela noção de responsabilidade fiscal, exige que o projeto de lei que implique criação ou aumento de despesa pública contenha a previsão dos recursos disponíveis para o atendimento dos novos encargos.

Na hipótese em análise é intuitivo que as atividades determinadas pela lei geram despesas. E a norma não contém nenhum elemento indicador de sua provisão, sendo também sob esse aspecto incompatível com o texto constitucional.

Nesse panorama, opina-se pela declaração de inconstitucionalidade da lei impugnada, pois “se a Câmara, desatendendo à privatividade do Executivo para esses projetos, votar e aprovar leis sobre tais matérias, caberá ao prefeito vetá-las, por inconstitucionais. Sancionadas e promulgadas que sejam, nem por isso se nos afigura que convalesçam do vício inicial, porque o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais, inerentes às suas funções, como não pode delegá-las ou aquiescer que o Legislativo as exerça” (Hely Lopes Meirelles. Direito Municipal Brasileiro, 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2008,  p. 748).

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade dos artigos 4º e seus incisos; 10; 12; 13 e seus incisos e parágrafos; 14; 15 e seus parágrafos; 16 e seus incisos; 17; 18; 19 e seu parágrafo único; 20; 21 e seus incisos e os §§ 1º e 4º do art. 22, todos da Lei nº 7.283, de 26 de agosto de 2009, do Município de Franca, que “disciplina a responsabilidade e guarda de animais domésticos no Município de Franca e dá outras providências”.

São Paulo, 7 de junho de 2010.

         Sérgio Turra Sobrane

         Subprocurador-Geral de Justiça

         Jurídico

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