Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 994.09.231058-4

Requerente: Prefeito do Município de Franca

Objeto: Lei nº 3.654, de 18 de outubro de 1989, do Município de Franca.

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida por Prefeito, da Lei nº 3.654, de 18 de outubro de 1989, do Município de Franca, que “autorizou a construção de edículas até 40m2 e a ampliação de construções já existentes em 20% sem a apresentação de projeto ou planta”. Projeto de iniciativa de vereador. Impossibilidade. Cuidando-se de norma que sobre o uso do solo urbano, sua edição deve ser precedida de estudos técnicos a cargo do Poder Executivo, que detém os recursos para realizá-los e a visão global do planejamento urbano. Ofensa ao princípio da separação dos poderes (art. 5º. CE). Parecer pela declaração da inconstitucionalidade da lei. 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

O Prefeito do Município de Franca ajuizou ação direta de inconstitucionalidade da Lei nº 3.654, de 18 de outubro de 1989, do Município de Franca, que “autorizou a construção de edículas até 40m2 e a ampliação de construções já existentes em 20% sem a apresentação de projeto ou planta”.

Diz o Alcaide que a lei em questão decorre de projeto de Vereador e que, depois de aprovada na Câmara, foi integralmente vetada pelo Chefe do Executivo. O veto, entretanto, foi derrubado e a norma foi promulgada.

O autor aponta a violação dos arts. 5º, caput e §§ 1º e 2º; 25, caput; 47, inc. II, XI e XIV; 144; 180, inc. I, II e V; e 181, caput, da Constituição do Estado, aduzindo que o tema da lei reclama a iniciativa do Prefeito, sobre quem recai a responsabilidade pelo ordenamento, planejamento e ocupação do solo urbano.

O pedido liminar foi deferido (fls. 77/78).

Contra essa Decisão, a Câmara Municipal interpôs agravo regimental (fls. 83/89), cujo provimento foi negado pelo C. Órgão Especial (fls. 107/110).

O Presidente da Câmara Municipal prestou informações sobre o processo legislativo (fls. 99/102).

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato normativo, observando que o tema é de interesse local (fls. 113/115).

É a síntese do necessário.

A lei impugnada tem o seguinte teor:

LEI nº 3.654/98

Dispõe sobre autorização de construção de ediculas de até 40 m2, sem apresentação de planta, e dá outras providencias

JOSÉ MERCURI, Presidente da Câmara Municipal de Franca ­ Estado de São Paulo, no uso de suas atribuições legais:

Faço saber que a Câmara Municipal manteve, e eu promulgo, nos termos do Parágrafo 5º do Artigo 30 da Lei Orgânica dos Municípios, a seguinte LEI:

Artigo 1º. - Fica autorizada a construção de ediculas de até 40 m2 (quarenta metros quadrados) de área, neste Município, independente da apresentação de planta, inclusive em terrenos onde já existem outras construções, de qualquer metragem.

Artigo 2º. - A construção poderá ser feita pelo proprietário do imóvel, obedecidas as demais normas de construção do Código de Posturas.

Artigo 3º. - A Prefeitura Municipal de Franca, através da Secretaria competente, fornecerá a devida autorização de construção aos interessados mediante requerimento, sem despesas para o contribuinte.

Artigo 4º. - Fica permitida ampliação de até 20 (vinte) metros quadrados de área, em imóveis já existentes no Município de Franca, sem a necessidade de apresentação de planta.

Artigo 5º. - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação

Artigo 6º. - Revogam-se a disposições contrárias.

Câmara Municipal em 18 de outubro de 1989

José Mercuri

Presidente

Cuidando-se de projeto subscrito por Vereador, tem-se que, com a aprovação da lei, a Câmara Municipal acabou usurpando as atribuições do Prefeito.

Com efeito, na questão do urbanismo, cabe à União a edição de normas gerais (art. 24, I e § 1º, CF) e das diretrizes para o desenvolvimento urbano (art. 21, XX). Aos Estados-membros e Municípios compete a edição de regras que, de acordo com tal moldura, atendam às peculiaridades locais.

Da autonomia de que são dotados os municípios decorre ser ampla a sua competência para promover, pela lei (art. 30, I, CF), o adequado ordenamento territorial, através do planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (art. 30, VIII, CF).

Como o Urbanismo tem em vista, precipuamente, a ordenação espacial e a regulação das atividades humanas que entendem com as quatro funções sociais – habitação, trabalho, recreação, circulação – é curial que “cabe ao Município editar normas de atuação urbanística para o seu território, especialmente para a cidade, provendo concretamente todos os assuntos que se relacionem com o uso do solo urbano, as construções, os equipamentos e as atividades que nele se realizam, e dos quais dependem a vida e o bem-estar da comunidade local” (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2008, p. 548).

É inequívoco que a lei impugnada trata de assunto de interesse local e que disciplina o uso do solo urbano.

A concepção da lei no âmbito do Poder Legislativo nos permite afirmar que o projeto não foi precedido de estudos sobre as conseqüências da decisão política adotada, porque, conhecendo como se estruturam os poderes nos Entes Políticos, somente o Executivo dispõe de recursos materiais e humanos para realizá-los.

Em diversas oportunidades, esse C. Órgão Especial destacou ser da iniciativa privativa do Prefeito as leis que versam sobre planejamento do uso e controle do solo urbano, que “somente se compatibiliza com a atividade do Poder Executivo, pois envolve estudos técnicos, valoração de ações com o objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes” (ADIN nº 110.442.0/4, Des. WALTER GUILHERME, j. 19.01.2005).

Para esse E. Tribunal de Justiça está claro que

“o planejamento municipal não se conforma a uma lei de iniciativa de vereador, pois não tem o Legislativo Municipal uma visão global, integrada das exigências a que deve atender. A complexidade técnica impõe fixação de diretrizes que não se inserem no âmbito de uma Casa política por excelência, como é a Câmara de Vereadores” (ADIN nº 110.442.0/4, Des. WALTER GUILHERME, j. 19.01.2005). 

Por tais motivos, aqui também se entende que a lei impugnada violou o princípio da separação dos poderes e deve ser declarada inconstitucional, por ser incompatível com o artigo 5º da Carta Bandeirante.

Diante do exposto, opino pela procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 3.654, de 18 de outubro de 1989, do Município de Franca, que “autorizou a construção de edículas até 40m2 e a ampliação de construções já existentes em 20% sem a apresentação de projeto ou planta”.

 

São Paulo, 19 de agosto de 2010.

 

 

 

         Sérgio Turra Sobrane

         Subprocurador-Geral de Justiça

         Jurídico

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