Autos nº 990.09.231165-3
(187.035-0/5-00)
Autor: Governador do
Estado de São Paulo
Objeto
de impugnação: Lei Estadual n. 13.180, de 21 de agosto de 2008
Ementa: 1) Lei Estadual n. 13.180, de 21 de
agosto de 2008, de iniciativa parlamentar, que “garante o direito de acesso aos
brasileiros naturalizados e estrangeiros aos cargos e empregos públicos da
Administração Pública Estadual Direta e Indireta, em condições de igualdade à
do cidadão brasileiro nato, conforme o artigo 37, inciso I, da Constituição
Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 19/98”; 2)
Inconstitucionalidade formal pelo vício de iniciativa; 3) Lei cuja iniciativa é
reservada, isto é, privativa do Poder Executivo; 4) Inconstitucionalidade
decorrente da ofensa aos arts. 5º e 24, § 2º, “4”, da Constituição do Estado; 5)
Parecer pela procedência.
Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator
Colendo Órgão Especial
A
presente ação direta foi ajuizada para sindicar a Lei Estadual n. 13.180, de 21
de agosto de 2008, de iniciativa parlamentar, que “garante o direito de acesso
aos brasileiros naturalizados e estrangeiros aos cargos e empregos públicos da
Administração Pública Estadual Direta e Indireta, em condições de igualdade à do
cidadão brasileiro nato, conforme o artigo 37, inciso I, da Constituição
Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 19/98”.
Segundo
a inicial, houve violação ao princípio constitucional da Separação de Poderes, em
face da manifesta afronta ao art. 24, § 2º, “4” da Constituição Estadual.
A
lei municipal impugnada teve a vigência e a eficácia suspensas por força da
decisão interlocutória de fls. 14, subscrita pelo Excelentíssimo Desembargador
Relator, Dr. PEDRO GAGLIARDI.
Contra
essa decisão, a Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, interpôs Agravo
Regimental, fls. 27/33.
Entretanto,
referida decisão foi mantida, fls. 68/76.
O
Presidente da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo foi devidamente
notificado e prestou informações a fls. 53/61, defendendo a constitucionalidade
da lei estadual impugnada.
A
Procuradoria-Geral do Estado requereu a procedência da ação, fls. 40/41.
É
o breve relato.
A
Lei Estadual impugnada apresenta a seguinte redação:
“Art. 1º - Fica garantido o acesso de brasileiros naturalizados e
estrangeiros em situação regular e permanente, aos cargos, funções e empregos
públicos na Administração Estadual Direta e Indireta, em condição de igualdade
à do cidadão brasileiro nato, conforme o
disposto no art. 37, inciso I, da Constituição Federal, com redação dada pela
Emenda Constitucional n. 19, de 04 de junho de 1998.
Art. 2º - Para efeito desta lei considera-se:
I- Brasileiro nato ou naturalizado, aquele que detém ou adquiriu a
nacionalidade brasileira;
II- Cidadão português, aquele que nascido em Portugal, mantém residência permanente no Brasil, a quem foi
deferida a igualdade, nas condições previstas na legislação federal competente;
III- Estrangeiro em situação regular, aquele que detém visto
permanente, emitido pela autoridade federal competente;
Art. 3º - O brasileiro naturalizado,
o cidadão português e o estrangeiro participarão em igualdade de condições às
do brasileiro nato, de concursos públicos e das seleções públicas estaduais
para fins de contratação, sendo proibido qualquer tipo de discriminação.
Art. 4º - O estrangeiro que tiver
obtido no exterior diploma ou qualquer outro título que indique o grau de
escolaridade exigido para o cargo ou função a serem ocupados ou desempenhados,
deverá apresentar a respectiva convalidação por parte da autoridade educacional
brasileira competente.
Art. 5º - Ficam mantidas as demais
disposições aplicáveis ao provimento de cargos, funções e empregos públicos, as
normas que regem o regime jurídico do servidor público estadual, bem como as
normas contidas na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT e suas alterações.
Art. 6º - O Poder Executivo
regulamentará esta lei no prazo de 60 (sessenta) dias, a contar da data de sua
publicação.
Art. 7º - As despesas decorrentes da
execução desta lei correrão à conta das dotações orçamentárias próprias,
suplementadas se necessário.
Art. 8º - Esta lei entra em vigor na
data de sua publicação.”
A
presente ação direta é totalmente procedente, pois o dispositivo legal
impugnado é, de fato, é verticalmente incompatível com a Constituição do Estado
de São Paulo.
Ocorre
que, de início, verifica-se o vício de iniciativa, com a consequente afronta ao
princípio da independência e harmonia entre os Poderes.
Com
efeito, é possível constatar-se a afronta ao art. 5º da Constituição Estadual,
pois lei de iniciativa parlamentar não pode dispor sobre servidores públicos,
seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria.
Com
efeito, dispõe o art. 24, § 2º, “4”, da Constituição do Estado de São Paulo
que:
“Art. 24 – .........
§ 2.º - Compete,
exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham
sobre:
4 – servidores públicos do
Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria”.
Na
organização político-administrativa brasileira, o governo estadual apresenta
funções divididas. O Governador é o responsável pela função administrativa,
enquanto que a função básica da Assembléia é a legislativa, ou seja, a edição
de normas gerais e abstratas de conduta, que devem pautar toda atuação
administrativa.
Como
essas atribuições foram preestabelecidas pela Constituição, de modo a prevenir
conflitos, qualquer tentativa de um Poder de exercer as atribuições de outro
Poder tipifica nítida violação do princípio da independência e harmonia entre
os Poderes.
Ao
aprovar o projeto de iniciativa parlamentar dispondo sobre os requisitos para
provimento de cargos, empregos e funções públicas aos brasileiros naturalizados
e estrangeiros em situação regular e permanente, a Assembléia Legislativa do
Estado de São Paulo invadiu a esfera de atribuições próprias do Poder
Executivo, donde caracterizada a violação do art. 5º da Constituição do Estado
de São Paulo.
Houve,
portanto, violação da regra da iniciativa reservada do Prefeito, nos termos do
disposto no art. 24, § 2º, “1”, da Constituição Paulista
Como
ensina José Afonso da Silva (Processo
constitucional de formação das leis, 2ª ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p.
202), ao tratar da questão das emendas em projetos de iniciativa reservada,
“quando no projeto se fixam padrões de vencimentos ou se reestruturam níveis de
vencimentos de funcionários públicos, esses padrões e níveis não podem ser
modificados por via de emendas no Legislativo, pois aí se configuram os
interesses que a Constituição reservou à competência exclusiva do Executivo
como superintendente da coisa pública”.
Portanto,
à vista do princípio da independência e harmonia entre os Poderes (CE, art.
5.º), a Assembléia Legislativa não está autorizada a legislar sobre o referido
tema, providência que depende da apresentação de projeto de lei que é de iniciativa
reservada ao Governador do estado.
Nesse sentido é assente o entendimento do Colendo STF:
“(...)
É da iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo lei de criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração, bem como que disponha sobre regime jurídico e provimento de cargos dos servidores públicos. Afronta, na espécie, ao disposto no art. 61, § 1º, II, a e c, da Constituição de 1988, o qual se aplica aos Estados-membros, em razão do princípio da simetria. (ADI 2.192, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 4-6-2008, Plenário, DJE de 20-6-2008.)
(...)
Lei de iniciativa parlamentar. Vício de iniciativa. inconstitucionalidade reconhecida. Projeto de lei que visa a criação e estruturação de órgão da administração pública: iniciativa do chefe do Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, e, CF/1988). Princípio da simetria. (ADI 1.275, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 16-5-2007, Plenário, DJ de 8-6-2007.) No mesmo sentido: ADI 3.179, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 27-5-2010, Plenário, Informativo 588; ADI 2.730, Rel. Cármen Lúcia, julgamento em 5-5-2010, Plenário, DJE de 28-5-2010.
(...)”
Em
tais circunstâncias, aguardo o julgamento de procedência da
presente ação direta a fim de que seja declarada a inconstitucionalidade Lei Estadual
n. 13.180, de 21 de agosto de 2008, de iniciativa parlamentar, que “garante o
direito de acesso aos brasileiros naturalizados e estrangeiros aos cargos e
empregos públicos da Administração Pública Estadual Direta e Indireta, em
condições de igualdade à do cidadão brasileiro nato, conforme o artigo 37,
inciso I, da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda
Constitucional n. 19/98”.
São Paulo, 24 de novembro de
2010.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-geral de Justiça
Jurídico
vlcb