Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 994.09.231450-0 (187.262.0/0)

Requerente: Prefeito do Município de Maracaí

Objeto: Lei Complementar nº 66/2005,  do Município de Maracaí

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Dispositivo de lei que reduz jornada de trabalho de cargos públicos determinados, de 40 (quarenta) para 30 (trinta) horas semanais. Ausência de justificativa consistente por meio de exposição de motivos do projeto de lei, de iniciativa do Chefe do Executivo. Evidência de favorecimento de servidores determinados. Violação de princípios constitucionais da Administração Pública, entre eles a impessoalidade, a moralidade, a razoabilidade, a finalidade e o interesse público (art.111 e 144 da Constituição Paulista). Inconstitucionalidade reconhecida.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Maracaí, tendo por objeto a Lei Municipal n.º 66, de 07 de dezembro de 2005, que altera a jornada de trabalho dos empregados públicos que especifica.

Sustenta o autor que a Lei Complementar n. 66/2005 reduziu a jornada de trabalho de determinados empregados públicos, de 40 horas para 30 horas semanais, sem a correspondente redução dos vencimentos. Argumenta o autor, ainda, que a redução da jornada implica falta de assistência à população, pois os serviços atingidos referem-se a serviços básicos de saúde.

A liminar foi indeferida, porque a lei combatida é de dezembro de 2005, não se justificando, assim, a urgência (fls. 52 ).

O Presidente da Câmara Municipal se manifestou a fls. 61.

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 119/121).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

Segundo a Lei Complementar n. 66, de 07 de dezembro de 2005, ficou alterada para 30 (trinta) horas semanais a jornada de trabalho dos seguintes servidores públicos: agente sanitário, assistente social, auxiliar de cirurgião dentista, auxiliar de prevenção bucal, auxiliar de enfermagem, enfermeiro e nutricionista.

Ocorre que o art. 2º da mesma Lei Complementar n. 66, de 07 de dezembro de 2005, determina que as disposições referentes ao padrão remuneratório continuam vigentes na forma disciplinada no Anexo I, da Lei Municipal n. 1.461/2005,de 11 de abril de 2005.

Nesse contexto, é possível de fato concluir que houve, por meio da alteração legislativa (que culminou na redução da jornada de trabalho), intenção de favorecer ocupantes determinados, sem que houvesse, em contrapartida, fundamento razoável que desse lastro ao tratamento diferenciado.

Assim, legislação combatida contraria os princípios da impessoalidade, moralidade, razoabilidade, interesse público, e finalidade, previstos no art.111 da Constituição Paulista, aplicável aos Municípios por força do art.144 da mesma Carta.

A respeito da violação da impessoalidade e da finalidade (rectius = desvio de finalidade), é oportuno recordar que ambos incorporam em última análise o próprio princípio da isonomia. E sobre este, anota Celso Antônio Bandeira de Mello:

 “O princípio da isonomia preceitua que sejam tratadas igualmente as situações iguais e desigualmente as desiguais. Donde não há como desequiparar pessoas e situações quando nelas não se encontram fatores desiguais. E, por fim, consoante averbado insistentemente, cumpre ademais que a diferença do regime legal esteja correlacionada com a diferença que se tomou em conta” (Conteúdo jurídico do princípio da igualdade, 3ªed., 12ª tir., São Paulo, Malheiros, 2004, p.35).

         De outro lado, em oportuna síntese, anota Maria Sylvia Zanella Di Pietro que “sempre que em matéria administrativa se verificar que o comportamento da Administração ou do administrado que com ela se relaciona juridicamente, embora em consonância com a lei, ofende a moral, os bons costumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e de equidade, a idéia comum de honestidade, estará havendo ofensa ao princípio da moralidade administrativa” (Direito Administrativo, 19ª ed., São Paulo, Atlas, 2006, p.94).

         Ora, dar tratamento diferenciado a determinados cargos e a seus ocupantes, sem que haja um consistente fator de discrímen, significa privilegiar o interesse privado em detrimento do interesse público. Isso contraria a moralidade administrativa, fere a impessoalidade e é sinônimo de desvio de finalidade.

         Em última análise, a alteração legislativa tangencia, também, o princípio da razoabilidade.

         E quanto à possibilidade de reconhecer-se a inconstitucionalidade com base na violação do aludido princípio, em sede doutrinária, Gilmar Ferreira Mendes, examinando a aplicação do princípio da proporcionalidade pelo E. STF anotou “de maneira inequívoca a possibilidade de se declarar a inconstitucionalidade da lei em caso de sua dispensabilidade (inexigibilidade), inadequação (falta de utilidade para o fim perseguido) ou de ausência de razoabilidade em sentido estrito (desproporção entre o objetivo perseguido e o ônus imposto ao atingido)” (cf. A proporcionalidade na jurisprudência do STF, publicado em Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade, São Paulo, Instituto Brasileiro de Direito Constitucional e Celso Bastos Editor, 1998, p.83).

         Nesse mesmo sentido, esse E. Órgão Especial reconheceu a inconstitucionalidade de lei de Paraibuna que, de modo despropositado, reduziu a jornada de trabalho de determinado grupo de servidores, conforme se infere da ementa a seguir transcrita:

“Ação Direta de Inconstitucionalidade – Lei Municipal que, para determinados cargos, reduz a carga horária, de 40 para 20 horas semanais - Servidores que, quando se submeteram ao concurso, conheciam as condições estabelecidas no edital - Redução que afronta o disposto nos artigos 25 e 111 da Constituição do Estado de São Paulo – Ação procedente.” (ADI 128.024-0/3-00, rel. des. Laerte Nordi, j. 20.09.2006).

         Diante do conjunto de parâmetros desrespeitados pela Lei Complementar n.º 66, de 07 de dezembro de 2005, que altera a jornada de trabalho de determinados empregados públicos de Maracaí, é imperativo o reconhecimento da respectiva inconstitucionalidade.

         Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da procedência da presente ação direta, com a declaração da inconstitucionalidade da Lei Complementar n.º 66, de 07 de dezembro de 2005, do município de Maracaí.

São Paulo, 06 de julho de 2010.

 

        

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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