Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0007756-46.2012.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Amparo

Objeto: Lei nº 3.634, de 11 de outubro de 2011, do Município de Amparo

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida por Prefeito em face da Lei nº 3.634/11, do Município de Amparo, que “dispõe sobre utilização e de normas sobre a ordenação dos elementos que compõem a paisagem urbana do Município de Amparo, a fim de reservar espaço nos anúncios publicitários para veiculação de assuntos de interesse social”. Projeto de vereador. Ato de gestão administrativa incompatível com a vocação da Câmara Municipal. Usurpação de funções, com ofensa ao princípio da separação dos poderes, previsto no artigo 5º da Constituição Estadual. Criação de despesa, ademais, sem indicação da fonte (art. 25, CE). Parecer pela declaração de inconstitucionalidade.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito, tendo por objeto a Lei nº 3.634, de 11 de outubro de 2011, do Município de Amparo, que “dispõe sobre a utilização e de normas sobre a ordenação dos elementos que compõem a paisagem urbana do Município de Amparo, a fim de reservar espaço nos anúncios publicitários para veiculação de assuntos de interesse social”.

 O autor esclarece que a lei decorre de projeto subscrito por parlamentar, apontando o vício de iniciativa, pois caberia exclusivamente ao Prefeito encetar a publicidade institucional. Afirma que o ato normativo traduz-se em ofensa aos arts. 5º, 24, §2º, n. 2, 25, 47, II, 144 e 176, I da Constituição do Estado.

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 28/29).

O Presidente da Câmara Municipal, embora regularmente notificado (fls. 34), não se pronunciou sobre a questão constitucional (fls. 41).

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que a matéria é de interesse exclusivamente local (fls. 39/40).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A Lei Municipal n. 3.634, de 11 de outubro de 2011, de Amparo, que “dispõe sobre a utilização e de normas sobre a ordenação dos elementos que compõem a paisagem urbana no Município de Amparo, a fim de reservar espaço nos anúncios publicitários para veiculação de assuntos de interesse social”, apresenta a seguinte redação:

“Art. 1º - Em locais públicos, poderá a municipalidade prever ou reservar espaços nos anúncios publicitários para veiculação de assuntos de interesse social, fixando a área mínima desse espaço, estabelecer quais temas poderão ser considerados de interesse social e definir a quem cabe a responsabilidade pela escolha temática e por sua forma de apresentação.

Art. 2º - As despesas decorrentes da execução desta lei correrão por conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas, se necessário.

Art. 3º - O Poder Executivo regulamentará a presente lei, no que couber, no prazo máximo de 90 (sessenta) dias, contados da data da sua publicação.

Art. 4º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.”

 

Como se pode verificar, a lei em análise decorre do projeto de lei, de autoria parlamentar e determina que, em locais públicos, a municipalidade preveja ou reserve espaço nos anúncios publicitários para veiculação de assuntos de interesse local, fixando a área mínima desse espaço.  

De fato, essa iniciativa configura a quebra do postulado da separação dos poderes.

Há quebra do princípio da separação de poderes nos casos, por exemplo, em que o Poder Legislativo edita um ano normativo que configura, na prática, ato de gestão executiva. Quando o legislador, a pretexto de legislar, administra, configura-se o desrespeito à independência e harmonia entre os poderes, princípio estatuído no art. 5º da Constituição Estadual, que reproduz o contido no art. 2º da Constituição Federal. Há também não observância do disposto no art. 47, II e XIV, da Constituição Paulista.

Nestes termos, a disciplina legal findou, efetivamente, invadindo a esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, envolvendo o planejamento, a direção, a organização e a execução de atos de governo, o que abrange, à evidência, a divulgação da forma e do local de veiculação de assuntos considerados de interesse social. Isso equivale à prática de ato de administração, de sorte a malferir a separação dos Poderes.

Não é necessário que a lei diga o que o Poder Executivo pode ou não fazer dentro de sua típica atividade administrativa. Se o faz, torna-se patente que a atividade legislativa imiscuiu-se no âmbito de atuação do administrador, fazendo-o de modo inconstitucional.

Cumpre recordar, nesse passo, o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regras para a Administração; a Prefeitura as executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que reside a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art. 2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art. 2º c/c o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15ªed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p. 708 e 712).

Exatamente esta é a hipótese dos autos.

Na Lei Municipal nº 3.634/11, a pretexto de legislar, a Câmara Municipal editou verdadeiro ato de gestão administrativa, ao determinar, por via obliqua, a forma e o local para a Administração realizar publicidade institucional de temas que poderão ser considerados de interesse social.

Não só dispensável, como inviável se mostra a deliberação legislativa nessa matéria, mormente quando verificado que a iniciativa para a edição da lei partiu de parlamentar. Aquilo que a regra determina para a Administração Pública é algo que se encontra, precisamente, no âmbito da atividade executiva.

Note-se, ainda, caber à Administração estabelecer, mediante critérios de conveniência e oportunidade se deve haver ou não a tal publicidade, porque é intuitivo que o programa gera despesas que serão por ela suportadas.

Sob esse viés, a lei também contém a mácula de não prever a fonte de custeio para as despesas acrescidas, desatendendo ao que determina o art. 25 da Carta Paulista.

Diante do exposto, opino pela procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 3.634, de 11 de outubro de 2011, do Município de Amparo, que “dispõe sobre a utilização e de normas sobre a ordenação dos elementos que compõem a paisagem urbana do Município de Amparo, a fim de reservar espaço nos anúncios publicitários para veiculação de assuntos de interesse social”.

São Paulo, 3 de maio de 2012.

                                    

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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