Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0003112-60.2012.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Taubaté

 

Ementa:

1) Ação Direta de Inconstitucionalidade, ajuizada por Prefeito, em face do parágrafo 2º, do artigo 74, da Lei Orgânica do Município de Taubaté.

2) Condicionamento da concessão de serviços públicos à aprovação de lei autorizativa da Câmara Municipal.

3) Regra que não destoa do modelo constitucional e que está em sintonia com Constituição do Estado. Inexistência de ofensa ao princípio da separação dos poderes (art. 5º, CE).

4) Parecer pela improcedência do pedido.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Taubaté, tendo por objeto o parágrafo 2º, do artigo 74, da Lei Orgânica daquele Município.

Referido dispositivo legal condiciona a concessão de serviços públicos, à aprovação de lei autorizativa pela Câmara Municipal.

O autor sustenta que há ofensa ao princípio da separação dos poderes.

Apontam-se como violados os arts. 5º, caput, e o 47, da Constituição Paulista.

O pedido de liminar foi denegado pela R. Decisão de fls. 40.

 O Presidente da Câmara Municipal prestou informações às fls. 53/58.

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 49/51).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

Como se sabe, o exercício do governo municipal, no Brasil, é repartido entre a Câmara e o Prefeito, correspondendo àquela as funções legislativas e a este as executivas.

Entre ambos não há subordinação: a relação é de entrosamento de funções e de atividades políticoadministrativas, para que se estabeleça a harmonia e a independência dos Poderes, princípio constitucional extensivo ao governo local (cf. Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro, São Paulo, Malheiros, 1996, p. 427 e 508).

Em sua função normal e predominante, a Câmara Municipal elabora leis, isto é, normas abstratas, gerais e obrigatórias de conduta. Esta é sua destinação específica, bem diferente da do Executivo, a quem cabe a prática dos atos concretos de administração (ob. cit., p. 429).

O tema trazido a lume diz respeito à gestão dos serviços públicos e do patrimônio público, que pertence exclusivamente ao Chefe do Poder Executivo.

O Prefeito de Taubaté está se insurgindo contra a previsão da Lei Orgânica que impõe lei autorizativa para a concessão de serviço público.

Seu inconformismo, todavia, não procede.

Como administrador do Município, cabe ao Prefeito organizar e dirigir o serviço público, sendo ele detentor dos poderes correspondentes de comando, coordenação e controle de todos os empreendimentos da Prefeitura.

Compete-lhe, igualmente, gerir os bens municipais, praticando atos ordinários e extraordinários de administração.

Os primeiros dizem respeito à disciplina de utilização e às providências que visam à conservação dos bens. Para estes, o Prefeito não necessita de qualquer autorização da Câmara Municipal.

Os atos extraordinários, por sua vez, são os de alienação e concessão de direito real de uso dos bens móveis, bem como de concessão dos serviços públicos. Estes dependem efetivamente de autorização legislativa, preservada, de qualquer modo, a iniciativa do chefe do Poder Executivo para desencadear o processo.

É o que se extrai da Constituição do Estado de São Paulo, que, nos incisos IV e V, do artigo 19, diz competir ao Legislativo dispor sobre a cessão de direitos reais de bem imóveis e o uso deles por particulares, verbis:

“Artigo 19 - Compete à Assembléia Legislativa, com a sanção do Governador, dispor sobre todas as matérias de competência do Estado, ressalvadas as especificadas no art. 20, e especialmente sobre:

(...)

IV - autorização para a alienação de bens imóveis do Estado ou a cessão de direitos reais a eles relativos, bem como o recebimento, pelo Estado, de doações com encargo, não se considerando como tal a simples destinação específica do bem;

V - autorização para cessão ou para concessão de uso de bens imóveis do Estado para particulares, dispensado o consentimento nos casos de permissão e autorização de uso, outorgada a título precário, para atendimento de sua destinação específica;”

O mesmo regime, de necessidade de lei autorizativa, deve ser aplicado em relação à concessão de serviço público. Afinal, o normal, o ordinário, é que o serviço público seja prestado pela pessoa jurídica de direito público.

Serviços públicos concedidos, no abalizado ensinamento de Márcio Fernando Elias Rosa, “são os delegados a pessoas jurídicas de direito privado, por contrato administrativo, que os executam em seu nome, conta e risco” (Direito administrativo, 9ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 178).

Em relação aos serviços públicos, ainda ensina o citado mestre: “À União compete legislar sobre normas gerais (CF, art. 22, XXVII), cumprindo às demais entidades estatais o dever de adequação das normas gerais à realidade local” (op. cit., p. 178).

Acrescente-se, então, que o dispositivo legal impugnado cria regime que não destoa do modelo Estadual e das normas gerais editadas pela União.

Por exemplo, estabelece a Constituição Paulista, no art. 47, XVIII:

“Artigo 47 - Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição:

XVIII - enviar à Assembléia Legislativa projeto de lei sobre o regime de concessão ou permissão de serviços públicos.”

Ou seja, é necessária lei sobre o regime de concessão ou permissão de serviços públicos.

Nesse sentido, a sempre atual lição de Hely Lopes Meirelles: “As concessões para exploração de serviços de utilidade pública devem também ser autorizadas por lei especial, na qual a Câmara delimite o âmbito do contrato a ser firmado entre o Município, representado pelo prefeito, e o concessionário. As leis orgânicas dos Municípios deverão dispor sobre o quorum e o número de discussões para a aprovação da lei autorizadora (...) O que convém se grave é que tais contratos não podem ser firmados sem prévia autorização da Câmara de Vereadores, por importar delegação de poderes do Município a terceiros para a exploração de determinado serviço de interesse público local” (Direito municipal brasileiro, 16ª ed., São Paulo: Malheiros, 2008, p. 701/702).

Por isso, entendemos que o dispositivo impugnado não compromete o tênue equilíbrio de forças do âmbito local e, por isso, traduz-se em devida influência do Poder Legislativo na gestão do Município. Em suma, não há qualquer violação ao princípio da separação dos poderes, previsto no art. 5º da Carta Paulista.

Para finalizar, recorde-se que esse C. Órgão Especial já reconheceu inconstitucionalidade em dispositivos de Lei Orgânica de Embu-Guaçu que subordinavam determinados atos de gestão ordinária do Município à autorização da Câmara, compreendendo-os como “manifesta ingerência do Legislativo na Administração do Município”:

“Ação direta de declaração de inconstitucionalidade - Lei Orgânica Municipal (incisos V, XII, XVI e XXIII do artigo 11) - Município de Embu-Guaçu - Reconhecimento da ingerência do Legislativo na Administração do Município e usurpação de funções, ao subordinar à autorização da Câmara atos de gestão ordinária do Município - Violação dos artigos 5º e 144 da Constituição Estadual - Ação procedente” (ADIN nº 131.237-0/2-00, rel. Des. JOSÉ REYNALDO, j. 13 Ago. 2008).

Todavia, no caso presente estamos diante de atos de gestão extraordinária, de tal forma que não se pode aplicar o mesmo raciocínio.

Posto isso, opino pela improcedência da presente ação.

São Paulo, 19 de julho de 2012.

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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