Parecer
Processo n. 0003306-60.2012.8.26.0000
Requerente: Prefeito do Município de Suzano
Objeto: inconstitucionalidade
da Lei n. 4.460, de 15 de abril de 2011, do Município de Suzano
Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 4.460/11 do Município de Suzano. Iniciativa parlamentar. Violação da separação de poderes. Procedência da ação. 1. A disciplina do funcionamento dos órgãos do Poder Executivo é matéria da reserva da Administração e da iniciativa legislativa reservada do Chefe do Poder Executivo, sendo inconstitucional a lei de iniciativa parlamentar. 2. Procedência da ação.
Colendo Órgão Especial:
1. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade
ajuizada pelo Prefeito do Município de Suzano impugnando a Lei n. 4.460, de 15
de abril de 2011, que obriga os órgãos públicos da Administração direta e
indireta do Município à colocação de painéis em braille com as informações necessárias ao atendimento dos munícipes
portadores de deficiência visual, sob alegação de violação aos arts. 5º, 25 e
144 da Constituição Estadual (fls. 02/12).
2. Concedida liminar (fls. 39/40) após o aditamento da
petição inicial (fls. 26/37), a douta
Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado (fls. 49/50),
e a Câmara Municipal prestou informações (fls. 55/56).
3. É
o relatório.
4. É ponto pacífico que “as regras do processo legislativo federal, especialmente
as que dizem respeito à iniciativa reservada, são normas de observância
obrigatória pelos Estados-membros” (STF, ADI 2.719-1-ES, Tribunal Pleno, Rel.
Min. Carlos Velloso, 20-03-2003, v.u.).
5. Como desdobramento particularizado do
princípio da separação dos poderes (art. 5º, Constituição Estadual), a
Constituição do Estado de São Paulo prevê no art. 24, § 2º, 2, iniciativa
legislativa reservada do Chefe do Poder Executivo (aplicável na órbita
municipal por obra de seu art. 144) para “a criação e extinção das Secretarias
de Estado e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 47,
XIX”, o que compreende a fixação ou alteração das atribuições dos órgãos da
Administração Pública direta.
6. Também prevê no art. 47
(aplicável na órbita municipal por obra de seu art. 144) competência privativa
do Chefe do Poder Executivo. O dispositivo consagra a atribuição de governo do
Chefe do Poder Executivo, traçando suas competências próprias de administração
e gestão que compõem a denominada reserva de Administração, pois, veiculam
matérias de sua alçada exclusiva, imunes à interferência do Poder Legislativo.
7. A alínea a do inciso XIX desse art. 47 fornece ao Chefe do Poder Executivo a
prerrogativa de dispor mediante decreto sobre “organização e funcionamento da
administração estadual, quando não implicar aumento de despesa, nem criação ou
extinção de órgãos públicos”, em preceito semelhante ao art. 84, VI, a, da Constituição Federal. Por sua vez,
os incisos II e XIV estabelecem competir-lhe o exercício da direção superior da
administração e a prática dos demais atos de administração, nos limites da
competência do Poder Executivo.
8. A inconstitucionalidade transparece exatamente pelo
divórcio da iniciativa parlamentar da lei local com esses preceitos da
Constituição Estadual.
9. Pois, ao disciplinar o funcionamento de órgão público,
de um lado, ela viola o art. 47, II, XIV e XIX, a, no estabelecimento de regras que respeitam à direção da
administração e à organização e ao funcionamento do Poder Executivo, matéria
essa que é da alçada da reserva da Administração, e de outro, ela ofende o art.
24, § 2º, 2, na medida em que impõe atribuição ao Poder Executivo, assunto cuja
iniciativa legislativa lhe é reservada.
10. Neste sentido, a jurisprudência:
“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. LEI QUE
ATRIBUI TAREFAS AO DETRAN/ES, DE INICIATIVA PARLAMENTAR: INCONSTITUCIONALIDADE.
COMPETÊNCIA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. C.F, art. 61, § 1°, n, e, art. 84, II e VI. Lei 7.157, de 2002, do Espírito Santo.
I. - É de iniciativa do Chefe do Poder
Executivo a proposta de lei que vise a criação, estruturação e atribuição
de órgãos da administração pública: C.F, art. 61, § 1°, II, e, art. 84, II e VI.
II. - As regras do processo legislativo
federal, especialmente as que dizem respeito à iniciativa reservada, são normas
de observância obrigatória pelos Estados-membros.
III. - Precedentes do STF.
IV - Ação direta de inconstitucionalidade
julgada procedente” (STF, ADI 2.719-1-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos
Velloso, 20-03-2003, v.u.).
“É indispensável a iniciativa do Chefe do Poder Executivo (mediante projeto de lei ou mesmo, após a EC 32/01, por meio de decreto) na elaboração de normas que de alguma forma remodelem as atribuições de órgão pertencente à estrutura administrativa de determinada unidade da Federação” (STF, ADI 3.254-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 16-11-2005, v.u., DJ 02-12-2005, p. 02).
“Ação direta de inconstitucionalidade - Ajuizamento pelo Prefeito de São José do Rio Preto - Lei Municipal n°10.241/08 cria o serviço de fisioterapia e terapia ocupacional nas unidades básicas de saúde e determina que as despesas decorrentes 'correrão por conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário' - Matéria afeta à administração pública, cuja gestão é de competência do Prefeito - Vício de iniciativa configurado - Criação, ademais, de despesas sem a devida previsão de recursos - Inadmissibilidade - Violação dos artigos 5° e 25, ambos da Constituição Estadual - Inconstitucionalidade da lei configurada - Ação procedente” (ADI 172.331-0/1-00, Órgão Especial, Rel. Des. Walter de Almeida Guilherme, v.u., 22-04-2009).
11. E
como exposto, invade a denominada reserva de Administração, consoante já
decidido:
“RESERVA DE ADMINISTRAÇÃO E SEPARAÇÃO DE PODERES. - O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. É que, em tais matérias, o Legislativo não se qualifica como instância de revisão dos atos administrativos emanados do Poder Executivo. Precedentes. Não cabe, desse modo, ao Poder Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao postulado da separação de poderes, desconstituir, por lei, atos de caráter administrativo que tenham sido editados pelo Poder Executivo, no estrito desempenho de suas privativas atribuições institucionais. Essa prática legislativa, quando efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e importa em atuação ultra vires do Poder Legislativo, que não pode, em sua atuação político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais” (STF, ADI-MC 2.364-AL, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 01-08-2001, DJ 14-12-2001, p. 23).
12. Opino
pela procedência da ação por violação aos arts. 5º, 24, § 2º, 2, e 47, II, XIV
e XIX, a, da Constituição do Estado.
São Paulo, 24 de abril de 2012.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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