Parecer
Processo n. 0006249-50.2012.8.26.0000
Requerente: Prefeito do Município de Suzano
Objeto: Lei n. 4.518, de 04 de outubro de
2011, do Município de Suzano
Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 4.518/11 do Município de Suzano. Improcedência. Polícia administrativa. Atendimento nos estabelecimentos bancários. Disponibilização de cadeiras de rodas para pessoas com dificuldade de locomoção. Competência municipal sem reserva de iniciativa legislativa. 1. Obrigação imposta em lei municipal, de iniciativa parlamentar, de disponibilização de cadeiras de rodas para pessoas com dificuldade de locomoção pelas agências bancárias, configura o exercício da polícia administrativa de estabelecimentos destinados ao público, conferido aos Municípios. 2. Reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo que não se presume por ser direito estrito, exigindo explícita previsão normativa sobre o assunto. 3. O Município pode editar legislação própria, com fundamento na autonomia constitucional que lhe é inerente (art. 30, I, CF), com o objetivo de dispensar atenção aos deficientes ou pessoas com mobilidade reduzida. 4. Inexistência de violação ao art. 25, da Constituição Estadual, porque não foi imposta obrigação ao poder público, senão ao particular, além de haver na lei fonte de recursos próprios. 5. Improcedência da ação.
Colendo Órgão Especial:
1.
Trata-se de ação direta de
inconstitucionalidade impugnando a Lei n. 4.518, de 04 de outubro de 2011, do
Município de Suzano, de iniciativa parlamentar, que obriga agências bancárias à
disponibilização de cadeiras de rodas para usuários com dificuldade de
locomoção, sob alegação de violação aos arts. 5º, 25, 111 e 144 da Constituição
Estadual e ao art. 22, I, da Constituição Federal (fls. 02/15). A liminar
requerida foi indeferida (fl. 19). A douta Procuradoria-Geral do Estado
absteve-se da defesa da lei (fls. 27/28), decorrendo in albis o prazo de informações da Câmara Municipal (fl. 30).
2.
É o relatório.
3.
É improcedente a alegação
de ofensa ao art. 25 da Constituição Estadual. A lei local contestada não cria
obrigação ao poder público para exigir a indicação dos recursos disponíveis
destinados ao atendimento dos novos encargos, senão impõe deveres aos
particulares.
4.
Ademais, no caso em exame,
a lei indicou fonte de cobertura orçamentária expressamente em seu art. 6º.
5. É verdadeiro sofisma a alegação
de que toda e qualquer lei que gere despesa só possa advir de projeto de
autoria do Executivo. O Supremo Tribunal Federal tem estimado que:
“não procede a alegação de que qualquer projeto de lei que crie despesa só poderá ser proposto pelo Chefe do Executivo. As hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus clausus, no artigo 61 da Constituição do Brasil --- matérias relativas ao funcionamento da Administração Pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo” (RT 866/112).
6. É que diferentemente do
ordenamento constitucional anterior, “não havendo mais a expressa disposição no
texto constitucional de que é iniciativa privativa do Presidente da República
as leis que disponham sobre matéria financeira, tal reserva não mais subsiste,
não sendo cabível interpretação ampliativa na hipótese, conforme entende
inclusive nossa Suprema Corte”, assinala José Maurício Conti ao comentar a
inexistência de reserva de iniciativa para leis que criam ou aumentam despesa
pública (Iniciativa legislativa em matéria financeira, in Orçamentos Públicos e Direito Financeiro,
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, pp. 283-307, coordenação José Maurício
Conti e Fernando Facury Scaff).
7.
Neste sentido há decisão
deste egrégio Órgão Especial (ADI 0188.878-26-2011-8-26.0000, Rel. Des.
Guilherme G. Strenger, 01-02-2012, v.u.).
8.
A alegação de contrariedade
ao art. 5º da Constituição Estadual também é improcedente.
9.
A disciplina de atividades
comerciais desenvolvidas nas comunas apresenta-se como matéria própria da
competência legislativa municipal, à luz do disposto no art. 30, I, da
Constituição Federal, que confere atribuição aos Municípios para “legislar
sobre assuntos de interesse local”.
10.
Trata a lei local impugnada
de matéria inerente à polícia administrativa incidente sobre o ramo comercial,
e que é conferida aos Municípios. A respeito do assunto, calha invocar
tradicional lição doutrinária estampando que:
“Além dos vários setores específicos que indicamos precedentemente, compete ao Município a polícia administrativa das atividades urbanas em geral, para a ordenação da vida da cidade. Esse policiamento se estende a todas as atividades e estabelecimentos urbanos, desde a sua localização até a instalação e funcionamento, não para o controle do exercício profissional e do rendimento econômico, alheios à alçada municipal, mas para a verificação da segurança e da higiene do recinto, bem como da própria localização do empreendimento (escritório, consultório, banco, casa comercial, indústria, etc.) em relação aos usos permitidos nas normas de zoneamento da cidade (...)
Nessa regulamentação se inclui a fixação de horário do comércio em geral e das diversificações para certas atividades ou estabelecimentos, bem como o modo de apresentação das mercadorias, utilidades e serviços oferecidos ao público. Tal poder é inerente ao Município para a ordenação da vida urbana, nas suas exigências de segurança, higiene, sossego e bem-estar da coletividade” (Hely Lopes Meirelles. Direito Municipal Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 1993, 6ª. ed., pp. 368, 371).
11. A
hipótese guarda conexão com o tratamento dispensado pela jurisprudência à
disciplina normativa municipal do atendimento ao público nas agências bancárias:
“3. Firmou-se a jurisprudência, tanto no STF (v.g.: AgReg no RExt 427.463, RExt 432.789, AgReg no RExt 367.192-PB), quanto do STJ (v.g.: REsp 747.382; REsp 467.451), no sentido de que é da competência dos Municípios (e, portanto, do Distrito Federal, no âmbito do seu território - CF, art. 32, § 1º) legislar sobre tempo de atendimento em prazo razoável do público usuário de instituições bancárias, já que se trata de assunto de interesse local (CF, art. 30, I). Assim, eventual antinomia ou incompatibilidade entre a lei municipal e a lei federal no trato da matéria determina a prevalência daquela em relação a essa, e não o contrário” (STJ, REsp 598.183-DF, 1ª Seção, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 08-11-2006, v.u., DJ 27-11-2006, p. 236).
“CONSTITUCIONAL.
COMPETÊNCIA. AGÊNCIAS BANCÁRIAS. TEMPO DE ATENDIMENTO AO PÚBLICO. LEI
MUNICIPAL. INTERESSE LOCAL. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. O
Município tem competência para legislar sobre o tempo de atendimento ao público
nas agências bancárias” (STF, AI-AgR 472.373-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Carmen
Lúcia, 13-12-2006, v.u., DJ 09-02-2007, p. 23).
12.
Não bastasse esta digressão,
improcede a alegação de vício de ofensa à reserva de iniciativa legislativa do
Chefe do Poder Executivo.
13. A polícia de estabelecimentos
comerciais no âmbito do Município não é matéria sujeita à iniciativa reservada
do Chefe do Poder Executivo, situando-se na iniciativa comum ou concorrente.
14.
Regra é a iniciativa
legislativa pertencente ao Poder Legislativo; exceção é
a atribuição de reserva a certa categoria de agentes, entidades e órgãos, e
que, por isso, não se presume. Corolário é a devida interpretação restritiva às
hipóteses de iniciativa legislativa reservada, perfilhando tradicional lição
salientando que:
“a distribuição das funções entre os órgãos do Estado (poderes), isto é, a determinação das competências, constitui tarefa do Poder Constituinte, através da Constituição. Donde se conclui que as exceções ao princípio da separação, isto é, todas aquelas participações de cada poder, a título secundário, em funções que teórica e normalmente competiriam a outro poder, só serão admissíveis quando a Constituição as estabeleça, e nos termos em que fizer. Não é lícito à lei ordinária, nem ao juiz, nem ao intérprete, criarem novas exceções, novas participações secundárias, violadoras do princípio geral de que a cada categoria de órgãos compete aquelas funções correspondentes à sua natureza específica” (J. H. Meirelles Teixeira. Curso de Direito Constitucional, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, pp. 581, 592-593).
15. Fixadas
estas premissas, as reservas de iniciativa legislativa a autoridades, agentes,
entidades ou órgãos públicos diversos do Poder Legislativo devem sempre ser
interpretadas restritivamente na medida em que, ao transferirem a ignição do
processo legislativo, operam reduções a funções típicas do Parlamento e de seus
membros. Neste sentido, colhe-se da Suprema Corte:
“A iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que – por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo – deve necessariamente derivar de norma constitucional explícita e inequívoca” (STF, ADI-MC 724-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 27-04-2001).
“As hipóteses de limitação da
iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus
clausus, no artigo 61 da Constituição do Brasil --- matérias relativas ao
funcionamento da Administração Pública, notadamente no que se refere a
servidores e órgãos do Poder Executivo” (RT 866/112).
“A disciplina jurídica do
processo de elaboração das leis tem matriz essencialmente constitucional, pois
residem, no texto da Constituição - e nele somente -, os princípios que regem o
procedimento de formação legislativa, inclusive aqueles que concernem ao exercício
do poder de iniciativa das leis. - A teoria geral do processo legislativo, ao
versar a questão da iniciativa vinculada das leis, adverte que esta somente se
legitima - considerada a qualificação eminentemente constitucional do poder de
agir em sede legislativa - se houver, no texto da própria Constituição,
dispositivo que, de modo expresso, a preveja. Em conseqüência desse modelo
constitucional, nenhuma lei, no sistema de direito positivo vigente no Brasil,
dispõe de autoridade suficiente para impor, ao Chefe do Executivo, o exercício
compulsório do poder de iniciativa legislativa” (STF, MS 22.690-CE, Tribunal
Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 17-04-1997, v.u., DJ 07-12-2006, p. 36).
16. Como desdobramento
particularizado do princípio da separação dos poderes (art. 5º, Constituição
Estadual), a Constituição do Estado de São Paulo prevê no art. 24, § 2º, 2, iniciativa legislativa reservada do Chefe do Poder
Executivo (aplicável na órbita municipal por obra de seu art. 144). Não se
verifica nesse preceito reserva de iniciativa legislativa instituída de maneira
expressa.
17. Tampouco se capta do art. 47 (aplicável na órbita municipal por obra de seu art. 144) competência privativa do Chefe do Poder Executivo. O dispositivo consagra a atribuição de governo do Chefe do Poder Executivo, traçando suas competências próprias de administração e gestão que compõem a denominada reserva de Administração, pois, veiculam matérias de sua alçada exclusiva, imunes à interferência do Poder Legislativo.
18.
Na espécie, a norma local
impõe obrigação a particulares, sujeita à fiscalização do Poder Executivo, sem,
no entanto, conferir-lhe nova obrigação, senão requisitos para funcionamento de
instituições financeiras, o que desautoriza arguição de ofensa aos arts. 5º,
24, § 2º, 2 e 47, II e XIX, a, da Constituição Estadual.
19.
Colhe-se da jurisprudência da
Suprema Corte que a matéria respeitante à polícia administrativa em geral é da
iniciativa legislativa concorrente:
“Recurso
extraordinário. Ação direta de inconstitucionalidade contra lei municipal,
dispondo sobre matéria tida como tema contemplado no art. 30, VIII, da
Constituição Federal, da competência dos Municípios. 2.
Inexiste norma que confira a Chefe do Poder Executivo municipal a exclusividade
de iniciativa relativamente à matéria objeto do diploma legal impugnado.
Matéria de competência concorrente. Inexistência de invasão da esfera de
atribuições do Executivo municipal. 3. Recurso extraordinário não conhecido”
(STF, RE 218.110-SP, 2ª Turma, Rel. Min. Néri da Silveira, 02-04-2002, v.u., DJ
17-05-2002, p. 73).
20. Tampouco
merece amparo a alegação de usurpação da competência federal. A proteção aos
deficientes e pessoas com mobilidade reduzida não implica intervenção descabida
na ordem econômica e nem configura disciplina de direito civil ou comercial. A
matéria é da índole da competência comum (art. 23, II, Constituição Federal).
21. Opino pela improcedência da ação.
São Paulo, 25 de maio de 2012.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
wpmj