Parecer
Autos nº. 0006251-20.2012.8.26.0000
Requerente: Prefeito de Suzano
Objeto: Lei Municipal nº 4.464, de 02 de maio de 2011, que Institui o Programa de
Divulgação dos Serviços relativos à Saúde da Mulher no âmbito do Município de
Suzano.
Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade,
movida por Prefeito, em face da Lei Municipal nº 4.464, de 02 de maio de 2011, que Institui o
Programa de Divulgação dos Serviços relativos à Saúde da Mulher no âmbito do Município
de Suzano. Matérias reservadas ao Chefe
do Poder Executivo, eis que estabelece ações concretas à Administração.
Violação do princípio da separação dos poderes. Ofensa aos artigos 5º; 47, II e
XIV; 144 e 176, I, da CE. Parecer pela procedência da ação.
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Suzano, tendo por objeto a Lei Municipal nº 4.464, de 02 de maio de 2011, que institui o Programa de Divulgação dos Serviços relativos à Saúde da Mulher no âmbito do Município de Suzano.
O autor noticia que o projeto que a antecedeu
iniciou-se na Câmara Municipal. De outro lado, sustenta que cabe exclusivamente
ao Prefeito a iniciativa de leis que criem atribuições para os órgãos da
administração pública, divisando ofensa ao princípio da separação dos poderes,
previsto no art. 5º da Constituição do Estado.
O feito
seguiu sem a concessão de liminar (fls. 25).
A
Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando
que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 33/34).
A Câmara
Municipal não se manifestou, conforme se constata da certidão de fls. 36.
Este é o
breve resumo do que consta dos autos.
A lei impugnada, embora seja de iniciativa parlamentar, determina o modo de conduta do Poder Executivo, uma vez que expressamente institui o Programa de Divulgação dos Serviços relativos à Saúde da Mulher no âmbito do Município de Suzano, determinando a distribuição gratuita de guia onde conste os serviços públicos e postos de atendimento colocados a serviço da mulher no âmbito da saúde.
Ademais, afirma a Lei Municipal nº 4.464, de 02 de maio de 2011, que caberá à Secretaria Municipal da Saúde desenvolver estratégias para garantir a edição e distribuição gratuita do guia mencionado no caput, sendo assegurado que sejam colocados à disposição nas unidades básicas de saúde, hospitais públicos municipais, escolas e creches municipais e demais órgãos ligados direta e indiretamente ao sistema público municipal de saúde.
Em que pesem
os elevados propósitos que inspiraram o Vereador, autor do projeto, a lei
promulgada é verticalmente incompatível com a Constituição do Estado de São
Paulo, especialmente com os seus arts. 5.º, 47, II e XIV, e 144, os quais
dispõem o seguinte:
“Art. 5.º - São Poderes do Estado,
independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
Art. 47 – Compete privativamente ao
Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição:
II – exercer, com o auxílio dos Secretários de
Estado, a direção superior da administração estadual;
XIV – praticar os demais atos de
administração, nos limites da competência do Executivo;
Art. 144 – Os Municípios, com autonomia,
política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei
orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta
Constituição.”
Nos entes
políticos da Federação, dividem-se as funções de governo: o Executivo foi
incumbido da tarefa de administrar, segundo a legislação vigente, por força do
postulado da legalidade, enquanto que o Legislativo ficou responsável pela
edição das normas genéricas e abstratas, as quais compõem a base normativa para
as atividades de gestão.
Essa repartição
de funções decorre da incorporação à Constituição brasileira do princípio da
independência e harmonia entre os Poderes (art. 2.º), preconizado por
Montesquieu, e que visa a impedir a concentração de poderes num único órgão ou
agente, o que a experiência revelou conduzir ao absolutismo.
A tarefa de
administrar o Município, a cargo do Executivo, engloba as atividades de
planejamento, organização e direção dos serviços públicos, o que abrange,
efetivamente, a questão da forma como serão confeccionadas as placas
comemorativas.
Por
intermédio da lei em análise, a Câmara dispôs sobre o modo de agir da
Administração Pública Municipal. Embora elogiável a preocupação do Legislativo
local com o tema, a iniciativa não tem como prosperar na ordem constitucional
vigente, uma vez que a norma disciplina atos que são próprios da função
executiva.
Não há
dúvida, portanto, que cabe ao Poder Executivo o início do processo legislativo
a respeito das placas comemorativas, pois, como assinala Manoel Gonçalves
Ferreira Filho “o aspecto fundamental da iniciativa reservada está em
resguardar a seu titular a decisão de propor direito novo em matérias confiadas
à sua especial atenção, ou de seu interesse preponderante” (Do Processo
Legislativo, São Paulo, Saraiva, p. 204).
Por esse
motivo, a Constituição Estadual, em dispositivo que repete o artigo 61, § 1º,
II, e, da Constituição Federal, conferiu ao Governador do Estado a iniciativa
privativa das leis que disponham sobre as atribuições da administração pública
e, consequentemente, sobre os serviços públicos por ela prestados, direta ou
indiretamente. Trata-se de questão relativa ao processo legislativo, cujos
princípios são de observância obrigatória pelos Municípios, em face do artigo
144, da Constituição do Estado, tal como tem decidido o C. Supremo Tribunal
Federal:
“O modelo estruturador do processo
legislativo, tal como delineado em seus aspectos fundamentais pela Constituição
da República - inclusive no que se refere às hipóteses de iniciativa do
processo de formação das leis - impõe-se, enquanto padrão normativo de
compulsório atendimento, à incondicional observância dos Estados-Membros.
Precedentes: RTJ 146/388 - RTJ 150/482” (ADIn nº 1434-0, medida liminar,
relator Ministro Celso de Mello, DJU nº 227, p. 45684).
Se a regra é
impositiva para os Estados-membros, é induvidoso que também o é para os
Municípios.
As normas de
fixação de competência para a iniciativa do processo legislativo derivam do
princípio da separação dos poderes, que nada mais é que o mecanismo jurídico
que serve à organização do Estado, definindo órgãos, estabelecendo competências
e marcando as relações recíprocas entre esses mesmos órgãos (Manoel Gonçalves
Ferreira Filho, op. cit., p. 111-112). Se essas normas não são atendidas, como
no caso em exame, fica patente a inconstitucionalidade, em face de vício de
iniciativa.
Sobre isso,
ensinou Hely Lopes Meirelles que se “a Câmara, desatendendo à privatividade do
Executivo para esses projetos, votar e aprovar leis sobre tais matérias caberá
ao Prefeito vetá-las, por inconstitucionais. Sancionadas e promulgadas que
sejam, nem por isso se nos afigura que convalesçam de vício inicial, porque o
Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais inerentes às suas
funções, como não pode delegá-las aquiescer em que o Legislativo as exerça”
(Direito Municipal Brasileiro, São Paulo, Malheiros, 7ª ed., pp. 544-545).
Em casos
semelhantes, esse E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tem afastado a
interferência do Poder Legislativo na definição de atividades e das ações
concretas a cargo da Administração, destacando-se:
“Ao executivo haverá de caber sempre o
exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá,
também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução
dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão
meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse
gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito”
(Adin. n. 53.583-0, Rel. Dês. Fonseca Tavares; Adin n. 43.987, Rel. Dês. Oetter
Guedes; Adin n. 38.977, Rel. Dês. Franciulli Netto; Adin n. 41.091, Rel. Dês.
Paulo Shintate).
Diante do exposto, opino pela procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 4.464, de 02 de maio de 2011, que Institui o Programa de Divulgação dos Serviços relativos à Saúde da Mulher no âmbito do Município de Suzano.
São Paulo, 07 de maio de 2012.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral
de Justiça
Jurídico
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