Parecer
Autos nº. 0007757-31.2012.8.26.0000
Requerente: Prefeito do Município de Amparo
Objeto: Lei nº 3.635, de 11 de outubro de 2011, do Município de Amparo
Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida por Prefeito. Lei nº 3.635, de 11 de outubro de 2011, do Município de Amparo que “INSTITUI NO MUNICÍPIO DE AMPARO O DIA MUNICIPAL DE PREVENÇÃO ÀS DOENÇAS DA TIREÓIDE E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS”. Projeto de autoria de Vereador. Matéria reservada ao Chefe do Poder Executivo. Violação do princípio da separação dos poderes. Ofensa aos artigos 47, incs. II e XIV e 144 da CE. Parecer pela procedência da ação.
Colendo
Órgão Especial
Excelentíssimo
Senhor Desembargador Presidente
Trata-se
de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Amparo, tendo por objeto a Lei nº 3.635, de 11 de outubro de
2011, daquele
Município, que “INSTITUI
NO MUNICÍPIO DE AMPARO O DIA MUNICIPAL DE PREVENÇÃO ÀS DOENÇAS DA TIREÓIDE E DÁ
OUTRAS PROVIDÊNCIAS”.
O
autor noticia que o projeto que a antecedeu iniciou-se na Câmara Municipal e
que, depois de aprovado, foi inteiramente vetado pelo Poder Executivo. O veto
foi derrubado e, afinal, a lei foi promulgada pelo Presidente da Câmara
Municipal.
Sustenta
que a lei em questão cria obrigações para a administração pública, havendo
usurpação por parte do Poder Legislativo de atribuições pertinentes a
atividades próprias do Poder Executivo e aponta transgressão aos arts. 5º; 24,
§ 2º, nº 2, 25, 47, II, 144 e 176, I, da Constituição Estadual.
A
Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex
nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 29/30).
O
Presidente da Câmara Municipal deixou transcorrer “in albis” o prazo para informações
(fls. 43) .
A
Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando
que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 40/42).
Este
é o breve resumo do que consta dos autos.
A
lei impugnada do Município de Amparo assim dispõe:
“Art. 1º - Fica instituído o “Dia Municipal
de Prevenção às Doenças da Tireóide”, a ser comemorado no dia 25 de maio de
cada ano, passando a constar do calendário oficial do município”
Dita
lei é verticalmente incompatível com a Constituição do Estado de São Paulo,
especialmente com os seus arts. 5.º, 47, II e XIV, e 144, os quais dispõem o
seguinte:
“Art. 5.º -
São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o
Executivo e o Judiciário.
Art. 47 –
Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas
nesta Constituição:
II – exercer,
com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração
estadual;
XIV –
praticar os demais atos de administração, nos limites da competência do
Executivo;
Art. 144 – Os
Municípios, com autonomia, política, legislativa, administrativa e financeira
se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os
princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”
Nos
entes políticos da Federação, dividem-se as funções de governo: o Executivo foi
incumbido da tarefa de administrar, segundo a legislação vigente, por força do
postulado da legalidade, enquanto que o Legislativo ficou responsável pela
edição das normas genéricas e abstratas, as quais compõem a base normativa para
as atividades de gestão.
Essa
repartição de funções decorre da incorporação à Constituição brasileira do
princípio da independência e harmonia entre os Poderes (art. 2.º), preconizado
por Montesquieu, e que visa a impedir a concentração de poderes num único órgão
ou agente, o que a experiência revelou conduzir ao absolutismo.
A
tarefa de administrar o Município, a cargo do Executivo, engloba as atividades
de planejamento, organização e direção dos serviços públicos, o que abrange,
efetivamente, a concepção de programas, como o da espécie em análise.
Por
intermédio da lei em análise, a Câmara criou um programa de prevenção “às Doenças da
Tireóde”, onerando, desta forma, a Administração. Embora elogiável a preocupação do Legislativo
local com o tema, a iniciativa não tem como prosperar na ordem constitucional
vigente, uma vez que a norma disciplina atos que são próprios da função
executiva.
Por
esse motivo, a Constituição Estadual, em dispositivo que repete o artigo 61, §
1º, II, “b”, da Constituição Federal, conferiu ao Governador do Estado a
iniciativa privativa das leis que disponham sobre as atribuições da administração
pública e, conseqUentemente, sobre o seu orçamento.
Trata-se de questão relativa ao processo legislativo, cujos princípios são de
observância obrigatória pelos Municípios, em face do artigo 144, da
Constituição do Estado, tal como tem decidido o C. Supremo Tribunal Federal:
“O modelo
estruturador do processo legislativo, tal como delineado em seus aspectos
fundamentais pela Constituição da República - inclusive no que se refere às
hipóteses de iniciativa do processo de formação das leis - impõe-se, enquanto
padrão normativo de compulsório atendimento, à incondicional observância dos
Estados-Membros. Precedentes: RTJ 146/388 - RTJ 150/482” (ADIn
nº 1434-0, medida liminar, relator Ministro Celso de Mello, DJU nº 227, p.
45684).
Se
a regra é impositiva para os Estados-membros, é induvidoso que também o é para
os Municípios.
As
normas de fixação de competência para a iniciativa do processo legislativo
derivam do princípio da separação dos poderes, que nada mais é que o mecanismo
jurídico que serve à organização do Estado, definindo órgãos, estabelecendo
competências e marcando as relações recíprocas entre esses mesmos órgãos
(Manoel Gonçalves Ferreira Filho, op. cit.,
pp. 111-112). Se essas normas não são atendidas, como no caso em exame, fica
patente a inconstitucionalidade, em face de vício de iniciativa.
Sobre
isso, ensinou Hely Lopes Meirelles que se “a Câmara, desatendendo à
privatividade do Executivo para esses projetos, votar e aprovar leis sobre tais
matérias, caberá ao Prefeito vetá-las, por
inconstitucionais. Sancionadas e promulgadas que sejam, nem por isso se nos
afigura que convalesçam de vício inicial, porque o Executivo não pode renunciar
prerrogativas institucionais inerentes às suas funções, como não pode
delegá-las aquiescer em que o Legislativo as exerça” (Direito Municipal
Brasileiro, São Paulo, Malheiros, 7ª ed., pp. 544-545).
Nota-se,
por fim, que a lei gera aumento de despesa sem indicação da fonte e, destarte,
colide com as disposições dos artigos 25, da Constituição Bandeirante.
Esse
Sodalício, aliás, tem declarado a inconstitucionalidade de leis municipais que
infrigem esses comandos:
“LEI
MUNICIPAL QUE, DEMAIS IMPÕE INDEVIDO AUMENTO DE DESPESA PÚBLICA SEM A INDICAÇÃO
DOS RECURSOS DISPONÍVEIS, PRÓPRIOS PARA ATENDER AOS NOVOS ENCARGOS (CE, ART
25). COMPROMETENDO A ATUAÇÃO DO EXECUTIVO NA EXECUÇÃO DO ORÇAMENTO - ARTIGO
176, INCISO I, DA REFERIDA CONSTITUIÇÃO, QUE VEDA O INÍCIO DE PROGRAMAS. PROJETOS
E ATIVIDADES NÃO INCLUÍDOS NA LEI ORÇAMENTÁRIA ANUAL” (ADIn
142.519-0/5-00, rel. Des. Mohamed Amaro, 15.8.2007).
Diante
do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação
direta, declarando-se a
inconstitucionalidade da Lei nº 3.635, de 11 de outubro de 2011, do Município
de Amparo.
São Paulo, 8 de maio de 2012.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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