Parecer
Autos nº. 0007759-982012.8.26.0000
Requerente: Prefeito Municipal de Amparo
Objeto: Lei nº 3.636, de 11 de outubro 2011, do Município de Amparo
Ementa: 1) Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal que “DISPÕE SOBRE A VEICULAÇÃO DE CAMPANHAS EDUCATIVAS E DE UTILIDADE PÚBLICA EM RÁDIO MUNICIPAL E SIMILARES”. 2) Iniciativa parlamentar. 3) Violação da separação de poderes. Ato normativo que invade a esfera da gestão administrativa (art. 5º, 47, II e XIV, da Constituição Paulista). 4) Inconstitucionalidade reconhecida.
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente
Trata-se
de ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito Municipal de Amparo, tendo por objeto a Lei nº 3.636, de 11 de outubro de 2011, do Município de Amparo, que “DISPÕE SOBRE A VEICULAÇÃO DE CAMPANHAS EDUCATIVAS E DE
UTILIDADE PÚBLICA EM RÁDIO MUNICIPAL E SIMILARES”.
Sustenta o autor que o projeto que a antecedeu iniciou-se na Câmara Municipal e que, por isso, padece de inconstitucionalidade.
O Presidente da Câmara Municipal deixou transcorrer “in albis” o prazo para informações.
A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 37/38).
Este é o breve resumo do que consta dos autos.
Em
que pese a boa intenção estampada na propositura legislativa que culminou se
transformando na lei impugnada nesta ação, o ato normativo é verticalmente
incompatível com nossa sistemática constitucional.
Este é o teor do ato normativo impugnado, no que interessa:
“Artigo 1º - As veiculações de campanhas educativas e de utilidade pública em rádios municipais de entidades sem fins lucrativos, as quais são beneficentes, e desenvolvam um trabalho voluntário no município de Amparo mais deverão versar sobre:-
I – Campanhas antidrogas;
II - Campanhas antitabaco;
III - Campanhas de combate à prostituição, exploração infantil ou qualquer tipo de discriminação;
IV – Campanhas de estímulo à doação de órgãos, doação de sangue, à prevenção de acidentes no trânsito ou de acidentes domésticos;
V – Preservação do meio ambiente, do patrimônio histórico ou cultural;
VI – Qualquer outra campanha que atenda o interesse público.”
A lei, de iniciativa
parlamentar, cria obrigações e estabelece condutas a serem cumpridas pela
Administração Pública, ao dispor sobre quais temas devam ser abordados em
campanhas educativas e de utilidade pública, difundidos através da “Rádio
Municipal e Similares”.
Não há dúvida de que, como tal, a iniciativa parlamentar, ainda que
revestida de boas intenções, invadiu a esfera da gestão administrativa, e como
tal, é inconstitucional, por violar o disposto no art. 5º e no art. 47, II e
XIV, da Constituição Paulista.
É ponto pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder
Executivo cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos
de planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao
Poder Público. De outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a
função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e
abstração.
O legislador municipal, na hipótese analisada, criou obrigações de cunho
administrativo para a Administração Pública local.
Abstraindo quanto aos motivos que podem ter levado a tal solução
legislativa, ela se apresenta como manifestamente inconstitucional, por
interferir na realização, em certa medida, da gestão administrativa do Município.
Referido diploma, na prática, invadiu
a esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, e envolve o
planejamento, a direção, a organização e
a execução de atos de governo. Isso equivale à prática de ato de
administração, de sorte a malferir a separação dos poderes.
Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que
“a Prefeitura não pode legislar, como a
Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa:
a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa,
convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos,
individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos
segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e
independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao
governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com
usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir
prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou
retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao
princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art.2º c/c o
art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15ªed.,
atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo,
Malheiros, 2006, p.708 e 712).
Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo
administra, editando leis que equivalem na prática a verdadeiros atos de
administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os
poderes estatais.
Esse E. Tribunal de Justiça tem declarado a inconstitucionalidade de leis
municipais de iniciativa parlamentar que interferem na gestão administrativa,
com amparo na violação da regra da separação de poderes, conforme ementas de
julgados recentes, transcritas a seguir:
“Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 9882, de 20 de abril de 2007, do Município de São José do Rio Preto. Obrigatoriedade de ascensoristas nos elevadores dos edifícios comerciais. Violação ao princípio constitucional da independência entre os poderes. Inconstitucionalidade declarada. Pedido julgado procedente.” (TJSP, ADI 149.044-0/8-00, rel. des. Armando Toledo, j.20.02.2008, v.u.).
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei Municipal de Itapetininga n° 4.979, de 28 de setembro de 2.005, do Município de Itapetininga, que dispõe sobre a obrigatoriedade de confecção distribuição de material explicativo dos efeitos das radiações emitidas pelos aparelhos celulares e sobre sua correta utilização, e dá outras providências. Decorrente de projeto de iniciativa parlamentar, promulgada pela Câmara Municipal depois de rejeitado o veto do Prefeito - Realmente, há que se reconhecer que a Câmara Municipal exorbitou no exercício da função legislativa, interferindo em atividade concreta do Poder Executivo - Afronta aos artigos 5°, 25, e 144 e da Constituição Estadual. JULGARAM PROCEDENTE A AÇÃO.” (TJSP, ADI 134.410-0/4, rel. des. Viana Santos, j. 05.03.2008).
E, mais recentemente, assim se fez constar no despacho que
deferiu a liminar na ADIn 990.10.073579-9:
"Impõe-se, à partida, a apreciação do pedido liminar, que fica deferido.
Evidente o fumus boni júris, pois já proclamada na ADIN nº 154.526-0/0 (Rel. EROS PICELI - J. 08.10.2008 - V.U.), ser inconstitucional lei de vereadora iniciativa que cria obrigação para o Poder Executivo de utilização de papel reciclado.
Digo o mesmo quanto ao periculum in mora, poquanto a obrigação imposta ao promovente de regulamentar a norma impugnada deveras implica, na prática, em sujeição, se não imediata, quase, a interferência, in casu descabida, o planejamento da administração no que tange a execução dos procedimentos licitatórios visando às aquisições de materiais de expedientes para o ano em exercício.
Ademais, não faz o menor sentido manter a eficácia e a vigência, ainda que potenciais, eis que minguante sua regulamentação, certamente, porém, capazes de gerar ao menos atritos entre Legislativo e Executivo locais, de norma que ostenta palpável vício de inconstitucionalidade formal." (ADIn 990.10.073579-9, rel. des. Palma Bisson, j. 1º.03.2010)
Nesse panorama, divisa-se como solução deste processo
a declaração de inconstitucionalidade, pois “se a Câmara, desatendendo à
privatividade do Executivo para esses projetos, votar e aprovar leis sobre tais
matérias, caberá ao prefeito vetá-las, por inconstitucionais. Sancionadas e
promulgadas que sejam, nem por isso se nos afigura que convalesçam do vício
inicial, porque o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais,
inerentes às suas funções, como não pode delegá-las ou aquiescer que o
Legislativo as exerça” (Hely Lopes Meirelles. Direito Municipal Brasileiro, 16ª. ed., São Paulo: Malheiros,
2008, p. 748).
Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 3.636, de 11 de outubro 2011, do Município de Amparo.
São Paulo, 3 de maio de 2012.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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