Parecer
Processo n. 0016916-95.2012.8.26.0000
Requerente: Federação Brasileira dos Bancos -
FEBRABAN
Objeto: Lei n. 2.527, de 15 de agosto de
2011, do Município de Nova Odessa
Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 2.527, de 15 de agosto de 2011, do Município de Nova Odessa. Improcedência. Polícia administrativa. Segurança dos estabelecimentos bancários. Competência municipal sem reserva de iniciativa legislativa. 1. Obrigação imposta em lei municipal, de iniciativa parlamentar, a agências de instituições bancárias, de instalar dispositivos de segurança em suas agências e postos de serviços. 2. Reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo que não se presume por ser direito estrito, exigindo explícita previsão normativa sobre o assunto. 3. O Município pode editar legislação própria, com fundamento na autonomia constitucional que lhe é inerente (art. 30, I, CF), com o objetivo de obrigar os estabelecimentos financeiros a instalar dispositivos de segurança em suas agências e postos de serviços. 4. Inexistência de violação ao art. 25, da Constituição Estadual, porque não foi imposta obrigação ao poder público. 5. Improcedência da ação.
Colendo Órgão Especial:
1.
Trata-se de ação direta de
inconstitucionalidade impugnando a Lei n. 2.527, de 15 de agosto de 2011, do
Município de Nova Odessa, que dispõe sobre a instalação de dispositivos de
segurança nas agências e postos de serviços das instituições financeiras
instaladas na localidade (fls. 02/50). A liminar requerida foi deferida (fl. 95).
A Câmara Municipal prestou informações defendendo a constitucionalidade da
norma (fls. 114/121). A Procuradoria-Geral do Estado declinou da sua intervenção
no feito (fls. 110/112).
2.
É o relatório.
3.
Preliminarmente, requeiro a
notificação do Prefeito do Município de Nova Odessa.
4.
No mérito, é improcedente a
alegação de ofensa ao art. 25 da Constituição Estadual. A lei local contestada
não cria obrigação ao poder público para exigir a indicação dos recursos
disponíveis destinados ao atendimento dos novos encargos.
5. Aliás, é conveniente assentar que
se trata de verdadeiro sofisma a alegação de que toda e qualquer lei que gere
despesa só possa advir de projeto de autoria do Executivo. O Supremo
Tribunal Federal tem estimado que:
“não procede a alegação de que qualquer projeto de lei que crie despesa só poderá ser proposto pelo Chefe do Executivo. As hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus clausus, no artigo 61 da Constituição do Brasil --- matérias relativas ao funcionamento da Administração Pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo” (RT 866/112).
6. É que diferentemente do
ordenamento constitucional anterior, “não havendo mais a expressa disposição no
texto constitucional de que é iniciativa privativa do Presidente da República
as leis que disponham sobre matéria financeira, tal reserva não mais subsiste,
não sendo cabível interpretação ampliativa na hipótese, conforme entende
inclusive nossa Suprema Corte”, assinala José Maurício Conti ao comentar a
inexistência de reserva de iniciativa para leis que criam ou aumentam despesa
pública (Iniciativa legislativa em matéria financeira, in Orçamentos Públicos e Direito Financeiro,
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, pp. 283-307, coordenação José Maurício
Conti e Fernando Facury Scaff).
7.
Neste sentido há decisão
deste egrégio Órgão Especial (ADI 0188.878-26-2011-8-26.0000, Rel. Des.
Guilherme G. Strenger, 01-02-2012, v.u.).
8.
Quanto à alegação de
contrariedade ao art. 5º da Constituição Estadual, a ação também é
improcedente.
9.
A disciplina da segurança
de atividades comerciais desenvolvidas nas comunas apresenta-se como matéria
própria da competência legislativa municipal, à luz do disposto no art. 30, I,
da Constituição Federal, que confere atribuição aos Municípios para “legislar
sobre assuntos de interesse local”.
10.
Trata a lei local impugnada
de matéria inerente à polícia administrativa incidente sobre o ramo comercial,
e que é conferida aos Municípios. A respeito do assunto, calha invocar
tradicional lição doutrinária estampando que:
“Além dos vários setores específicos que indicamos precedentemente, compete ao Município a polícia administrativa das atividades urbanas em geral, para a ordenação da vida da cidade. Esse policiamento se estende a todas as atividades e estabelecimentos urbanos, desde a sua localização até a instalação e funcionamento, não para o controle do exercício profissional e do rendimento econômico, alheios à alçada municipal, mas para a verificação da segurança e da higiene do recinto, bem como da própria localização do empreendimento (escritório, consultório, banco, casa comercial, indústria, etc.) em relação aos usos permitidos nas normas de zoneamento da cidade (...)
Nessa regulamentação se inclui a fixação de horário do comércio em geral e das diversificações para certas atividades ou estabelecimentos, bem como o modo de apresentação das mercadorias, utilidades e serviços oferecidos ao público. Tal poder é inerente ao Município para a ordenação da vida urbana, nas suas exigências de segurança, higiene, sossego e bem-estar da coletividade” (Hely Lopes Meirelles. Direito Municipal Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 1993, 6ª. ed., pp. 368, 371).
11. A
análise da lei local impugnada revela o exercício da competência normativa
municipal sem extravasamento de seus limites, pois, é plenamente admissível ao
Município exigir de estabelecimentos bancários medidas
e providências para proteção da vida, da integridade física e do patrimônio de
seus usuários e consumidores.
12.
Em questão conexa, assentou a
jurisprudência que compete ao
Município legislar sobre o tempo de atendimento ao público nas agências
bancárias:
“3. Firmou-se a jurisprudência, tanto no STF (v.g.: AgReg no RExt 427.463, RExt 432.789, AgReg no RExt 367.192-PB), quanto do STJ (v.g.: REsp 747.382; REsp 467.451), no sentido de que é da competência dos Municípios (e, portanto, do Distrito Federal, no âmbito do seu território - CF, art. 32, § 1º) legislar sobre tempo de atendimento em prazo razoável do público usuário de instituições bancárias, já que se trata de assunto de interesse local (CF, art. 30, I). Assim, eventual antinomia ou incompatibilidade entre a lei municipal e a lei federal no trato da matéria determina a prevalência daquela em relação a essa, e não o contrário” (STJ, REsp 598.183-DF, 1ª Seção, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 08-11-2006, v.u., DJ 27-11-2006, p. 236).
“CONSTITUCIONAL.
COMPETÊNCIA. AGÊNCIAS BANCÁRIAS. TEMPO DE ATENDIMENTO AO PÚBLICO. LEI
MUNICIPAL. INTERESSE LOCAL. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. O
Município tem competência para legislar sobre o tempo de atendimento ao público
nas agências bancárias” (STF, AI-AgR 472.373-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Carmen
Lúcia, 13-12-2006, v.u., DJ 09-02-2007, p. 23).
13.
E acerca da segurança dos
estabelecimentos bancários, invoca-se venerando acórdão do Supremo Tribunal
Federal, portador de premissa eloquente aplicável ao caso para alijar invasão
da competência normativa federal:
“RECURSO.
Extraordinário. Inadmissibilidade. Competência legislativa. Município.
Edificações. Bancos. Equipamentos de segurança. Portas eletrônicas. Agravo
desprovido. Inteligência do art. 30, I, e 192, I, da CF. Precedentes. Os Municípios são competentes para legislar sobre questões que respeite
a edificações ou construções realizadas no seu território, assim como sobre
assuntos relacionados à exigência de equipamentos de segurança, em imóveis
destinados a atendimento ao público” (STF, AI-AgR 491.420-SP, 1ª Turma, Rel.
Min. Cezar Peluso, 21-02-2006, v.u., DJ 24-03-2006, p. 26, RTJ 203/409).
14.
Em outra oportunidade,
assentou a Suprema Corte que:
“ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS - COMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO PARA, MEDIANTE LEI, OBRIGAR AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS A INSTALAR, EM SUAS AGÊNCIAS, DISPOSITIVOS DE SEGURANÇA - INOCORRÊNCIA DE USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA FEDERAL - ALEGAÇÃO TARDIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 144, § 8º, DA CONSTITUIÇÃO - MATÉRIA QUE, POR SER ESTRANHA À PRESENTE CAUSA, NÃO FOI EXAMINADA NA DECISÃO OBJETO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO - INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO ‘JURA NOVIT CURIA’ - RECURSO IMPROVIDO. - O Município pode editar legislação própria, com fundamento na autonomia constitucional que lhe é inerente (CF, art. 30, I), com o objetivo de determinar, às instituições financeiras, que instalem, em suas agências, em favor dos usuários dos serviços bancários (clientes ou não), equipamentos destinados a proporcionar-lhes segurança (tais como portas eletrônicas e câmaras filmadoras) ou a propiciar-lhes conforto, mediante oferecimento de instalações sanitárias, ou fornecimento de cadeiras de espera, ou, ainda, colocação de bebedouros” (STF, AI-AgR 341.717-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, 31-05-2005, v.u., DJ 05-08-2005, p. 92).
15.
Ora, emerge desses
fundamentos a plenitude da autonomia municipal para, nos limites do interesse
social, disciplinar a segurança de estabelecimentos destinados ao público,
argumento que desabona, com força e vigor, a arguição de inconstitucionalidade
na espécie.
16.
Não bastasse esta digressão,
improcede a alegação de vício de ofensa à reserva de iniciativa legislativa do
Chefe do Poder Executivo.
17. A polícia de segurança de estabelecimentos
comerciais no âmbito do Município não é matéria sujeita à iniciativa reservada
do Chefe do Poder Executivo, situando-se na iniciativa comum ou concorrente.
18.
Regra é a iniciativa
legislativa pertencente ao Poder Legislativo; exceção é
a atribuição de reserva a certa categoria de agentes, entidades e órgãos, e
que, por isso, não se presume. Corolário é a devida interpretação restritiva às
hipóteses de iniciativa legislativa reservada, perfilhando tradicional lição
salientando que:
“a distribuição das funções entre os órgãos do Estado (poderes), isto é, a determinação das competências, constitui tarefa do Poder Constituinte, através da Constituição. Donde se conclui que as exceções ao princípio da separação, isto é, todas aquelas participações de cada poder, a título secundário, em funções que teórica e normalmente competiriam a outro poder, só serão admissíveis quando a Constituição as estabeleça, e nos termos em que fizer. Não é lícito à lei ordinária, nem ao juiz, nem ao intérprete, criarem novas exceções, novas participações secundárias, violadoras do princípio geral de que a cada categoria de órgãos compete aquelas funções correspondentes à sua natureza específica” (J. H. Meirelles Teixeira. Curso de Direito Constitucional, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, pp. 581, 592-593).
19. Fixadas
estas premissas, as reservas de iniciativa legislativa a autoridades, agentes,
entidades ou órgãos públicos diversos do Poder Legislativo devem sempre ser
interpretadas restritivamente na medida em que, ao transferirem a ignição do
processo legislativo, operam reduções a funções típicas do Parlamento e de seus
membros. Neste sentido, colhe-se da Suprema Corte:
“A iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que – por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo – deve necessariamente derivar de norma constitucional explícita e inequívoca” (STF, ADI-MC 724-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 27-04-2001).
“As hipóteses de limitação da
iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus
clausus, no artigo 61 da Constituição do Brasil --- matérias relativas ao
funcionamento da Administração Pública, notadamente no que se refere a servidores
e órgãos do Poder Executivo” (RT 866/112).
“A disciplina jurídica do
processo de elaboração das leis tem matriz essencialmente constitucional, pois
residem, no texto da Constituição - e nele somente -, os princípios que regem o
procedimento de formação legislativa, inclusive aqueles que concernem ao
exercício do poder de iniciativa das leis. - A teoria geral do processo
legislativo, ao versar a questão da iniciativa vinculada das leis, adverte que
esta somente se legitima - considerada a qualificação eminentemente
constitucional do poder de agir em sede legislativa - se houver, no texto da
própria Constituição, dispositivo que, de modo expresso, a preveja. Em
conseqüência desse modelo constitucional, nenhuma lei, no sistema de direito
positivo vigente no Brasil, dispõe de autoridade suficiente para impor, ao
Chefe do Executivo, o exercício compulsório do poder de iniciativa legislativa”
(STF, MS 22.690-CE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 17-04-1997, v.u.,
DJ 07-12-2006, p. 36).
20. Como desdobramento
particularizado do princípio da separação dos poderes (art. 5º, Constituição
Estadual), a Constituição do Estado de São Paulo prevê no art. 24, § 2º, 2, iniciativa legislativa reservada do Chefe do Poder
Executivo (aplicável na órbita municipal por obra de seu art. 144). Não se
verifica nesse preceito reserva de iniciativa legislativa instituída de maneira
expressa.
21. Tampouco se capta do art. 47 (aplicável na órbita municipal por obra de seu art. 144) competência privativa do Chefe do Poder Executivo. O dispositivo consagra a atribuição de governo do Chefe do Poder Executivo, traçando suas competências próprias de administração e gestão que compõem a denominada reserva de Administração, pois, veiculam matérias de sua alçada exclusiva, imunes à interferência do Poder Legislativo.
22.
Na espécie, a norma local
impõe obrigação a agências e postos de serviços das instituições financeiras,
sujeita à fiscalização do Poder Executivo, o que desautoriza arguição de ofensa
aos arts. 5º, 24, § 2º, 2 e 47, II e XIX, a, da Constituição Estadual.
23.
Colhe-se da jurisprudência da
Suprema Corte que a matéria respeitante à polícia administrativa em geral é da
iniciativa legislativa concorrente:
“Recurso
extraordinário. Ação direta de inconstitucionalidade contra lei municipal,
dispondo sobre matéria tida como tema contemplado no art. 30, VIII, da
Constituição Federal, da competência dos Municípios. 2.
Inexiste norma que confira a Chefe do Poder Executivo municipal a exclusividade
de iniciativa relativamente à matéria objeto do diploma legal impugnado.
Matéria de competência concorrente. Inexistência de invasão da esfera de
atribuições do Executivo municipal. 3. Recurso extraordinário não conhecido”
(STF, RE 218.110-SP, 2ª Turma, Rel. Min. Néri da Silveira, 02-04-2002, v.u., DJ
17-05-2002, p. 73).
24. Opino pela improcedência da ação.
São Paulo, 20 de junho de 2012.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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