Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

Autos nº. 0019837-27.2012.8.26.0000

Requerente: Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal de São José dos Campos

Objeto: Inconstitucionalidade da Lei Complementar n. 453, de 08 de dezembro de 2011, do Município de São José dos Campos

 

Ementa:

1. Ação direta de inconstitucionalidade.  Inconstitucionalidade da Lei Complementar n. 453, de 08 de dezembro de 2011, do Município de São José dos Campos, que “dispõe sobre o Plano de Carreira e Vencimentos dos Servidores Municipais de São José dos Campos e dá outras providências”.

2.   O ingresso no serviço público não assegura a definitividade do relacionamento funcional. É possível à Administração alterar por lei o regime jurídico de seus servidores. Opção política do legislador que, não sendo arbitrários ou inidôneos, atingem a finalidade constitucional, não podendo ser substituídos pela vontade do Tribunal. Direito de opção pelo regime anterior, que não assegura as mesmas possibilidades de ascensão e expectativas remuneratórias. Fato que não invalida o dispositivo que regula o exercício desse direito.

3.   Parecer pela improcedência da ação direta de inconstitucionalidade.

 

 

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal de São José dos Campos em face da Lei Complementar n. 453, de 08 de dezembro de 2011, do Município de São José dos Campos, que “dispõe sobre o Plano de Carreira e Vencimentos dos servidores Municipais de São José dos Campos e dá outras providências”.

Sustenta o autor, em síntese, que o ato normativo impugnado cria uma mudança geral em todo o plano de carreira, além de ofender o princípio da isonomia, na medida em que haverá diferença salarial entre os ocupantes da mesma função devido às várias incongruências nela existentes.

O pedido de medida liminar foi indeferido (fls. 64/65).

O Procurador-Geral do Estado declinou da defesa da lei, anotando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 92/94).

O Prefeito do Município de São José dos Campos prestou informações arguindo em preliminar a falta de procuração com poderes específicos para propor a presente ação e a ilegitimidade ativa de parte do autor. No mérito, defendeu a constitucionalidade do ato normativo impugnado (fls. 96/128).

É o relato do essencial.

Preliminarmente

 Capacidade processual

O Sindicato requerente tem legitimidade para propor a presente ação declaratória de inconstitucionalidade, de acordo com o que dispõe o art. 90, inc. V, da Constituição Paulista.

Todavia,  há defeito na representação, pois, de acordo com o estatuto encartado a fls. 24/25, essa entidade é representada, em Juízo e fora dele, pelo Coordenador da Secretaria de Assuntos Institucionais (art. 31, parágrafo único).

Vê-se que  o subscritor do instrumento de procuração (fls. 11) é o Secretário de Assuntos Institucionais e não o Coordenador.

É de se cumprir, portanto, o disposto no artigo 13 do CPC, sob pena de extinção do processo, sem julgamento de mérito, nos precisos termos do artigo 267, inciso VI, do CPC.

No mérito.

Conforme se constata, a Lei n. 453, de 08 de dezembro de 2011, do Município de São José dos Campos, “dispõe sobre o Plano de Cargos, Carreira e Vencimento dos Servidores Municipais de São José dos Campos e dá outras providências”.

Muito embora as assertivas do autor, a maioria delas muito genéricas e imprecisas quanto à questão da inconstitucionalidade propriamente dita, é oportuno ressaltar no sentido de que embora a sistemática trazida pela Lei n. 453/2011, de São José dos Campos, impeça que os servidores por ela abrangidos sejam promovidos ou progredidos na mesma escala, convém assinalar que o ingresso no serviço público não assegura a definitividade do relacionamento funcional. Perseguindo o interesse público, é sempre possível à Administração alterar o regime jurídico de seus funcionários, desde que o faça através de lei de iniciativa do Chefe do Poder Executivo (Oliveira, Regis Fernandes. Servidores Públicos. 2ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2008, p. 35).

Diógenes Gasparini fala da existência de um princípio, o da “mutabilidade do regime jurídico da prestação”, incidente sobre a Administração Pública, que a autoriza a promover mudanças no regime de prestação do serviço público, visando à sua conformação com o interesse da coletividade. E afirma: “em razão disso, os usuários e os servidores não podem opor-se a ditas modificações” (Direito Administrativo. 13ª. ed., São Paulo: Saraiva, 2008, p. 299).

O Constituinte, aliás, manifestou intenção de profissionalizar a Administração (art. 39, § 2º, CF), decorrendo daí o dever do ente político de instituir regime jurídico e planos de carreira para seus servidores (art. 39 da CF, cf. ADI 2.135-4-DF). Assim, a solução legal é razoável e atende à isonomia e ao princípio da moralidade administrativa, pois concede aos servidores mais bem qualificados a ascensão profissional, tratando desigualmente os desiguais.

Na lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, “o princípio da isonomia preceitua que sejam tratadas igualmente as situações iguais e desigualmente as desiguais” (O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, 3ª ed., São Paulo: Malheiros, 1999, p. 35).

No regime da Constituição revogada, “uma vez aberta a porta do serviço público a uma determinada pessoa, ela não mais se fechava, não importando que as atribuições do cargo para o qual se habilitou inicialmente fossem diametralmente diversas daquelas do cargo para onde se transferia (...). Assim, para chegar-se a cargo de nível superior, muitas vezes o interessado submetia-se a concurso destinado a cargos subalternos, para, após o interregno exigido por lei, valer-se de influências políticas que o conduzissem a cargo mais elevado através de transferência, acesso, ascensão ou tantos outros artifícios espúrios” (Oliveira, Antônio Flávio de. Servidor público: remoção, cessão, enquadramento e redistribuição. 2ª. ed., rev. e ampl., Belo Horizonte: Fórum, 2005, p. 23).

Nesse ponto há de se lembrar que a Emenda Constitucional 19/98 instituiu entre nós a possibilidade de se realizar avaliações periódicas do desempenho de servidores, com o que se demonstra que já não é mais desejável que, com o simples decorrer do tempo, o servidor acomodado ou negligente permaneça no serviço público ou ascenda na carreira ou aos cargos de maior hierarquia.

O controle de constitucionalidade concentrado é um processo objetivo, instaurado para a verificação da compatibilidade da norma (abstratamente considerada) com a Constituição. Não se presta à controvérsia resultante de interesses individuais ou coletivos específicos (Palu, Oswaldo Luiz. Controle de Constitucionalidade. 2ª. ed., rev., ampl. e atual. de acordo com as Leis 9.868 e 9882/99. São Paulo: RT, 2001, p. 192), nem permite que o Tribunal substitua o legislador e disponha sobre como o tema deve ser regulado, pretensão, ao que parece, perseguida na presente lide. A propósito, diz o Supremo Tribunal Federal:

“... a ação declaratória de inconstitucionalidade, quando ajuizada em face de um comportamento do Poder Público, não legitima, em face de sua natureza mesma, a adoção de quaisquer providências satisfativas tendentes a caracterizar o atendimento de injunções determinadas pelo Tribunal. Em uma palavra: a ação direta não pode ultrapassar, sob pena de descaracterizar-se como via de tutela abstrata do direito constitucional positivo, os seus próprios fins, que se traduzem na exclusão, do ordenamento estatal, dos atos incompatíveis com o texto da Constituição. O Supremo Tribunal Federal, ao exercer em abstrato a tutela jurisdicional do direito objetivo positivado na Constituição da República, atua, apenas, como legislador negativo” (ADI 732-RJ, Celso de Mello, RTJ 143/57).

Sobre o princípio da razoabilidade, ensina Carlos Roberto de Siqueira:

“A moderna teoria constitucional tende a exigir que as diferenciações normativas sejam razoáveis e racionais. Isto quer dizer que a norma classificatória não deve ser arbitrária, implausível ou caprichosa, devendo, ao revés, operar como meio idôneo, hábil e necessário ao atingimento de finalidades constitucionalmente válidas. Para tanto, há de existir uma indispensável relação de congruência entre a classificação em si e o fim a que ela se destina. Se tal relação de identidade entre meio e fim - ‘means-end relationship’, segundo a nomenclatura norte-americana - da norma classificatória não se fizer presente, de modo que a distinção jurídica resulte leviana e injustificada, padecerá ela do vício da arbitrariedade, consistente na falta de ‘razoabilidade’ e de ‘racionalidade’, vez que nem mesmo ao legislador legítimo, como mandatário da soberania popular, é dado discriminar injustificadamente entre pessoas, bens e interesses na sociedade política. (O Devido processo legal e a razoabilidade das leis na nova constituição do Brasil, Forense, 1989, p. 157).

Os critérios da lei não se afiguram arbitrários, implausíveis ou caprichosos. Não há, a olho desarmado, flagrante incoerências ou evidentes descompassos entre a relação de meio e fim.

Cuida-se, de opções do legislador que, ainda que não sejam as melhores (o que se admite apenas para argumentar), são insubstituíveis, ou seja, intangíveis pelo Poder Judiciário, por decorrer do exercício estrito da competência legislativa. Remarque-se, ainda, que o art. 34 do diploma guerreado afirma que “O servidor que ocupa cargo ou função pública, na data da publicação desta Lei Complementar, poderá optar por Plano de Cargos, Carreira e Vencimentos, do qual ela trata, no prazo máximo de 36 (trinta e seis) meses, contados da entrada em vigor desta Lei Complementar”.

Como já afirmado, o servidor público não possui direito subjetivo à imutabilidade do regime jurídico. O interesse público pode determinar a modificação do regime jurídico – por lei – para a adequação da carreira às novas demandas da Administração.

Aliás, “é comum, na prática, que a modificação que determina o enquadramento do servidor acarrete mudança no padrão de seus vencimentos, não obstante essa alteração não seja essencial no enquadramento, porquanto para que fique caracterizada a sua realização basta apenas que tenha ocorrido a alteração da base jurídica que dá amparo à carreira do servidor” (Oliveira, Antônio Flávio de. Servidor público: remoção, cessão, enquadramento e redistribuição. 2ª. ed., rev. e ampl., Belo Horizonte: Fórum, 2005, p. 42).

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da improcedência da ação direta.

São Paulo, 01 de agosto de 2012.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

vlcb