Parecer
Processo n. 0027899-56.2012.8.26.0000
Requerente: Prefeito do Município de Suzano
Objeto: Lei n. 4.488, de 13 de junho de
2011, do Município de Suzano
Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 4.488/11 do Município de Suzano. Improcedência. Polícia administrativa. Atendimento nos estabelecimentos bancários. Competência municipal sem reserva de iniciativa legislativa. 1. Obrigação imposta em lei municipal, de iniciativa parlamentar, de observância de prazo máximo para atendimento de usuários de agências bancárias e estabelecimentos de crédito, sob pena de sanções administrativas, configura o exercício da polícia administrativa de estabelecimentos destinados ao público, conferido aos Municípios. 2. Reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo que não se presume por ser direito estrito, exigindo explícita previsão normativa sobre o assunto. 3. O Município pode editar legislação própria, com fundamento na autonomia constitucional que lhe é inerente (art. 30, I, CF), com o objetivo de determinar tempo máximo para atendimento dos usuários. 4. Inexistência de violação ao art. 25, da Constituição Estadual, porque não foi imposta obrigação ao poder público, senão ao particular. 5. Inexistência na Constituição Estadual de exigência constitucional de tratamento do assunto por lei complementar, não servindo como parâmetro para controle de constitucionalidade a Lei Orgânica Municipal. 6. Improcedência da ação.
Colendo Órgão Especial:
1.
Trata-se de ação direta de
inconstitucionalidade impugnando a Lei n. 4.488, de 13 de junho de 2011, do
Município de Suzano, de iniciativa parlamentar, que disciplina o tempo máximo
para o atendimento de usuários de agências bancárias e estabelecimentos de
crédito (fls. 02/15). A liminar requerida foi indeferida (fls. 26/27). A douta
Procuradoria-Geral do Estado absteve-se da defesa da lei (fls. 39/40) e a
Câmara Municipal prestou informações defendendo a constitucionalidade da norma
(fls. 42/43).
2.
É o relatório.
3.
Inexistente na Constituição
Estadual exigência de tratamento do assunto por lei complementar, não servindo
como parâmetro para controle de constitucionalidade a Lei Orgânica Municipal.
4.
É improcedente a alegação
de ofensa ao art. 25 da Constituição Estadual. A lei local contestada não cria
obrigação ao poder público para exigir a indicação dos recursos disponíveis
destinados ao atendimento dos novos encargos, senão impõe deveres aos particulares.
5. Aliás, é conveniente assentar que
se trata de verdadeiro sofisma a alegação de que toda e qualquer lei que gere
despesa só possa advir de projeto de autoria do Executivo. O Supremo
Tribunal Federal tem estimado que:
“não procede a alegação de que qualquer projeto de lei que crie despesa só poderá ser proposto pelo Chefe do Executivo. As hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus clausus, no artigo 61 da Constituição do Brasil --- matérias relativas ao funcionamento da Administração Pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo” (RT 866/112).
6. É que diferentemente do
ordenamento constitucional anterior, “não havendo mais a expressa disposição no
texto constitucional de que é iniciativa privativa do Presidente da República
as leis que disponham sobre matéria financeira, tal reserva não mais subsiste,
não sendo cabível interpretação ampliativa na hipótese, conforme entende
inclusive nossa Suprema Corte”, assinala José Maurício Conti ao comentar a
inexistência de reserva de iniciativa para leis que criam ou aumentam despesa
pública (Iniciativa legislativa em matéria financeira, in Orçamentos Públicos e Direito Financeiro, São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011, pp. 283-307, coordenação José Maurício Conti e Fernando Facury
Scaff).
7.
Neste sentido há decisão
deste egrégio Órgão Especial (ADI 0188.878-26-2011-8-26.0000, Rel. Des.
Guilherme G. Strenger, 01-02-2012, v.u.).
8.
Quanto à alegação de
contrariedade ao art. 5º da Constituição Estadual, a ação também é
improcedente.
9.
A disciplina de atividades
comerciais desenvolvidas nas comunas apresenta-se como matéria própria da
competência legislativa municipal, à luz do disposto no art. 30, I, da
Constituição Federal, que confere atribuição aos Municípios para “legislar
sobre assuntos de interesse local”.
10.
Trata a lei local impugnada
de matéria inerente à polícia administrativa incidente sobre o ramo comercial,
e que é conferida aos Municípios. A respeito do assunto, calha invocar
tradicional lição doutrinária estampando que:
“Além dos vários setores específicos que indicamos precedentemente, compete ao Município a polícia administrativa das atividades urbanas em geral, para a ordenação da vida da cidade. Esse policiamento se estende a todas as atividades e estabelecimentos urbanos, desde a sua localização até a instalação e funcionamento, não para o controle do exercício profissional e do rendimento econômico, alheios à alçada municipal, mas para a verificação da segurança e da higiene do recinto, bem como da própria localização do empreendimento (escritório, consultório, banco, casa comercial, indústria, etc.) em relação aos usos permitidos nas normas de zoneamento da cidade (...)
Nessa regulamentação se inclui a fixação de horário do comércio em geral e das diversificações para certas atividades ou estabelecimentos, bem como o modo de apresentação das mercadorias, utilidades e serviços oferecidos ao público. Tal poder é inerente ao Município para a ordenação da vida urbana, nas suas exigências de segurança, higiene, sossego e bem-estar da coletividade” (Hely Lopes Meirelles. Direito Municipal Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 1993, 6ª. ed., pp. 368, 371).
11. Assentou
a jurisprudência que compete ao
Município legislar sobre o tempo de atendimento ao público nas agências
bancárias:
“3. Firmou-se a jurisprudência, tanto no STF (v.g.: AgReg no RExt 427.463, RExt 432.789, AgReg no RExt 367.192-PB), quanto do STJ (v.g.: REsp 747.382; REsp 467.451), no sentido de que é da competência dos Municípios (e, portanto, do Distrito Federal, no âmbito do seu território - CF, art. 32, § 1º) legislar sobre tempo de atendimento em prazo razoável do público usuário de instituições bancárias, já que se trata de assunto de interesse local (CF, art. 30, I). Assim, eventual antinomia ou incompatibilidade entre a lei municipal e a lei federal no trato da matéria determina a prevalência daquela em relação a essa, e não o contrário” (STJ, REsp 598.183-DF, 1ª Seção, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 08-11-2006, v.u., DJ 27-11-2006, p. 236).
“CONSTITUCIONAL.
COMPETÊNCIA. AGÊNCIAS BANCÁRIAS. TEMPO DE ATENDIMENTO AO PÚBLICO. LEI
MUNICIPAL. INTERESSE LOCAL. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. O
Município tem competência para legislar sobre o tempo de atendimento ao público
nas agências bancárias” (STF, AI-AgR 472.373-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Carmen
Lúcia, 13-12-2006, v.u., DJ 09-02-2007, p. 23).
12.
Não bastasse esta digressão,
improcede a alegação de vício de ofensa à reserva de iniciativa legislativa do
Chefe do Poder Executivo.
13. A polícia de estabelecimentos
comerciais no âmbito do Município não é matéria sujeita à iniciativa reservada
do Chefe do Poder Executivo, situando-se na iniciativa comum ou concorrente.
14.
Regra é a iniciativa legislativa
pertencente ao Poder Legislativo; exceção é a atribuição de reserva a certa
categoria de agentes, entidades e órgãos, e que, por isso, não se presume.
Corolário é a devida interpretação restritiva às hipóteses de iniciativa
legislativa reservada, perfilhando tradicional lição salientando que:
“a distribuição das funções entre os órgãos do Estado (poderes), isto é, a determinação das competências, constitui tarefa do Poder Constituinte, através da Constituição. Donde se conclui que as exceções ao princípio da separação, isto é, todas aquelas participações de cada poder, a título secundário, em funções que teórica e normalmente competiriam a outro poder, só serão admissíveis quando a Constituição as estabeleça, e nos termos em que fizer. Não é lícito à lei ordinária, nem ao juiz, nem ao intérprete, criarem novas exceções, novas participações secundárias, violadoras do princípio geral de que a cada categoria de órgãos compete aquelas funções correspondentes à sua natureza específica” (J. H. Meirelles Teixeira. Curso de Direito Constitucional, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, pp. 581, 592-593).
15. Fixadas
estas premissas, as reservas de iniciativa legislativa a autoridades, agentes,
entidades ou órgãos públicos diversos do Poder Legislativo devem sempre ser
interpretadas restritivamente na medida em que, ao transferirem a ignição do
processo legislativo, operam reduções a funções típicas do Parlamento e de seus
membros. Neste sentido, colhe-se da Suprema Corte:
“A iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que – por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo – deve necessariamente derivar de norma constitucional explícita e inequívoca” (STF, ADI-MC 724-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 27-04-2001).
“As hipóteses de limitação da
iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus
clausus, no artigo 61 da Constituição do Brasil --- matérias relativas ao
funcionamento da Administração Pública, notadamente no que se refere a
servidores e órgãos do Poder Executivo” (RT 866/112).
“A disciplina jurídica do
processo de elaboração das leis tem matriz essencialmente constitucional, pois
residem, no texto da Constituição - e nele somente -, os princípios que regem o
procedimento de formação legislativa, inclusive aqueles que concernem ao
exercício do poder de iniciativa das leis. - A teoria geral do processo
legislativo, ao versar a questão da iniciativa vinculada das leis, adverte que
esta somente se legitima - considerada a qualificação eminentemente
constitucional do poder de agir em sede legislativa - se houver, no texto da
própria Constituição, dispositivo que, de modo expresso, a preveja. Em
conseqüência desse modelo constitucional, nenhuma lei, no sistema de direito
positivo vigente no Brasil, dispõe de autoridade suficiente para impor, ao
Chefe do Executivo, o exercício compulsório do poder de iniciativa legislativa”
(STF, MS 22.690-CE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 17-04-1997, v.u.,
DJ 07-12-2006, p. 36).
16. Como desdobramento
particularizado do princípio da separação dos poderes (art. 5º, Constituição
Estadual), a Constituição do Estado de São Paulo prevê no art. 24, § 2º, 2,
iniciativa legislativa reservada do Chefe do Poder Executivo (aplicável na
órbita municipal por obra de seu art. 144). Não se verifica nesse preceito
reserva de iniciativa legislativa instituída de maneira expressa.
17. Tampouco se capta do art. 47 (aplicável na órbita municipal por obra de seu art. 144) competência privativa do Chefe do Poder Executivo. O dispositivo consagra a atribuição de governo do Chefe do Poder Executivo, traçando suas competências próprias de administração e gestão que compõem a denominada reserva de Administração, pois, veiculam matérias de sua alçada exclusiva, imunes à interferência do Poder Legislativo.
18.
Na espécie, a norma local
impõe obrigação a particulares, sujeita à fiscalização do Poder Executivo, sem,
no entanto, conferir-lhe nova obrigação, senão requisitos para funcionamento de
instituições financeiras, o que desautoriza arguição de ofensa aos arts. 5º,
24, § 2º, 2 e 47, II e XIX, a, da
Constituição Estadual.
19.
Colhe-se da jurisprudência da
Suprema Corte que a matéria respeitante à polícia administrativa em geral é da
iniciativa legislativa concorrente:
“Recurso
extraordinário. Ação direta de inconstitucionalidade contra lei municipal,
dispondo sobre matéria tida como tema contemplado no art. 30, VIII, da
Constituição Federal, da competência dos Municípios. 2. Inexiste norma que
confira a Chefe do Poder Executivo municipal a exclusividade de iniciativa
relativamente à matéria objeto do diploma legal impugnado. Matéria de
competência concorrente. Inexistência de invasão da esfera de atribuições do
Executivo municipal. 3. Recurso extraordinário não conhecido” (STF, RE
218.110-SP, 2ª Turma, Rel. Min. Néri da Silveira, 02-04-2002, v.u., DJ
17-05-2002, p. 73).
20. Opino pela improcedência da ação.
São Paulo, 23 de maio de 2012.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
wpmj