Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 0030396-43.2012.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Itapecerica da Serra

Objeto: inconstitucionalidade da Lei n. 2.220, de 20 de outubro de 2011, do Município de Itapecerica da Serra

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 2.220/11, de iniciativa parlamentar, do Município de Itapecerica da Serra. Capacidade postulatória. Disciplina do transporte coletivo urbano. Previsão do transporte coletivo público complementar. Violação da Separação de poderes. Procedência. 1. Legitimado ativo o Chefe do Poder Executivo de Município para promoção de ação direta de inconstitucionalidade, detendo inclusive excepcional capacidade postulatória, é exigível que a petição inicial seja assinada isoladamente por ele ou em conjunto a advogado. 2. Necessidade de regularização, sob pena de indeferimento da petição inicial. 3. A disciplina dos serviços públicos, inclusive os delegados a particulares, é matéria conferida ao Poder Executivo sob o ângulo da separação de poderes consistente na reserva de iniciativa legislativa. 4. Contrariedade aos arts. 5º, 47, XVIII, e 119, da Constituição Estadual.

 

Colendo Órgão Especial:

 

1.                Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade impugnando a Lei n. 2.220, de 20 de outubro de 2011, do Município de Itapecerica da Serra, de iniciativa parlamentar, que altera a Lei n. 1.964, de 29 de dezembro de 2008, para prever a modalidade de transporte coletivo público complementar prestado por pessoas físicas, sob alegação de ofensa ao art. 5º da Constituição Estadual (fls. 02/12).

2.                Concedida liminar (fls. 42/43), foram prestadas informações (fls. 47/49) e a douta Procuradoria-Geral do Estado absteve-se da defesa da lei contestada (fls. 89/91).

3.                É o relatório.

4.                A petição inicial é subscrita apenas por douta procuradora municipal (fl. 12), com mandato outorgado (fls. 13/14).

5.                A legitimidade ativa pertence ao Prefeito do Município (art. 90, II, Constituição Estadual), bem como a capacidade postulatória, como decidido pelo Supremo Tribunal Federal:

“O Governador do Estado de Pernambuco ajuíza ação direta de inconstitucionalidade, na qual alega que a decisão 123/98 do Tribunal de Contas da União, ao exigir autorização prévia e individual do Senado Federal para as operações de crédito entre os Estados e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, teria afrontado as disposições dos artigos 1º e 52, incisos V e VII, da Constituição Federal.

2.      Entende possuir legitimidade para a ação, em face dos reflexos do ato impugnado sobre o Estado.

3.      É a síntese do necessário.

4.      Decido.

5.        Verifico que a ação, embora aparentemente proposta pelo Chefe do Poder Executivo estadual, está apenas assinada pelo Procurador-Geral do Estado. De plano, resulta claro que o signatário da inicial atuou na estrita condição de representante legal do ente federado (CPC, artigo 12, I), e não do Governador, pessoas que não se confundem.

6.      A medida constitucional utilizada revela instituto de natureza excepcional, em que se pede ao Supremo Tribunal Federal que examine a lei ou ato normativo federal ou estadual, em tese, para que se proceda ao controle normativo abstrato do ato impugnado em face da Constituição.

7.      Com efeito, cuida ela de processo objetivo sujeito à disciplina processual própria, traçada pela Carta Federal e pela legislação específica - Lei 9.896/99. Inaplicáveis, assim, as regras instrumentais destinadas aos procedimentos de natureza subjetiva.

8.      O Governador de Estado é detentor de capacidade postulatória intuitu personae para propor ação direta, segundo a definição prevista no artigo 103 da Constituição Federal. A legitimação é, assim, destinada exclusivamente à pessoa do Chefe do Poder Executivo estadual, e não ao Estado enquanto pessoa jurídica de direito público interno, que sequer pode intervir em feitos da espécie (ADI(AgRg)1.797-PE, DJ de 23.2.01; ADI (AgRg) 2.130-SC, Celso de Mello, j. de 3.10.01, Informativo 244; ADI (EMBS.) 1.105-DF, Maurício Corrêa, j. de 23.8.01).

9.     Por essa razão, inclusive, reconhece-se à referida autoridade, independentemente de sua formação, aptidão processual plena ordinariamente destinada apenas aos advogados (ADIMC 127-AL, Celso de Mello, DJ 04.12.92), constituindo-se verdadeira hipótese excepcional de jus postulandi.

10.     No caso concreto, em que pese a invocação do nome do Governador como sendo autor da ação (fl.2), a alegada representação pelo signatário não restou demonstrada. Indiscutível, é que a medida foi efetivamente ajuizada pelo Estado, na pessoa de seu Procurador-Geral, que nesta condição assinou a peça inicial.

11.     Ante essas circunstâncias, com fundamento no artigo 21, § 1º do RISTF, bem como nos artigos 3º, parágrafo único e 4º da Lei 9.868/99, não conheço da ação” (STF, ADI 1814-DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, 13-11-2001, DJ 12-12-2001, p. 40).

6.                Consoante explica a doutrina, “os legitimados para a ação direta referidos nos itens I a VII do art. 103 da CF dispõem de capacidade postulatória plena, podendo atuar no âmbito da ação direta sem o concurso de advogado” (Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes. Controle concentrado de constitucionalidade, São Paulo: Saraiva, 2007, 2ª ed., p. 246).

7.                Logo, considerando a envergadura política dessa legitimidade ativa ad causam, englobante da capacidade postulatória, é razoável assentar que, embora dispensável a representação por causídico, sua existência, todavia, importa a necessidade de, no mínimo, subscrição conjunta da petição inicial e consequente inadmissibilidade da forma isolada, tão somente pelo procurador.

8.                Ademais, há decisão registrando que:

“É de exigir-se, em ação direta de inconstitucionalidade, a apresentação, pelo proponente, de instrumento de procuração ao advogado subscritor da inicial, com poderes específicos para atacar a norma impugnada” (STF, ADI-QO 2187-BA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 24-05-2000, m.v., DJ 12-12-2003, p. 62).

9.                Esse entendimento foi direcionado também para os integrantes da advocacia pública.

10.              Assim sendo, opino, preliminarmente, pela intimação do autor para subscrição da petição inicial, no prazo legal, sob pena de indeferimento, aviando, desde já, nas hipóteses de inércia ou recusa, a extinção sem resolução do mérito, acompanhando os termos de respeitável decisão monocrática da lavra do eminente Desembargador Artur Marques (ADI 990-10-477.578-7).

11.              No mérito, está em pauta examinar se a matéria legislada é ou não inserida na reserva de iniciativa legislativa.

12.              O tema atinente aos serviços públicos, notadamente os delegados mediante concessão ou permissão, é do domínio da lei, como expressa o parágrafo único do art. 175 da Constituição Federal.

13.              No âmbito normativo estadual, a Constituição Paulista, aplicável aos Municípios por força de seu art. 144, enuncia que “os serviços concedidos ou permitidos ficarão sempre sujeitos à regulamentação e fiscalização do Poder Público” (art. 119, primeira parte), bem como que compete ao Chefe do Poder Executivo a iniciativa reservada de projeto de lei sobre o regime de concessão ou permissão de serviços públicos (art. 47, XVIII).

14.              Portanto, é assunto que se insere na reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo e, em seguida, na reserva da Administração no nível regulamentar, como decorrência do princípio da separação de poderes (art. 5º, Constituição Estadual).

15.              Prevalece na Suprema Corte a orientação da reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo em se tratando de serviço público, como estampam as seguintes decisões:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. VÍCIO DE INICIATIVA. COMPETÊNCIA DO PODER EXECUTIVO. PEDIDO DEFERIDO. Lei nº 781, de 2003, do Estado do Amapá que, em seus arts. 4º, 5º e 6º, estabelece obrigações para o Poder Executivo instituir e organizar sistema de avaliação de satisfação dos usuários de serviços públicos. Inconstitucionalidade formal, em virtude de a lei ter-se originado de iniciativa da Assembléia Legislativa. Processo legislativo que deveria ter sido inaugurado por iniciativa do Governador do Estado (CF, art. 61, § 1º, II, e). Ação direta julgada procedente” (STF, ADI 3.180-AP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 17-05-2007, v.u., DJe 15-06-2007).

“MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE: PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 293 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. 1. Disposição da Constituição que concede prazo de até vinte e cinco anos para o pagamento, pelos municípios, da indenização devida pela encampação dos serviços de saneamento básico (água e esgoto) prestados, mediante contrato, e pelos investimentos realizados pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo - SABESP, sociedade de economia mista estadual. 2. Plausibilidade jurídica (fumus boni iuris) da tese sustentada pelo Estado requerente porque a norma impugnada fere o princípio da separação dos poderes (CF, art. 2º), a que está submetido o constituinte estadual (CF, art. 25), restando excluída a participação do Poder Executivo no processo legislativo da lei ordinária. Fere, também, a exigida participação do Poder Executivo no processo legislativo, mediante sanção ou veto, como previsto no art. 66 da Constituição Federal. 3. Periculum in mora caracterizado pela iminente aplicação da norma a Municípios que já editaram lei para assumirem a prestação dos serviços públicos referidos. 4. Medida cautelar deferida com efeito ex-nunc - por estarem presentes a relevância dos fundamentos jurídicos do pedido e a conveniência da sua concessão - até o julgamento final da ação” (STF, ADI-MC 1.746-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, 18-02-1997, v.u., DJ 19-09-2003, p. 14).

16.              Face ao exposto, opino pela procedência da ação por incompatibilidade da Lei n. 2.220, de 20 de outubro de 2011, do Município de Itapecerica da Serra, com os arts. 5º, 47, XVIII, e 119, da Constituição Estadual.

         São Paulo, 29 de maio de 2012.

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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