Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0030740.24.1012.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Rosana

Objeto: Lei n. 1.288, de 13 de dezembro de 2011, do Município de Rosana

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida por Prefeito, da Lei n. 1.288, de 13 de dezembro de 2011, que institui a Comissão de Planejamento Econômico e Sócio-Cultural (CPESC) do Município de Rosana. Matéria reservada ao Chefe do Poder Executivo. Violação do princípio da separação dos poderes. Parecer pela procedência da ação.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Rosana, tendo por objeto a Lei n. 1.288, de 13 de dezembro de 2011, que instituiu a Comissão de Planejamento Econômico e Sócio-Cultural (CPESC). O autor noticia que referida legislação padece de vícios de ordem formal e material, uma vez que conferiu à referida Comissão atribuições que são próprias do Poder Executivo Municipal.

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A lei impugnada instituiu a Comissão de Planejamento Econômico e Sócio-Cultural (CPESC), a qual tem por objetivo analisar e aprovar a viabilidade econômica e sócio-cultural de projetos, obras e serviços com grande repercussão e que tragam impactos notórios ao cotidiano econômico, social e cultural dos habitantes de Rosana.

Ocorre, porém, que referida lei é, de fato, verticalmente incompatível com a Constituição do Estado de São Paulo, especialmente com os seus arts. 5.º, 47, II e XIV, e 144, os quais dispõem o seguinte:

“Art. 5.º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

(...)

Art. 47 – Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição:

(...)

II – exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual;

(...)

XIV – praticar os demais atos de administração, nos limites da competência do Executivo;

(...)

Art. 144 – Os Municípios, com autonomia, política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”

Nos entes políticos da Federação, dividem-se as funções de governo: o Executivo foi incumbido da tarefa de administrar, segundo a legislação vigente, por força do postulado da legalidade, enquanto que o Legislativo ficou responsável pela edição das normas genéricas e abstratas, as quais compõem a base normativa para as atividades de gestão.

Essa repartição de funções decorre da incorporação à Constituição brasileira do princípio da independência e harmonia entre os Poderes (art. 2.º), preconizado por Montesquieu, e que visa a impedir a concentração de poderes num único órgão ou agente, o que a experiência revelou conduzir ao absolutismo.

A tarefa de administrar o Município, a cargo do Executivo, engloba as atividades de planejamento, organização e direção dos serviços públicos, o que abrange, efetivamente, a análise e aprovação da viabilidade econômica e sócio-cultural de projetos, obras e serviços com grande repercussão e que tragam impactos notórios ao cotidiano econômico, social e cultural dos habitantes de Rosana.

Embora elogiável a preocupação do Legislativo, a iniciativa não tem como prosperar na ordem constitucional vigente, uma vez que a norma disciplina atos que são próprios da função executiva. Trata-se, evidentemente, de matéria referente à administração pública, cuja gestão é de competência exclusiva do Prefeito.

Em realidade, a administração da cidade incumbe ao que, modernamente, chama-se de  'Governo',  e  que tem na lei seu mais  relevante  instrumento,    participando   sempre  o   Poder Legislativo   na  função  de   aprovar-desaprovar os atos.  Na hipótese de administração  ordinária,  cabe  ao  Legislativo   o  estabelecimento de normas gerais,  diretrizes globais,  jamais atos pontuais e específicos.

Sobre isso, ensinou Hely Lopes Meirelles:

"A atribuição típica e predominante da Câmara é a normativa, isto é, a de regular a administração do Município e a conduta dos munícipes no que afeta aos interesses locais. A Câmara não administra o Município; estabelece, apenas, normas de administração. Não executa obras e serviços públicos; dispõe, unicamente, sobre sua execução. Não compõe nem dirige o funcionalismo da Prefeitura; edita, tão-somente, preceitos para sua organização e direção. Não arrecada nem aplica as rendas locais; apenas institui ou altera tributos e autoriza sua arrecadação e aplicação. Não governa o Município; mas regula e controla a atuação governamental do Executivo, personalizado no prefeito. Eis aí a distinção marcante entre a missão normativa da Câmara e a função executiva do prefeito; o Legislativo delibera e atua com caráter regulatório genérico e abstrato; o Executivo consubstancia os mandamentos da norma legislativa em atos específicos e concretos de administração  (...) A interferência de um Poder no outro é ilegítima, por atentatória da separação institucional de suas funções. Por idêntica razão constitucional, a Câmara não pode delegar funções ao prefeito, nem receber delegações do Executivo. Suas atribuições são incomunicáveis, estanques, intransferíveis (CF, art. 2). Assim como não cabe à Edilidade praticar atos do Executivo, não cabe a este substituí-la nas atividades que lhe são próprias. Em sua função normal e predominante sobre as demais, a Câmara elabora leis, isto é, normas abstratas, gerais e obrigatórias de conduta. Esta é sua função específica, bem diferenciada da do Executivo, que é a de praticar atos concretos de administração. Já dissemos - e convém se repita - que o Legislativo provê 'in genere', o Executivo 'in specie', a Câmara edita normas gerais, o prefeito as aplica aos casos particulares ocorrentes. Daí não ser permitido à Câmara intervir direta e concretamente  nas atividades reservadas ao Executivo, que pedem provisões administrativas especiais manifestadas em ordens, proibições, concessões, permissões, nomeações, pagamentos, recebimentos, entendimentos verbais ou escritos com os interessados, contratos, realizações materiais da Administração e tudo o mais que se traduzir em  atos ou medidas  de execução  governamental  (...)  Leis de iniciativa da Câmara ou, mais propriamente, de seus vereadores são todas as que a lei orgânica municipal não reserva, expressa privativamente, à iniciativa do prefeito. As leis orgânicas municipais devem reproduzir, dentre as matérias previstas nos arts. 61, § I, c/c 165 da CF, as que se inserem no âmbito da competência municipal. São, pois, de iniciativa exclusiva do prefeito, como chefe do Executivo local, os projetos de leis que disponham sobre a criação, estruturação e atribuição das secretarias, órgãos e entes da Administração Pública Municipal; matéria de organização administrativa e planejamento de execução de obras e serviços públicos; criação de cargos, funções ou empregos públicos na Administração direta, autárquica e fundacional do Município; o regime  jurídico e previdenciário dos servidores municipais, fixação e aumento de sua remuneração; o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias, o orçamento anual e os créditos suplementares e especiais.  Os demais projetos competem concorrentemente ao prefeito e à Câmara, na forma regimental” ( Direito Municipal Brasileiro, 16ª ed., São Paulo: 2008, p. 748, Malheiros).

Percebe-se, assim, que a lei em questão tem irregularidade constitucional.  Diante do exposto, opino pela procedência do pedido para o fim de se declarar inconstitucional a Lei n. 1.288, de 13 de dezembro de 2011,  que institui a Comissão de Planejamento Econômico e Sócio-Cultural (CPESC) do Município de Rosana.

São Paulo, 8 de agosto de 2012.

                                    

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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