Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 0041583-48.2012.8.26.0000

Requerente: Federação dos Funcionários Públicos Municipais do Estado de São Paulo - FUPESP

Requeridos: Prefeito e Presidente da Câmara Municipal de Itapecerica da Serra

 

 

 

 

 

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Servidor público municipal. Licença para desempenho de mandato classista. Ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Improcedência.

 1. Inexistência do dever de legislar porque a norma parâmetro (art. 125, § 1º, CE) é aplicável tão somente aos servidores públicos estaduais.

2. Não cabe provimento mandamental em controle omissivo em situações em que não é evidente, claro ou preciso o dever de legislar.

3. Não configuração da quebra do dever de legislar. A Constituição Federal, no art. 8º, inc. VIII, assegura a associação profissional ou sindical e veda a dispensa do empregado sindicalizado, mas não estabelece direito ao afastamento remunerado.

 

 

 

 

 

Colendo Órgão Especial

 

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade por omissão promovida pela Federação dos Funcionários Públicos Municipais do Estado de São Paulo – FUPESP que sustenta a omissão inconstitucional do legislador de Itapecerica da Serra, por haver deixado de prever a licença remunerada do servidor público eleito para mandato classista, violando o artigo 125, § 1º, da Constituição Estadual, que assegura aos servidores públicos estaduais o direito de se afastar de suas funções durante o tempo de mandato (fls. 02/12).

A Câmara Municipal prestou informações a fls. 97/99; a douta Procuradoria-Geral do Estado manifestou-se a fls. 93/95.

É o relatório.

A ação é improcedente.

Com efeito, só cabe falar em omissão capaz de ensejar a propositura de ação direta de inconstitucionalidade se houver claro e inequívoco dever de legislar. Não cabe provimento mandamental em controle omissivo em situações em que não é evidente, claro ou preciso o dever de legislar.

A omissão legislativa somente pode significar que o legislador não faz algo que positivamente lhe era imposto pela Constituição. Não se trata, apenas, de um não fazer, mas de não fazer aquilo a que, de forma concreta e explícita, estava ele constitucionalmente obrigado (José Joaquim Gomes Canotilho, Constituição dirigente, p. 331). 

A omissão tem conexão com uma exigência de ação advinda da Constituição; caso contrário, não haverá omissão. Em outras palavras, há o dever de legislar violado quando: a) do legislador não emana o ato legislativo obrigado; b) a lei editada favorece um grupo, olvidando-se de outros. É dizer: quando não concretiza, ou não o faz completamente, uma imposição constitucional.

A propósito, já proclamou o Supremo Tribunal Federal:

“É de registrar, neste ponto, que, em tema de inconstitucionalidade por omissão parcial da lei, emerge a grave questão da exclusão de benefício, com ofensa ao princípio da isonomia. A reflexão doutrinária em torno dessa questão tem ensejado diversas aborda­gens teóricas do tema, com o objetivo de propiciar, a partir do desprezo estatal dispensado pelo Poder Legislativo ao postulado da isonomia, a formulação de soluções que dispensem à matéria um adequado tratamento jurídico (J.J. Gomes Canotilho, "Direito Constitucional", págs. 736/737 c 831, 4a ed., 1987, Alme­dina, Coimbra; Jorge Miranda, "Manual de Direito Constitucional", tomo II/407, 2a ed., 198R, Coimbra Editora, Limitada; Gilmar Ferreira Mendes, "Controle de Constitucionalidade - Aspectos jurídicos e políticos", págs. 69/70, 1990, Saraiva). A discussão das possíveis soluções jurídicas estimuladas pela questão da exclusão de benefício, em ofensa ao princípio da isonomia, permite vislumbrar três mecanismos destinados a viabilizá-las:

(a) extensão dos benefícios ou vantagens às categorias ou grupos inconstitucionalmente deles excluídos;

(b) supressão dos benefícios ou vantagens que foram indevidamente concedidos a terceiros; e

(c) reconhecimento da existência de uma situação ainda constitucional (situação constitucional imperfeita), ensejando-se ao Poder Público, em tempo razoável, a edição de lei restabelecedora do dever de integral obediência ao princípio da igual­dade, sob pena de progressiva inconstitucionalização do ato estatal que, embora existente, revela-se insuficiente e incompleto." (RMS 21.662-3-DF, Rel. Ministro Celso de Mello) (Oswaldo Luiz Palu, Controle de Constitucionalidade – Conceitos, Sistemas e Efeitos, 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais).

O Pretório Excelso também já se consolidou quanto à possibilidade de ação direta de inconstitucionalidade por omissão, como se vê da decisão a seguir:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO. INATIVIDADE DO LEGISLADOR QUANTO AO DEVER DE ELABORAR A LEI COMPLEMENTAR A QUE SE REFERE O § 4O DO ART. 18 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, NA REDAÇÃO DADA PELA EMENDA CONSTITUCIONAL NO 15/1996. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. 1. A Emenda Constitucional n° 15, que alterou a redação do § 4º do art. 18 da Constituição, foi publicada no dia 13 de setembro de 1996. Passados mais de 10 (dez) anos, não foi editada a lei complementar federal definidora do período dentro do qual poderão tramitar os procedimentos tendentes à criação, incorporação, desmembramento e fusão de municípios. Existência de notório lapso temporal a demonstrar a inatividade do legislador em relação ao cumprimento de inequívoco dever constitucional de legislar, decorrente do comando do art. 18, § 4o, da Constituição. 2. Apesar de existirem no Congresso Nacional diversos projetos de lei apresentados visando à regulamentação do art. 18, § 4º, da Constituição, é possível constatar a omissão inconstitucional quanto à efetiva deliberação e aprovação da lei complementar em referência. As peculiaridades da atividade parlamentar que afetam, inexoravelmente, o processo legislativo, não justificam uma conduta manifestamente negligente ou desidiosa das Casas Legislativas, conduta esta que pode pôr em risco a própria ordem constitucional. A inertia deliberandi das Casas Legislativas pode ser objeto da ação direta de inconstitucionalidade por omissão. 3. A omissão legislativa em relação à regulamentação do art. 18, § 4º, da Constituição, acabou dando ensejo à conformação e à consolidação de estados de inconstitucionalidade que não podem ser ignorados pelo legislador na elaboração da lei complementar federal. 4. Ação julgada procedente para declarar o estado de mora em que se encontra o Congresso Nacional, a fim de que, em prazo razoável de 18 (dezoito) meses, adote ele todas as providências legislativas necessárias ao cumprimento do dever constitucional imposto pelo art. 18, § 4º, da Constituição, devendo ser contempladas as situações imperfeitas decorrentes do estado de inconstitucionalidade gerado pela omissão. Não se trata de impor um prazo para a atuação legislativa do Congresso Nacional, mas apenas da fixação de um parâmetro temporal razoável, tendo em vista o prazo de 24 meses determinado pelo Tribunal nas ADI n°s 2.240, 3.316, 3.489 e 3.689 para que as leis estaduais que criam municípios ou alteram seus limites territoriais continuem vigendo, até que a lei complementar federal seja promulgada contemplando as realidades desses municípios” (ADI 3682/MT, DJe-096  DIVULG 05-09-2007  PUBLIC 06-09-2007).

No mesmo sentido esse Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade de Lei 994.08.0074829:

“ILEGITIMIDADE AD CAUSAM - Ação direta de inconstitucionalidade por omissão - Assembléia Legislativa - Ajuizamento que visa a sanar a ausência de norma específica para a reserva de vagas para deficientes físicos no âmbito do Tribunal de Contas do Estado - Iniciativa de projeto de lei que é privativamente atribuída à Corte de Contas - Legiferação é ato complexo, a responsabilizar, também, o órgão legislativo. Legitimidade reconhecida - Preliminar afastada. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - Ação direta de inconstitucionalidade por omissão - E desnecessária a previsão de prazo para o reconhecimento da mora legislativa, bastando que se tenha constatado o decurso de tempo razoável - Preliminar afastada. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO - Inexistência de lei que disciplina a reserva de vagas para portadores de deficiência física no âmbito do Tribunal de Contas do Estado - Art. 37, inc. VIII, da CF e art. 115, inc. IX, da CE - Mandamento constitucional cujo atendimento não se submete à discricionariedade da Administração - Regra que há de ser sopesada com os princípios da isonomia, da necessidade de concurso público e da proporcionalidade - Necessidade de regramento específico, em razão da autonomia administrativa e financeira de que goza a Corte de Contas - Fixação de prazo de 12 (doze) meses e estabelecimento da aplicabilidade da LCE n. 683/92, enquanto perdurar a mora legislativa - Omissão reconhecida - Ação procedente”.  

Todavia, no caso em tela não restou configurada a quebra do dever de legislar. A Constituição Federal, no art. 8º, inc. VIII, assegura a associação profissional ou sindical e veda a dispensa do empregado sindicalizado, mas não estabelece direito ao afastamento remunerado:

“É vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei”.

No art. 38, a Constituição Federal garante o afastamento para exercício de mandato eletivo. A Constituição Estadual estabelece, em relação aos seus servidores, o direito que se pretende ver reconhecido na inicial, qual seja, o afastamento remunerado para o mandato classista.

A regra, todavia, não é extensiva aos servidores municipais, como explica Wellington Pacheco Barros:

“O afastamento do empregado público para desempenho de mandato classista tem previsão expressa na CLT. Como para o servidor público esta licença não se inclui no rol dos direitos constitucionais, deve ter previsão expressa no estatuto do servidor público municipal. Como a administração se rege pelo princípio da legalidade, não havendo lei regulamentando sua concessão, não pode a administração pública concedê-la, sob pena de responsabilização do Prefeito Municipal ou do Presidente da Câmara, dependendo a que poder municipal o servidor esteja vinculado, por improbidade administrativa, crime de responsabilidade ou por infração político-administrativa” (O município e seus agentes, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 137).

Diante de todo o exposto, nosso parecer é pela improcedência da presente ação direta de  inconstitucionalidade por omissão.

 

São Paulo, 08 de agosto de 2012.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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