Ação Direta de Inconstitucionalidade

Autos nº. 0046405-80.2012.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Taubaté

Objeto: inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 4.603, de 9 de fevereiro de 2012, de Taubaté.

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal nº 4.603, de 9 de fevereiro de 2012, de Taubaté, fruto de iniciativa parlamentar, que “autoriza o Poder Executivo a destinar 10% da receita do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN sobre serviços que especifica ao Fundo Municipal de Turismo de Taubaté.”

2)      Lei municipal. Iniciativa parlamentar. Autorização para aplicação do percentual arrecadado, a título de Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) no Fundo Municipal de Turismo de Taubaté. Caracterização da vinculação de receita de imposto. Vedação constitucional (art. 176, IV da Constituição Paulista). Inconstitucionalidade reconhecida.

 

Colendo Órgão Especial

Senhor Desembargador Relator

 

Tratam estes autos de ação direta de inconstitucionalidade, tendo como alvo a Lei Municipal nº 4.603, de 9 de fevereiro de 2012, de Taubaté, fruto de iniciativa parlamentar, que “autoriza o Poder Executivo a destinar 10% da receita do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN sobre serviços que especifica ao Fundo Municipal de Turismo de Taubaté.”

Sustenta o requerente que a lei é inconstitucional por permitir a vinculação de receita decorrente de imposto, contrariando o art. 176, IV da Constituição Paulista.

Foi deferida a liminar, suspendendo-se a eficácia do ato normativo (fls. 44/45).

A Presidência da Câmara Municipal prestou informações (fls. 51/56), afirmando que não há reserva de iniciativa do Poder Executivo na matéria tratada na lei impugnada na presente ação direta.

Citado, o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de oferecer defesa relativamente ao ato normativo (fls. 62, 64/67).

É o relato do essencial.

A ação deve ser julgada procedente.

A Lei Municipal nº 4.603, de 9 de fevereiro de 2012, de Taubaté, fruto de iniciativa parlamentar, que “autoriza o Poder Executivo a destinar 10% da receita do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN sobre serviços que especifica ao Fundo Municipal de Turismo de Taubaté”, tem a seguinte redação:

“(...)

Art.1º. Fica o Poder Executivo Municipal autorizado a destinar 10% da receita do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN, especificados nos itens 9 e 12 do art. 2º da Lei Complementar nº 108, de 28 de outubro de 2003, ao Fundo Municipal de Turismo de Taubaté -  FUMTUR.

Art. 2º. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

(...)”

O princípio da não afetação da receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, indica a impossibilidade de vinculação dessa espécie tributária (Kiyoshi Harada. Direito Financeiro e Tributário, São Paulo: Atlas, 1998, 4ª ed., p. 74) e significa que “não pode haver mutilação das verbas públicas. O Estado deve ter disponibilidade da massa de dinheiro arrecadado, destinando-o a quem quiser, dentro dos parâmetros que ele próprio elege como objetivos preferenciais” (Régis Fernandes de Oliveira. Curso de Direito Financeiro, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 328).

O princípio da não afetação se justifica “na medida em que reserva ao orçamento e à própria Administração, em sua atividade discricionária na execução da despesa pública, espaço para determinar os gastos com os investimentos e as políticas sociais” (Ricardo Lobo Torres. Tratado de Direito Constitucional, Financeiro e Tributário, Rio de Janeiro: Renovar, 2000, 2ª ed., vol. V, p. 275) e “em virtude da generalidade e da impessoalidade que haverão de presidir a elaboração e a execução do orçamento, em obséquio, inclusive, ao postulado de igualdade, que não poderia tolerar privilégios na destinação dos recursos públicos, que pertencem a toda a coletividade e não a um grupo de suseranos” (Eduardo Marcial Ferreira Jardim. Manual de Direito Financeiro e Tributário, São Paulo: Saraiva, 1994, 2ª ed., p. 25).

No domínio da atividade financeira a Administração Pública tem a prerrogativa de estabelecimento de metas e prioridades, visto que os recursos oriundos dos impostos se destinam, em regra, ao atendimento das necessidades gerais, porque “o propósito do princípio é evitar a edição de leis que, vinculando receita proveniente de impostos, prejudiquem o custeio de despesas genéricas pelo orçamento” (Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior. Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Saraiva, 1999, 3ª ed., p. 348), assegurando “que os recursos sejam livres e à disposição para a realização de obras e serviços, em conformidade com as necessidades existentes e em obediência à escala de prioridades estabelecida a partir de análise rigorosa da situação existente” (José Afonso da Silva. Comentário contextual à Constituição, São Paulo: Malheiros, 2006, 2ª ed., p. 697).

Contudo, o inciso IV do art. 176 da Constituição Paulista oferece exceções, remetendo a análise diretamente às hipóteses indicadas expressamente no art. 167, IV, da Constituição Federal. Além disso, por força de interpretação sistemática, incluem-se em suas ressalvas as situações mencionadas em outros dispositivos da Constituição Federal (v.g.: arts. 100, § 15, 165, § 8º, 167, § 4º, 204, parágrafo único, art. 216, § 6º, Constituição Federal).

Seja como for, as exceções configuram direito estrito, merecendo interpretação restritiva e refutando ampliações de seu alcance e de seu sentido.

Chega-se, portanto, à conclusão de que em se tratando de receita resultante de imposto (ISSQN, no caso em exame) só pode ser objeto de prévia afetação ou vinculação nos estritos limites fixados no texto constitucional.

Nesse particular, o Col. Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, em precedente ação direta movida pela Procuradoria-Geral de Justiça, já reconheceu a inconstitucionalidade de norma vinculativa de receita em situação aplicável ao caso em exame, mutatis mutandis.

Nesse sentido a ADI nº 0427921-20.2010.8.26.0000, Rel. Des. Renato Nalini, j. 03 de fevereiro de 2011, com a seguinte ementa:

“(...)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. INCENTIVOS FISCAIS PARA EMPRESAS QUE SE ESTABELECEREM NO MUNICÍPIO. DEVOLUÇÃO DE PARCELA DO ICMS REPASSADO À ENTIDADE FEDERATIVA LOCAL. AFETAÇÃO DA RECEITA DE IMPOSTOS A DESPESA PÚBLICA. VULNERAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 176, INCISO IV, DA CONSTITUIÇÃO DE SÃO PAULO. AÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE PROCEDENTE.

A vinculação de parcela de ICMS repassado pelo Estado ao Município gera situação incompatível com o princípio da isonomia e transfere para o ambiente municipal a nefasta consequência do fenômeno conhecido como guerra fiscal já existente no Brasil entre vários dos Estados da Federação.

(...)”

Igualmente restritivo, nessa matéria, é o posicionamento do Col. STF. Confira-se:

“(...)

Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 13.133/2001, do Estado do Paraná, que instituiu o Programa de Incentivo à Cultura, vinculando parte da receita do ICMS ao Fundo Estadual de Cultura. Violação ao art. 167, IV, da CF. Precedentes. Ação direta julgada procedente. (ADI 2.529, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 14-6-2007, Plenário, DJ de 6-9-2007.)

(...)

É inconstitucional a lei complementar distrital que cria programa de incentivo às atividades esportivas mediante concessão de benefício fiscal às pessoas jurídicas, contribuintes do IPVA, que patrocinem, façam doações e investimentos em favor de atletas ou pessoas jurídicas. O ato normativo atacado faculta a vinculação de receita de impostos, vedada pelo art. 167, IV, da CB/1988. Irrelevante se a destinação ocorre antes ou depois da entrada da receita nos cofres públicos. (ADI 1.750, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 20-9-2006, Plenário, DJ de 13-10-2006.)

(...)”

É manifesta, portanto, a inconstitucionalidade da lei municipal impugnada na hipótese em exame.

Diante do exposto, aguarda-se a procedência da presente ação, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 4.603, de 9 de fevereiro de 2012, de Taubaté.

São Paulo, 07 de maio de 2012.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

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