Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0049652-69.2012.8.26.0000

Requerente: Prefeito de Águas de São Pedro

Objeto: Lei Municipal n. 1.608, de 28 de outubro de 2011, de Águas de São Pedro.

 

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal n. 1.608, de 28 de outubro de 2011, de São Pedro. A lei impugnada, embora seja de iniciativa parlamentar, determina que as servidoras municipais da Estância de Águas de São Pedro têm direito à licença maternidade de 180 dias, mediante inspeção médica, com vencimentos ou remuneração integrais. Matérias reservadas ao Chefe do Poder Executivo, eis que estabelece ações concretas à Administração. Criação de despesa, sem indicação da fonte da receita.  Alegada ofensa aos arts. 2º, 5º,  24, §2º, item 4, 25, 47, II e XI, 74, VI e 90, II e 144, da Constituição do Estado. Violação do princípio da separação dos poderes. Ofensa aos artigos 5º; 47, II e XIV; 144 e 176, I, da CE. Parecer pela procedência da ação.

 

 

 

 

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Águas de São Pedro, tendo por objeto a Lei Municipal n. 1.608, de 28 de outubro de 2011, que autoriza a ampliação da licença maternidade às servidoras públicas.

O autor noticia que o projeto que a antecedeu iniciou-se na Câmara Municipal. De outro lado, sustenta que cabe exclusivamente ao Prefeito a iniciativa de leis que criem atribuições para os órgãos da administração pública, divisando ofensa ao princípio da separação dos poderes, previsto no art. 5º da Constituição do Estado.

A Lei não teve a vigência e a eficácia suspensas, uma vez que o autor não postulou a concessão de medida liminar (fls. 110/111)). A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 119/120).

A Câmara Municipal manifestou-se a fls. 122/124.

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A lei impugnada, embora seja de iniciativa parlamentar, determina que as servidoras municipais da Estância de Águas de São Pedro têm direito à licença maternidade de 180 dias, mediante inspeção médica, com vencimentos ou remuneração integrais. Registre-se que a disciplina do regime jurídico dos servidores públicos é matéria que a Constituição reservou à iniciativa do Executivo, não podendo o Legislativo tomar a iniciativa a respeito.

Nem se alegue que, tratando-se de lei autorizativa o vício estaria superado. Deve-se atentar para o fato de que o Executivo não necessita de autorização para administrar e, no caso em análise, não a solicitou. 

Sérgio Resende de Barros, analisando a natureza das intrigantes leis autorizativas, especialmente quando votadas contra a vontade de quem poderia solicitar a autorização, ensina:

"...insistente na pratica legislativa brasileira, a ‘lei’ autorizativa constitui  um expediente, usado por parlamentares, para granjear o crédito político pela realização de obras ou serviços em campos materiais nos quais não têm iniciativa das leis, em geral matérias administrativas. Mediante esse tipo de ‘leis’, passam eles, de autores do projeto de lei, a co-autores da obra ou serviço autorizado. Os constituintes consideraram tais obras e serviços como estranhos aos legisladores e, por isso, os subtraíram da iniciativa parlamentar das leis. Para compensar essa perda, realmente exagerada, surgiu ‘lei’ autorizativa,  praticada cada vez mais exageradamente autorizativa  é a ‘lei’ que - por não poder determinar - limita-se a autorizar o Poder Executivo a executar atos  que já lhe estão autorizados pela Constituição, pois estão dentro da competência constitucional desse Poder. O texto da ‘lei’ começa por uma expressão que se tornou padrão: ‘Fica o Poder Executivo autorizado a...’ O objeto da autorização -  por já ser de competência constitucional do Executivo - não poderia ser ‘determinado’, mas é apenas ‘autorizado’ pelo Legislativo, tais ‘leis’, óbvio, são sempre de iniciativa parlamentar, pois jamais teria cabimento o Executivo se autorizar a si próprio, muito menos onde já o autoriza a própria Constituição. Elas constituem um vício patente" (Leis Autorizativas. Revista da Instituição Toledo de Ensino, agosto a novembro de 2000, Bauru, p. 262).

Bem por isso, não passou despercebido ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que "a lei que autoriza o Executivo a agir em matérias de sua iniciativa privada implica, em verdade, uma determinação, sendo portanto inconstitucional" (ADIN n°593099377 – rel. Des. Mana Berenice Dias – j. 7/8/00). Esse E. Sodalício também vem afirmando a inconstitucionalidade das leis autorizativas, forte no entendimento de que as tais “autorizações” são eufemismo de “determinações”, e, por isso, usurpam a competência material do Poder Executivo:

“LEIS AUTORIZATIVAS – INCONSTITUCIONALIDADE - Se uma lei fixa o que é próprio da Constituição fixar, pretendendo determinar ou autorizar um Poder constituído no âmbito de sua competência constitucional, essa lei é inconstitucional — não só inócua ou rebarbativa — porque estatui o que só o Constituinte pode estatuir. O poder de autorizar implica o de não autorizar, sendo, ambos, frente e verso da mesma competência - As leis autorizativas são inconstitucionais por vício formal de iniciativa, por usurparem a competência material do Poder Executivo e por ferirem o princípio constitucional da separação de poderes.

VÍCIO DE INICIATIVA QUE NÃO MAIS PODE SER CONSIDERADO SANADO PELA SANÇÃO DO PREFEITO - Cancelamento da Súmula 5, do Colendo Supremo Tribunal Federal.

LEI MUNICIPAL QUE, DEMAIS IMPÕE INDEVIDO AUMENTO DE DESPESA PÚBLICA SEM A INDICAÇÃO DOS RECURSOS DISPONÍVEIS, PRÓPRIOS PARA ATENDER AOS NOVOS ENCARGOS (CE, ART 25). COMPROMETENDO A ATUAÇÃO DO EXECUTIVO NA EXECUÇÃO DO ORÇAMENTO - ARTIGO 176, INCISO I, DA REFERIDA CONSTITUIÇÃO, QUE VEDA O INÍCIO DE PROGRAMAS. PROJETOS E ATIVIDADES NÃO INCLUÍDOS NA LEI ORÇAMENTÁRIA ANUAL” (ADIN 142.519-0/5-00, rel. Des. Mohamed Amaro, 15.8.2007).

Não bastasse o acima exposto, em casos análogos esse E. Tribunal de Justiça tem reconhecido a inconstitucionalidade de normas que criam despesas para o Poder Público, sem a indicação das respectivas fontes de receita, em violação ao disposto no art. 25 da Constituição Bandeirante. Confiram-se, a título de exemplificação, recentes julgados adiante indicados: ADI 134.844-0/4-00, rel. des. Jarbas Mazzoni, j. 19.09.2007, v.u.; ADI 135.527-0/5-00, rel. des. Carlos Stroppa, j. 03.10.2007, v.u.; ADI 135.498-0/1-00, rel. des. Carlos Stroppa, j. 03.10.2007, v.u.

Diante do exposto, opino pela procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 1.608, de 28 de outubro de 2011, da Estância de Águas de São Pedro.

 

São Paulo, 17 de maio de 2012.

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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