Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº 0053792-49.2012.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Joanópolis

Objeto: impugnação do §2º do art. 30, da Lei n. 1.664, de 12 de março de 2012, do Município de Joanópolis, cuja redação foi determinada por emenda parlamentar

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Impugnação do § 2º do art. 30, da Lei n. 1.664, de 12 de março de 2012, do Município de Joanópolis, cuja redação foi determinada por Emenda parlamentar. Dispositivo que trata do regime jurídico de servidores municipais.

2)      Irregularidade na representação processual. O chefe do Executivo, detentor de legitimidade ativa “ad causam” e de capacidade postulatória para o ajuizamento de ação direta, não subscreveu a petição inicial nem outorgou o instrumento procuratório.

3)      Regime jurídico do funcionalismo municipal. Matéria incluída na iniciativa exclusiva do Chefe do Executivo (art. 24, § 2º, n. 4 da Constituição do Estado, aplicável por força do art. 144 da mesma Carta).

4)      Parecer pela procedência da ação.

Colendo Órgão Especial

Senhor Desembargador Relator

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Senhor Prefeito Municipal de Joanópolis, tendo como alvo o § 2º do art. 30, da Lei n. 1.664, de 12 de março de 2012, do Município de Joanópolis, cuja redação foi determinada por Emenda parlamentar. A mudança perpetrada refere-se ao regime jurídico de servidores municipais, cujos cargos são providos em comissão.

Sustenta o autor que a norma atacada padece de inconstitucionalidade por vício de iniciativa, por se tratar de matéria de competência privativa do Chefe do Poder Executivo.    

Aponta o autor como violados, igualmente, os arts. 2º, 37, V e 41 da Constituição Federal.

Foi concedida a liminar, determinando-se a suspensão do ato normativo impugnado (fls. 68).

Contra referida decisão, o Presidente da Câmara Municipal interpôs agravo regimental, cujo provimento foi negado (fls. 160/162).

O Município de Joanópolis requereu a desistência da ação (fls. 165).

Entretanto, seu pleito foi indeferido com fundamento no art. 5º, da Lei n. 9868/99.     

O Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de oferecer defesa relativamente ao ato normativo (fls. 179/180).

É o relato do essencial

A petição inicial é subscrita apenas pelo douto Procurador Municipal (fl. 16).

A legitimidade ativa pertence ao Prefeito do Município (art. 90, II, Constituição Estadual), bem como a capacidade postulatória, como decidido pelo Supremo Tribunal Federal:

“O Governador de Estado é detentor de capacidade postulatória intuitu personae para propor ação direta, segundo a definição prevista no artigo 103 da Constituição Federal. A legitimação é, assim, destinada exclusivamente à pessoa do Chefe do Poder Executivo estadual, e não ao Estado enquanto pessoa jurídica de direito público interno, que sequer pode intervir em feitos da espécie” (ADI(AgRg)1.797-PE, DJ de 23.2.01; ADI (AgRg) 2.130-SC, Celso de Mello, j. de 3.10.01, Informativo 244; ADI (EMBS.) 1.105-DF, Maurício Corrêa, j. de 23.8.01; ADI 1814-DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, 13-11-2001, DJ 12-12-2001).

Consoante explica a doutrina, “os legitimados para a ação direta referidos nos itens I a VII do art. 103 da CF dispõem de capacidade postulatória plena, podendo atuar no âmbito da ação direta sem o concurso de advogado” (Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes. Controle concentrado de constitucionalidade, São Paulo: Saraiva, 2007, 2ª ed., p. 246).

Logo, considerando a envergadura política dessa legitimidade ativa ad causam, englobante da capacidade postulatória, é razoável assentar que, embora dispensável a representação por causídico, sua existência, todavia, importa a necessidade de poderes especiais, ou, no mínimo, subscrição conjunta da petição inicial.

Ademais, há decisão registrando que:

“É de exigir-se, em ação direta de inconstitucionalidade, a apresentação, pelo proponente, de instrumento de procuração ao advogado subscritor da inicial, com poderes específicos para atacar a norma impugnada” (STF, ADI-QO 2187-BA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 24-05-2000, m.v., DJ 12-12-2003, p. 62).

Este Colendo Órgão Especial em decisão recente sufragou este entendimento, conforme se verifica pela seguinte ementa:

“Ação direta objetivando a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei Complementar Municipal n. 2.220, de 20 de outubro de 2011. O chefe do Executivo, detentor de legitimidade ativa ‘ad causam’ e de capacidade postulatória para o ajuizamento de ação direta, não subscreveu a petição inicial nem outorgou o instrumento procuratório. Irregularidade da representação. Ocorrência. Precedentes deste Colendo Órgão Especial. Julga-se extinta a ADIN sem resolução do mérito com fundamento no artigo 267, IV do Código de Processo Civil, ficando revogada a liminar concedida anteriormente” (ADIN nº 0030396-43.2012.8.26.000, Rel. Des. Guerrieri Resende, j. 17 de outubro de 2012)

Esse entendimento foi direcionado também para os integrantes da advocacia pública.

No caso dos autos, não há procuração da Prefeita Municipal, mas tão só do ente que representa: o Município.

Assim sendo, requeiro seja o autor intimado para regularização de sua representação processual ou subscrição da petição inicial, no prazo legal, sob pena de indeferimento, aviando, desde já, nas hipóteses de inércia ou recusa, a extinção sem resolução do mérito.

O § 2º do art. 30, da Lei n. 1.664, de 12 de março de 2012, do Município de Joanópolis, que “dispõe sobre a Reestruturação Administrativa de Pessoal da Prefeitura da Estância Turística de Joanópolis, institui nova Tabela Salarial e dá outras providências”, têm a seguinte redação:

“Art. 30 - (...)

§ 2º - As funções de confiança somente poderão ser ocupadas por servidores que tenham 3 (três) anos de efetivo exercício permanente na Prefeitura”.

Não há como negar que a matéria veiculada na lei diz respeito ao regime jurídico do funcionalismo municipal, por se tratar de requisito para provimento de cargo de provimento em comissão.

Essa observação é suficiente para demonstrar que a iniciativa dessa matéria é privativa do Chefe do Executivo Municipal.

Não se trata de saber, venia concessa, se a opção do legislador local foi adequada ou não, se a diretriz contida na norma já decorre de outros preceitos normativos ou não, e assim por diante.

Cuida-se, simplesmente, de observar que, para alterar a disciplina normativa dos servidores municipais, é necessário que o próprio Prefeito provoque a instauração do processo legislativo.

É manifesta, nesse caso, a não observância da reserva de iniciativa do Chefe do Executivo local para a edição da norma modificando o regime jurídico do funcionalismo municipal, nos termos do art. 24, § 2º, n. 4 da Constituição do Estado, aplicável aos Municípios por força do art. 144 da mesma Carta.

O Col. STF, interpretando e aplicando dispositivo análogo constante na Constituição da República, o art. 61, § 1º, II, “c”, do qual o                                                                                             preceito antes indicado da Constituição do Estado é mera reprodução, reiteradamente tem declarado a inconstitucionalidade de leis que tratam de regime jurídico do funcionalismo desrespeitando a reserva de iniciativa.

Confira-se:

“(...)

Dentre as regras básicas do processo legislativo federal, de observância compulsória pelos Estados, por sua implicação com o princípio fundamental da separação e independência dos Poderes, encontram-se as previstas nas alíneas a e c do art. 61, § 1º, II, da CF, que determinam a iniciativa reservada do chefe do Poder Executivo na elaboração de leis que disponham sobre o regime jurídico e o provimento de cargos dos servidores públicos civis e militares. Precedentes: ADI 774, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 26-2-1999, ADI 2.115, rel. Min. Ilmar Galvão e ADI 700, rel. Min. Maurício Corrêa. Esta Corte fixou o entendimento de que a norma prevista em Constituição Estadual vedando a estipulação de limite de idade para o ingresso no serviço público traz em si requisito referente ao provimento de cargos e ao regime jurídico de servidor público, matéria cuja regulamentação reclama a edição de legislação ordinária, de iniciativa do chefe do Poder Executivo. Precedentes: ADI 1.165, rel. Min. Nelson Jobim, DJ de14-6-2002 e ADI 243, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, DJ de 29-11-2002. Ação direta cujo pedido se julga procedente. (ADI 2.873, Rel.

                                                                               Min. Ellen Gracie, julgamento em 20-9-2007, Plenário, DJ de 9-11-2007.)

(...)

Processo legislativo: normas de lei de iniciativa parlamentar que cuidam de jornada de trabalho, distribuição de carga horária, lotação dos profissionais da educação e uso dos espaços físicos e recursos humanos e materiais do Estado e de seus Municípios na organização do sistema de ensino: reserva de iniciativa ao Poder Executivo dos projetos de leis que disponham sobre o regime jurídico dos servidores públicos, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria (art. 61, II, § 1º, c). (ADI 1.895, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 2-8-2007, Plenário, DJ de 6-9-2007.)

(...)

Lei estadual que dispõe sobre a situação funcional de servidores públicos: iniciativa do chefe do Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, a e c, CR/1988). Princípio da simetria. (ADI 2.029, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 4-6-2007, Plenário, DJ de 24-8-2007.)

(...)”

Posto isso, nosso parecer é no sentido da procedência da ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade do § 2º do art. 30, da Lei                                                                                                          n. 1.664, de 12 de março de 2012, do Município de Joanópolis.

 

São Paulo, 21 de novembro de 2012.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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