Parecer
Autos nº. 0053803-78.2012.8.26.0000
Requerente: Prefeito Municipal de Catanduva
Objeto: Lei nº 5.281, de 29 de fevereiro de 2012, do Município de Catanduva
Ementa: 1) Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal que "DISPÕE SOBRE AÇÕES DA SAEC – SUPERINTENDÊNCIA DE ÁGUA E ESGOTO DE CATANDUVA, REFERENTES AOS MEDIDORES DE ÁGUA (HIDRÔMETROS) MACROMEDIDORES E CAIXAS DE PROTEÇÃO". Iniciativa parlamentar. 2) Ofensa ao princípio da separação dos Poderes. Ato normativo que invade a esfera da gestão administrativa (art.5º, 47 II e XIV da Constituição Paulista). 3) Criação de novas despesas sem a indicação da respectiva fonte de receitas (art.25 da Constituição Paulista). 4) Inconstitucionalidade reconhecida.
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, movida pelO Prefeito Municipal de Catanduva, tendo por objeto a Lei nº 5.281, de 29 de fevereiro de 2012, daquele Município, que "DISPÕE SOBRE AÇÕES DA SAEC – SUPERINTENDÊNCIA DE ÁGUA E ESGOTO DE CATANDUVA, REFERENTES AOS MEDIDORES DE ÁGUA (HIDRÔMETROS) MACROMEDIDORES E CAIXAS DE PROTEÇÃO".
Sustenta o autor que o projeto que a antecedeu iniciou-se na Câmara Municipal e que, depois de aprovado, foi integralmente vetado pelo Poder Executivo. O veto foi derrubado e, afinal, a lei foi promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal.
A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 21/22).
O Presidente da Câmara Municipal se manifestou às fls. 35/38, acenando com a concordância de que a lei em questão padece do vício de iniciativa (fls. 36/37).
A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 31/32).
Este é o breve resumo do que consta dos autos.
Em
que pese a boa intenção estampada na propositura
legislativa que culminou se transformando na lei impugnada nesta ação, o ato
normativo é verticalmente incompatível com nossa sistemática constitucional.
Este é o teor do ato normativo impugnado, no que interessa:
“LEI Nº 5.281, DE 29 DE FEVEREIRO DE 2.012
DISPÕE SOBRE AÇÕES DA SAEC - SUPERINTENDÊNCIA DE ÁGUA E ESGOTO DE CATANDUVA, REFERENTES AOS MEDIDORES DE ÁGUA (HIDRÔMETROS), MACROMEDIDORES E CAIXAS DE PROTEÇÃO.
(Projeto de Lei nº 150/2011 - Vereadora Ana Paula Carnelossi)
Autógrafo nº 6.054
DANIEL PALMEIRA DE LIMA:
Presidente da Câmara Municipal de Catanduva, Estado de São Paulo, usando de suas atribuições legais e com base no inciso IV, do artigo 32, combinado com o § 8º, do artigo 55, da Lei Orgânica do Município de Catanduva, promulga a seguinte Lei:
ARTIGO lº - O medidor de volume de água (hidrômetro) de qualquer diâmetro deverá ser instalado dentro da caixa de proteção do hidrômetro, padrão SAEC nos imóveis edificados e/ou reformados a partir de 31 de março de 2009, data do Decreto que regulamentou as ações da SAEC.
ARTIGO 2º - O tipo de medidor de volume de água (hidrômetro), sua classe metrológica e vazão nominal serão determinadas pela SAEC, caso a caso, quando divergente do padrão, segundo as diretrizes de micromedição, constantes das Normas Técnicas da SAEC (NTS), apenas em imóveis edificados e/ou reformados a partir de 31de março de 2009 ou ainda naqueles imóveis em que os hidrômetros tiverem que ser substituídos a partir de 31 de Março de 2009 pelas razões dispostas no artigo 4º desta Lei.
ARTIGO 3º - O PADRÃO definido pela SAEC através de Decreto nº 5.285 de 31 de Março de 2009 para os medidores de água (hidrômetros) e caixas de proteção, somente será exigido em imóveis edificados ou reformados a partir da data do referido Decreto que regulamentou as ações da SAEC.
ARTIGO 4º - O medidor de volume de água (hidrômetro)
instalado em cada ligação deve ser previamente aferido e lacrado pelo
IPEM/INMETRO junto ao fabricante, conforme normatização vigente.
ARTIGO 5º - O medidor de volume de água (hidrômetro) a ser instalado na ligação padrão de 3/4" será de classe metrológica "8", e vazão nominal Qn = 3m3/h, ou com vazão similar aquele que já estiver anteriormente instalado.
ARTIGO 6º - Nos casos de qualquer categoria de uso, cujo consumo mensal for superior a 60 m3, o medidor de volume de água (hidrômetro) será de classe metrológica "C" e vazão nominal Qn =3m3/h, ou com vazão similar aquele que já estiver anteriormente instalado.
ARTIGO 7º - Nos casos dos clientes das categorias comercial, industrial e pública, cujo consumo mensal for superior a 200 m3, o medidor de água (hidrômetro) será de classe metrológica "C" e vazão nominal QN = 3m3/h, ou com vazão similar aquele que já estiver anteriormente instalado.
ARTIGO 8º As instalações ou retiradas/substituições dos medidores de volume de água (hidrômetros) para manutenção, preventiva ou corretiva, somente será feita pela SAEC.
Parágrafo 1º - Em caso de substituição do medidor de volume de água (hidrômetro), a 5AEC deverá emitir laudo técnico que identifique o problema no hidrômetro como adulteração, rompimento do lacre, medidor quebrado, lacre rompido, dano no aparelho, ou outros eventos que inviabilizem a leitura ou medição da água e que justifiquem a troca do mesmo.
Parágrafo 2º - A SAEC deverá notificar o morador sobre a necessidade de troca do medidor de água (hidrômetro) e/ou adequação da caixa de proteção, apresentando laudo técnico para o morador e concedendo prazo de 05 dias úteis para contestação do laudo.
Parágrafo 3º - Transcorrido o prazo definido no parágrafo anterior, a SAEC deverá deferir ou não as razões de contestação e notificar novamente o morador sobre sua decisão. No caso de indeferimento, a SAEC deverá conceder ao morador prazo de 30 dias para proceder as alterações necessárias no caso de adequação de caixa de proteção.
Parágrafo 4º - As execuções de troca dos medidores de volume de água (hidrômetros) somente poderão ser ARTIGO 9º - As despesas decorrentes desta Lei correrão por conta de dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.
ARTIGO 10 - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário."
A lei, de iniciativa parlamentar, cria
obrigações e estabelece condutas a serem cumpridas pela Administração Pública,
indicando a forma de procedimento para o cumprimento da previsão legal que
culmina com a regulamentação para a substituição de hidrômetro e, enfim, por
dispor sobre todas as ações da Superintendência de Água e Esgoto de Catanduva,
referentes aos medidores de água (hidrômetros), macro
medidores e caixas de proteção.
Não há dúvida de que, como tal, a
iniciativa parlamentar, ainda que revestida de boas intenções, invadiu a esfera
da gestão administrativa, e como tal, é inconstitucional, por violar o disposto
no art. 5º e no art. 47, incs. II e XIV da Constituição Paulista.
É ponto pacífico na doutrina, bem como na
jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe primordialmente a função de
administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e
execução de atividades inerentes ao Poder Público. De outra banda, ao Poder
Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja, atos
normativos revestidos de generalidade e abstração.
O legislador municipal, na hipótese
analisada, criou obrigações de cunho administrativo para a Administração
Pública local.
Abstraindo quanto aos motivos que podem
ter levado a tal solução legislativa, ela se apresenta como manifestamente
inconstitucional, por interferir na realização, em certa medida, da gestão
administrativa do Município.
Referido diploma, na prática, invadiu a esfera da gestão administrativa,
que cabe ao Poder Executivo, e envolve o planejamento,
a direção, a organização e a execução de atos de governo. Isso equivale à
prática de ato de administração, de sorte a malferir a separação dos poderes.
Cumpre recordar aqui o ensinamento de
Hely Lopes Meirelles, anotando que “a
Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos
órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regra para a
Administração; a Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal, genérico
e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo
edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de
funções é que residem a harmonia e independência dos
Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer
atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e
inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo
ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação
da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é
nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo
local (CF, art.2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro,
15ªed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São
Paulo, Malheiros, 2006, p.708 e 712).
Deste modo, quando a pretexto de
legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis que equivalem na
prática a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência
que deve existir entre os poderes estatais.
Esse E. Tribunal de Justiça tem declarado
a inconstitucionalidade de leis municipais de iniciativa parlamentar que
interferem na gestão administrativa, com amparo na violação da regra da
separação de poderes, conforme ementas de julgados recentes, transcritas a
seguir:
“Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 9882, de 20 de abril de 2007, do Município de São José do Rio Preto. Obrigatoriedade de ascensoristas nos elevadores dos edifícios comerciais. Violação ao princípio constitucional da independência entre os poderes. Inconstitucionalidade declarada. Pedido julgado procedente.” (TJSP, ADI 149.044-0/8-00, rel. des. Armando Toledo, j.20.02.2008, v.u.).
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei Municipal de Itapetininga n° 4.979, de 28 de setembro de 2.005, do Município de Itapetininga, que dispõe sobre a obrigatoriedade de confecção distribuição de material explicativo dos efeitos das radiações emitidas pelos aparelhos celulares e sobre sua correta utilização, e dá outras providências. Decorrente de projeto de iniciativa parlamentar, promulgada pela Câmara Municipal depois de rejeitado o veto do Prefeito - Realmente, há que se reconhecer que a Câmara Municipal exorbitou no exercício da função legislativa, interferindo em atividade concreta do Poder Executivo - Afronta aos artigos 5°, 25, e 144 e da Constituição Estadual. JULGARAM PROCEDENTE A AÇÃO.” (TJSP, ADI 134.410-0/4, rel. des. Viana Santos, j. 05.03.2008).
E, mais recentemente,
assim se fez constar no despacho que deferiu a liminar na ADIn
990.10.073579-9:
"Impõe-se, à partida, a apreciação do pedido liminar, que fica deferido.
Evidente o fumus boni júris, pois já proclamada na ADIN nº 154.526-0/0 (Rel. EROS PICELI - J. 08.10.2008 - V.U.), ser inconstitucional lei de vereadora iniciativa que cria obrigação para o Poder Executivo de utilização de papel reciclado.
Digo o mesmo quanto ao periculum in mora, poquanto a obrigação imposta ao promovente de regulamentar a norma impugnada deveras implica, na prática, em sujeição, se não imediata, quase, a interferência, in casu descabida, o planejamento da administração no que tange a execução dos procedimentos licitatórios visando às aquisições de materiais de expedientes para o ano em exercício.
Ademais, não faz o menor sentido manter a eficácia e a vigência, ainda que potenciais, eis que minguante sua regulamentação, certamente, porém, capazes de gerar ao menos atritos entre Legislativo e Executivo locais, de norma que ostenta palpável vício de inconstitucionalidade formal." (ADIn 990.10.073579-9, rel. des. Palma Bisson, j. 1º.03.2010)
Não bastasse o acima
exposto, esse E. Tribunal de Justiça tem reconhecido a inconstitucionalidade de
normas que criam despesas para o Poder Público, sem a indicação das respectivas
fontes de receita, como no caso em tela, em violação ao disposto no art. 25 da
Constituição Bandeirante. Confiram-se, a título de exemplificação, recentes
julgados adiante indicados: ADI 134.844-0/4-00, rel. des. Jarbas Mazzoni, j.
19.09.2007, v.u.; ADI 135.527-0/5-00, rel. des. Carlos Stroppa, j.03.10.2007, v.u.; ADI 135.498-0/1-00, rel. des. Carlos
Stroppa, j.03.10.2007, v.u.
Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 5.281, de 29 de fevereiro de 2012, do Município de Catanduva.
São Paulo, 22 de maio de 2012.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
fjyd