Parecer
Processo n. 0053805-48.2012.8.26.0000
Requerente: Prefeito do Município de Catanduva
Objeto: inconstitucionalidade
da Lei nº 5.280, de 29 de fevereiro de 2012, do Município de Catanduva
Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 5.280, de 29 de fevereiro de 2012, do Município de Catanduva, de iniciativa parlamentar. Institui a obrigatoriedade da Companhia de energia elétrica no pagamento da integralidade de preço gasto com o projeto de eletrificação em loteamentos residenciais e comerciais . Violação da separação de poderes. Procedência da ação. 1. A organização e funcionamento de serviço público é matéria da reserva da Administração e da iniciativa legislativa reservada do Chefe do Poder Executivo, sendo inconstitucional a lei de iniciativa parlamentar. 2. Procedência da ação.
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo
Desembargador Relator
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade
ajuizada pelo Prefeito do Município de Catanduva impugnando a Lei nº 5.280, de 29 de fevereiro de 2012, do Município de Catanduva,
que “ institui a obrigatoriedade da Companhia de Energia Elétrica no pagamento
da integralidade do preço gasto com o projeto de eletrificação em loteamentos residenciais
e comerciais”, sob alegação
de violação aos arts. 5º e 25, ambos da Constituição Estadual.
O Presidente da Câmara
Municipal de Catanduva prestou informações (fls. 31/57) e a douta Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado
(fls. 28/29).
É
o relatório.
É ponto pacífico que “as regras do processo legislativo federal, especialmente
as que dizem respeito à iniciativa reservada, são normas de observância
obrigatória pelos Estados-membros” (STF, ADI 2.719-1-ES, Tribunal Pleno, Rel.
Min. Carlos Velloso, 20-03-2003, v.u.).
Como desdobramento particularizado do
princípio da separação dos poderes (art. 5º, Constituição Estadual), a
Constituição do Estado de São Paulo prevê no art. 24, § 2º, “2”, iniciativa
legislativa reservada do Chefe do Poder Executivo (aplicável na órbita
municipal por obra de seu art. 144) para “a criação e extinção das Secretarias
de Estado e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 47,
XIX”, o que compreende a fixação ou alteração das atribuições dos órgãos da
Administração Pública direta.
Também
prevê no art. 47 (também aplicável na órbita municipal por obra de seu art.
144) competência privativa do Chefe do Poder Executivo. O dispositivo consagra
a atribuição de governo do Chefe do Poder Executivo, traçando suas competências
próprias de administração e gestão que compõem a denominada reserva de
Administração, pois, veiculam matérias de sua alçada exclusiva, imunes à
interferência do Poder Legislativo.
A alínea a do inciso XIX desse art. 47 fornece ao Chefe do Poder Executivo a
prerrogativa de dispor mediante decreto sobre “organização e funcionamento da
administração estadual, quando não implicar aumento de despesa, nem criação ou
extinção de órgãos públicos”, em preceito semelhante ao art. 84, VI, a, da Constituição Federal. Por sua vez,
os incisos II e XIV estabelecem competir-lhe o exercício da direção superior da
administração e a prática dos demais atos de administração, nos limites da
competência do Poder Executivo.
A
inconstitucionalidade transparece exatamente pelo divórcio da iniciativa
parlamentar da lei local com esses preceitos da Constituição Estadual.
Pois, ao organizar e
disciplinar a prestação do serviço público de fornecimento de energia elétrica,
de um lado, ela viola o art. 47, II, XIV e XIX, a, no estabelecimento de regras que respeitam a direção da
administração e a organização e o funcionamento do Poder Executivo, matéria
essa que é da alçada da reserva da Administração, e de outro, ela ofende o art.
24, § 2º, 2, na medida em que impõe atribuição ao Poder Executivo, assunto cuja
iniciativa legislativa lhe é reservada.
Neste sentido, a
jurisprudência:
“CONSTITUCIONAL.
ADMINISTRATIVO. LEI QUE ATRIBUI TAREFAS AO DETRAN/ES, DE INICIATIVA
PARLAMENTAR: INCONSTITUCIONALIDADE. COMPETÊNCIA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. C.F,
art. 61, § 1°, n, e, art. 84, II
e VI. Lei 7.157, de 2002, do
Espírito Santo.
I. - É de
iniciativa do Chefe do Poder Executivo a proposta de lei que vise a criação,
estruturação e atribuição de órgãos da administração pública: C.F, art.
61, § 1°, II, e, art. 84, II e
VI.
II. - As regras do
processo legislativo federal, especialmente as que dizem respeito à iniciativa
reservada, são normas de observância obrigatória pelos Estados-membros.
III. - Precedentes
do STF.
IV - Ação direta de
inconstitucionalidade julgada procedente” (STF, ADI 2.719-1-ES, Tribunal Pleno,
Rel. Min. Carlos Velloso, 20-03-2003, v.u.).
“É indispensável a iniciativa do Chefe do Poder Executivo (mediante projeto de lei ou mesmo, após a EC 32/01, por meio de decreto) na elaboração de normas que de alguma forma remodelem as atribuições de órgão pertencente à estrutura administrativa de determinada unidade da Federação” (STF, ADI 3.254-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 16-11-2005, v.u., DJ 02-12-2005, p. 02).
“Ação direta de inconstitucionalidade - Ajuizamento pelo Prefeito de São José do Rio Preto - Lei Municipal n°10.241/08 cria o serviço de fisioterapia e terapia ocupacional nas unidades básicas de saúde e determina que as despesas decorrentes 'correrão por conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário' - Matéria afeta à administração pública, cuja gestão é de competência do Prefeito - Vício de iniciativa configurado - Criação, ademais, de despesas sem a devida previsão de recursos - Inadmissibilidade - Violação dos artigos 5°e 25, ambos da Constituição Estadual - Inconstitucionalidade da lei configurada - Ação procedente” (ADI 172.331-0/1-00, Órgão Especial, Rel. Des. Walter de Almeida Guilherme, v.u., 22-04-2009).
E como exposto, invade a
denominada reserva de Administração, consoante já decidido:
“RESERVA DE ADMINISTRAÇÃO E SEPARAÇÃO DE PODERES. - O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. É que, em tais matérias, o Legislativo não se qualifica como instância de revisão dos atos administrativos emanados do Poder Executivo. Precedentes. Não cabe, desse modo, ao Poder Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao postulado da separação de poderes, desconstituir, por lei, atos de caráter administrativo que tenham sido editados pelo Poder Executivo, no estrito desempenho de suas privativas atribuições institucionais. Essa prática legislativa, quando efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e importa em atuação ultra vires do Poder Legislativo, que não pode, em sua atuação político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais” (STF, ADI-MC 2.364-AL, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 01-08-2001, DJ 14-12-2001, p. 23).
Opino pela procedência da ação
por violação aos arts. 5º, 24, § 2º, 2, e 47, II, XIV e XIX, a, da Constituição do Estado.
São
Paulo, 21de junho de 2012.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
arsm