Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 0054993-76.2012.8.26.0000

Requerente: Federação dos Funcionários Públicos Municipais do Estado de São Paulo - FUPESP

Requeridos: Prefeito e Presidente da Câmara Municipal de Pompeia

 

 

 

 

 

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Servidor público municipal. Condicionamento à licença para desempenho de mandato classista. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 1.926/01 do Município de Pompeia. Não merece amparo arguição de incompatibilidade da lei municipal – que sujeita o afastamento com ou sem remuneração à discrição do governante – com fulcro no art. 125, § 1º, da Constituição Estadual – que assegura o afastamento remunerado de servidor público investido em mandato classista – porque o parâmetro constitucional estadual violou a reserva de iniciativa do Chefe do Poder Executivo dispondo sobre o regime jurídico dos servidores públicos (art. 24, § 2º, 4, Constituição Estadual), considerando-se que as normas sobre processo legislativo do âmbito federal (art. 61, § 1º, II, c, Constituição Federal) constituem modelo de observância simétrica e reprodução obrigatória nos Estados.

 

 

 

Colendo Órgão Especial

 

 

 

 

1.                Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade promovida pela Federação dos Funcionários Públicos Municipais do Estado de São Paulo – FUPESP em face da Lei n. 1.926, de 30 de março de 2001, do Município de Pompeia, sob alegação de afronta ao art. 125, § 1º, da Constituição Estadual (fls. 02/12).

2.                A douta Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato normativo impugnado (fls. 108/109), e as informações foram prestadas pelo Prefeito e pela Câmara Municipal de Pompeia defendendo a constitucionalidade da norma e arguindo preliminar de ilegitimidade ativa (fls. 123/133, 155/160).

3.                É o relatório.

4.                Examina-se a preliminar suscitada.

5.                Alega o Prefeito do Município de Pompeia a ilegitimidade ativa da requerente por falta de comprovação da competente autorização do sindicato dos servidores públicos municipais para o ajuizamento da ação e da integração deste à entidade federativa.

6.                A leitura do estatuto social da requerente demonstra que ela é federação representativa de servidores públicos municipais no Estado de São Paulo (fl. 18), tendo abrangência estadual de atuação (fl. 52).

7.                O Supremo Tribunal Federal já assentou que:

“Ação direta de inconstitucionalidade: legitimação ativa: ‘entidade de classe de âmbito nacional’: compreensão da ‘associação de associações’ de classe: revisão da jurisprudência do Supremo Tribunal. 1. O conceito de entidade de classe é dado pelo objetivo institucional classista, pouco importando que a eles diretamente se filiem os membros da respectiva categoria social ou agremiações que os congreguem, com a mesma finalidade, em âmbito territorial mais restrito. 2. É entidade de classe de âmbito nacional - como tal legitimada à propositura da ação direta de inconstitucionalidade (CF, art 103, IX) - aquela na qual se congregam associações regionais correspondentes a cada unidade da Federação, a fim de perseguirem, em todo o País, o mesmo objetivo institucional de defesa dos interesses de uma determinada classe. 3. Nesse sentido, altera o Supremo Tribunal sua jurisprudência, de modo a admitir a legitimação das ‘associações de associações de classe’, de âmbito nacional, para a ação direta de inconstitucionalidade” (RTJ 194/859).

8.                Guardadas as devidas proporções, esse entendimento pode ser aplicado para os fins do art. 90, V, da Constituição Estadual, sustentando a dispensabilidade da autorização da entidade sindical representada, pois, o interesse processual surge da norma constitucional e das convenções estatutárias.

9.                E também não é de se requerer a comprovação da integração do sindicato à federação autora na medida em que, como revelam seus estatutos, ela mesma é representante dos direitos dos servidores públicos municipais.

10.              Por essas razões, não prospera a preliminar.

11.              No mérito, a lei municipal contestada assegura ao servidor público municipal, eleito para ocupar cargo em sindicato de categoria ou associado, desde que solicitado pela entidade e a critério dos Chefes do Poder Executivo, Legislativo ou de autarquia, o direito de afastar-se de suas funções durante o tempo solicitado, com ou sem prejuízo de vencimentos, mas, com direito às demais vantagens.

12.              Segundo a requerente, o condicionamento da licença à discricionariedade administrativa e com prejuízo dos vencimentos contrapõe-se ao art. 125, § 1º, da Constituição Estadual, que assegura ao servidor público, eleito para ocupar cargo em sindicato de categoria, o direito de afastar-se de suas funções, durante o tempo em que durar o mandato, recebendo seus vencimentos e vantagens, nos termos da lei.

13.              O Supremo Tribunal Federal já decidiu pela constitucionalidade de norma que condiciona a licença para o desempenho de mandato classista por servidor público:

“DIREITO CONSTITUCIONAL. ORGANIZAÇÃO SINDICAL: INTERFERÊNCIA NA ATIVIDADE. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO PAR ÁGRAFO ÚNICO DO ART. 34 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, INTRODUZIDO PELA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 8, DE 13 DE JULHO DE 1993, QUE LIMITA O NÚMERO DE SERVIDORES PÚBLICOS, AFASTÁVEIS DO SERVIÇO, PARA EXERCÍCIO DE MANDATO ELETIVO EM DIRETORIA DE ENTIDADE SINDICAL, PROPORCIONALMENTE AO NÚMERO DE FILIADOS A ELA, NESTES TERMOS: ‘Artigo 34 - É garantida a liberação do servidor de entidade sindical de mandato eletivo em diretoria de entidade sindical representativa de servidores públicos, de âmbito estadual, sem prejuízo da remuneração e dos demais direitos e vantagens do seu cargo. Parágrafo Único - Os servidores eleitos para cargos de direção ou de representação serão liberados, na seguinte proporção, para cada sindicato: I - de 1.000 (mil) a 3.000 (três mil) filiados, 1 (um) representante; II - de 3.001 (três mil e um) a 6.000 (seis mil) filiados, 2 (dois) representantes; III - de 6.001 (seis mil e um) a 10.000 (dez mil) filiados, 3 (três) representantes; IV - acima de 10.000 (dez mil) filiados, 4 (quatro) representantes’. 1. CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE TRABALHADORES POLICIAIS CIVIS - COBRAPOL. REGISTRO. LEGITIMIDADE ATIVA: 2. Mérito: alegação de ofensa ao inciso I do art. 8°, ao VI do art. 37, ao inciso XXXVI do art. 5°, ao inciso XIX do art. 5°, todos da Constituição Federal, por interferência em entidade sindical. 3. Inocorrência dos vícios apontados. 4. Improcedência da A.D.I. 5. Plenário: decisão unânime” (STF, ADI 990-MG, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sydney Sanches, 06-02-2003, v.u., DJ 11-04-2003, p. 25).

14.              A Constituição Federal ao assegurar a liberdade sindical, inclusive aos servidores públicos (arts. 8º e 37, VII), não garante o direito ao afastamento remunerado, pois, a matéria é remetida à liberdade de conformação do legislador infraconstitucional.

15.              Em verdade, a norma constitucional estadual adotada como parâmetro de controle de constitucionalidade, na presente ação, é que se afigura inconstitucional, porquanto disciplina matéria peculiar ao regime jurídico do funcionalismo, a qual é reservada com exclusividade ao Executivo, ex vi do disposto no art. 24, § 2º, 4, da Constituição do Estado de São Paulo, sendo, por isso, admissível a este egrégio Tribunal aferir a constitucionalidade incidenter tantum do parâmetro, como já decidiu o Supremo Tribunal Federal:

“- Reclamação. - Inexistência de atentado à autoridade do julgado desta Corte na ADIN 347, porquanto, no caso, a ação direta de inconstitucionalidade foi proposta com a arguição de ofensa à Constituição Estadual, e não à Federal, e julgada procedente por ofensa ao artigo 180, VII, da Carta Magna do Estado de São Paulo. - Não ocorrência de usurpação da competência desta Corte por ter o Tribunal de Justiça rejeitado a alegação incidente de que o citado artigo da Constituição do Estado de São Paulo seria inconstitucional em face da Carta Magna Federal. Controle difuso de constitucionalidade em ação direta de inconstitucionalidade. Competência do Tribunal de Justiça. Reclamação improcedente” (STF, Rcl 526-SP, Rel. Min. Moreira Alves, 11-11-1996).

16.              Ora, é pacífico no Supremo Tribunal Federal que não é dado à Constituição Estadual disciplinar o regime jurídico dos servidores públicos para além das normas de reprodução obrigatória da Constituição Federal:

“DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 71 DO ADCT DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DA PARAÍBA. VENCIMENTOS E PROVENTOS DE SERVIDORES PÚBLICOS. EQUIPARAÇÃO E VINCULAÇÃO. REGIME JURÍDICO: PODER DE INICIATIVA DE LEI. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO INCISO XIII DO ART. 37 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PROPOSITURA DA ADI PELO PROCURADOR-GERAL DO ESTADO, COM POSTERIOR RATIFICAÇÃO PELO GOVERNADOR: LEGITIMIDADE ATIVA. 1. O texto impugnado assegura ao funcionário ativo e inativo da Secretaria das Finanças, que, na conformidade da legislação então vigente, tenha exercido as funções de Tesoureiro ou de Tesoureiro-auxiliar das Recebedorias de Rendas de João Pessoa ou de Campina Grande, até a data da promulgação da Constituição, os vencimentos ou proventos correspondentes aos atribuídos ao Agente Fiscal dos Tributos Estaduais, símbolo TAF-501.1. Trata-se de equiparação e vinculação proibidas pelo inciso XIII do art. 37 da Constituição Federal, mesmo com a nova redação dada pela E.C. n° 19/98. 2. Basta observar que, aumentados os vencimentos do cargo de Agente Fiscal dos Tributos Estaduais, símbolo TAF-501.1, estarão automaticamente aumentados os vencimentos e proventos dos servidores referidos na norma em questão. 3. Além disso, não pode a Constituição Estadual, segundo pacífica jurisprudência desta Corte, retirar do Governador do Estado sua competência privativa para iniciativa de leis que disponham sobre aumento de remuneração (art. 61, II, ‘a’, da C.F.) ou sobre regime jurídico dos servidores estaduais (art. 61, II, ‘c’). 4. Ação Direta julgada procedente, declarando-se a inconstitucionalidade do art. 71 do ADCT da Constituição Estadual da Paraíba. 5. Plenário. Decisão unânime” (STF, ADI 1.977-PB, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sydney Sanches, 19-03-2003, v.u., DJ 02-05-2003, p. 25).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 78 DO ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. REGIME JURÍDICO DE SERVIDORES ESTADUAIS. VÍCIO DE INICIATIVA. Sendo os dispositivos impugnados relativos ao regime jurídico dos servidores públicos fluminenses, resulta caracterizada a violação à norma da alínea c do inciso II do § 1.º do art. 61 da Constituição Federal, que, sendo corolário do princípio da separação de poderes, é de observância obrigatória para os Estados, inclusive no exercício do poder constituinte decorrente. Ação julgada procedente” (STF, ADI 250-RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão, 15-08-2002, v.u., DJ 20-09-2002, p. 87).

“I. Processo legislativo: modelo federal: iniciativa legislativa reservada: aplicabilidade, em termos, ao poder constituinte dos Estados-membros. 1. As regras básicas do processo legislativo federal são de absorção compulsória pelos Estados-membros em tudo aquilo que diga respeito - como ocorre às que enumeram casos de iniciativa legislativa reservada - ao princípio fundamental de independência e harmonia dos poderes, como delineado na Constituição da República. 2. Essas orientação - malgrado circunscrita em princípio ao regime dos poderes constituídos do Estado-membro - é de aplicar- se em termos ao poder constituinte local, quando seu trato na Constituição estadual traduza fraude ou obstrução antecipada ao jogo, na legislação ordinária, das regras básicas do processo legislativo, a partir da área de iniciativa reservada do executivo ou do judiciário: é o que se dá quando se eleva ao nível constitucional do Estado-membro assuntos miúdos do regime jurídico dos servidores públicos, sem correspondência no modelo constitucional federal, a exemplo do que sucede na espécie com a disciplina de licença especial e particularmente do direito á sua conversão em dinheiro” (STF, ADI 276-AL, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 13-11-1997, v.u., DJ 19-12-1997, p. 40).

17.              Na espécie, o tratamento da matéria pela Constituição Estadual, concessa venia, foi além do que lhe seria permitido – como, verbi gratia, estabelecer que o afastamento de servidor público eleito para mandato classista seria disciplinado em lei. A norma constitucional estadual garantiu, de pronto, o afastamento sem remuneração nessa hipótese, consumindo a maior parte da futura legislação estadual ou municipal, de maneira a extrapolar sobre o regime jurídico dos servidores públicos.

18.              Se é certo que a lei pode implantar condicionamentos ou restrições, a verdade é que a Constituição Estadual conferiu direito subjetivo ao servidor público, assunto que é do domínio de lei de iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo. Basta tomar em consideração, a guisa de exemplo, o quanto disposto no âmbito normativo federal, em que a licença, nesse caso, é gratuita (sem remuneração), nos termos do art. 92 da Lei n. 8.112/90.

19.              Opino pela improcedência da ação.                  

São Paulo, 13 de junho de 2012.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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