Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0055194.68.2012.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Juquitiba

Objeto: Leis ns. 1.740 e 1.741, ambas de 14 de junho de 2011, do Município de Juquitiba.

 

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida por Prefeito Municipal, das Leis ns. 1.740 e 1.741, ambas de 14 de junho de 2011, do Município de Juquitiba, que revogaram, respectivamente, a lei que definiu a forma da cobrança da taxa de publicidade e que instituiu a taxa de coleta de lixo. Lei tributária benéfica, de iniciativa de Vereador. Alegada usurpação da competência privativa do Chefe do Poder Executivo. Precedentes do Supremo Tribunal Federal no sentido de que, em matéria tributária, a iniciativa das leis, inclusive benéficas, é concorrente. Os Municípios são dotados de autonomia financeira, que é a capacidade de instituir e arrecadar os tributos de sua competência (CF, art. 30, III). Inexistência de reserva de iniciativa sobre essa matéria, em favor do Prefeito. Matéria de iniciativa geral ou concorrente. Precedentes do STF. Parecer pela improcedência da ação.

 

 

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Juquitiba, tendo por objeto as Leis ns. 1.740 e 1.741, ambas de 14 de junho de 2011, do Município de Juquitiba, que dispõem, respectivamente, sobre a revogação da Lei n. 1.715, de 14 de dezembro de 2010 e sobre a revogação da Lei n. 1.642, de 16 de dezembro de 2009, que institui a taxa de coleta de lixo.

Sustenta o autor que referidas leis implicaram renúncia de receita, sem a indicação de como deveria ser feita a compensação orçamentária a fim de substituir a perda no erário público. Assenta o autor, ademais, que o Legislativo local, ao editar referidas leis, avançou em suas prerrogativas, invadindo a competência do Poder Executivo.

As Leis tiveram a vigência e a eficácia suspensas ex nunc (fls. 271).

O Presidente da Câmara Municipal se manifestou a fls. 288/294, sustentando a constitucionalidade da legislação combatida. A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 285/286).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A presente ação deve ser julgada improcedente. 

Remarque-se, por ora, o texto das legislações combatidas:

“Lei n. 1.740, de junho de 2011.

Projeto de Lei nº 05/2011 do Legislativo
Autoria dos Vereadores: José Belarmino Nunes Bernardo, Gilsinei Domingues da Paz, Jorge Soares Godinho, Cassio Aurelio Coelho da Silva, Dorvalino Dias da Silva, Francisco Victorino de Moraes e Dimas Ghizzi.

 DISPÕE SOBRE REVOGAÇÃO DA LEI Nº 1.715 DE 14 DE DEZEMBRO DE 2010 QUE TRATA DE ALTERAÇÃO DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO.

Artigo 1º - Fica revogada a Lei nº 1.715 de 14 de dezembro de 2010 que tratou de alterar o código tributário e dentre outros, definiu forma de cobrança da taxa de publicidade.

Artigo 2º - As despesas com a execução da presente lei correrão por conta das dotações orçamentárias vigentes, suplementadas se necessário.

Artigo 3º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, surtindo seus efeitos a partir de 01 de janeiro de 2012”.

(...)

Lei n. 1.741, de junho de 2011.

Projeto de Lei nº 06/2011 do Legislativo
Autoria dos Vereadores: Gilsinei Domingues da Paz, José Belarmino Nunes Bernardo, Jorge Soares Godinho, Cassio Aurelio Coelho da Silva, Dorvalino Dias da Silva, Francisco Victorino de Moraes e Dimas Ghizzi.

DISPÕE SOBRE REVOGAÇÃO DA LEI Nº 1.642 DE 16 DE DEZEMBRO DE 2009, QUE INSTITUIU A TAXA DE COLETA DE LIXO.

Artigo 1º - Fica revogada a Lei nº 1.642 de 16 de dezembro de 2009 que instituiu a taxa de coleta de lixo.

Artigo 2º - As despesas com a execução da presente lei correrão por conta das dotações orçamentárias vigentes, suplementadas se necessário.

Artigo 3º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, surtindo seus efeitos a partir de 01 de janeiro de 2012”.

Em que pesem as argumentações que ensejaram a propositura da demanda, a legislação em questão não se afigura inconstitucional.

A revogação da legislação acerca da taxa de publicidade e da taxa de lixo, sobretudo que toca à sua revogação, é regra orientadora e reguladora de conduta, emanada de uma entidade com competência para criar essa regra. Veja-se, por outro lado, que a legislação impugnada tem a natureza de norma tributária benéfica.

De forma majoritária, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tem declarado a inconstitucionalidade de leis de iniciativa parlamentar que instituem benefícios fiscais. Tem prevalecido o entendimento de que as normas da espécie, porque diminuem a receita, somente poderiam ser concebidas pelo Poder Executivo, que é o encarregado da execução do Orçamento.

Colhe-se, em recente Acórdão, a comprovação dessa assertiva:

“Este Órgão Especial, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 144.748.0/4-00, julgada em 12 de setembro de 2007, sendo relator o Des. MARCO CÉSAR, à unanimidade reconheceu a inconstitucionalidade por vício de iniciativa de lei tributária benéfica de Ribeirão Preto, que instituiu incentivo fiscal para apoio de projetos culturais. Também na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 135.071.0/3-00, julgada em 26 de setembro de 2007, sendo relator o Des. MOHAMED AMARO, contra os votos dos Des. ROBERTO VALLIM BELLOCCHI e IVAN SARTORI reconheceu a inconstitucionalidade por vício de iniciativa de lei que instituiu a isenção tributária aos portadores de deficiência ou seus responsáveis, no Município de Jundiaí. E mais recentemente, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 148.312.4/0-00, julgada em 3 de outubro de 2007, sendo relator o des. MARCO CÉSAR, também contra os votos dos Des. ROBERTO VALLIM BELLOCCHI e IVAN SARTORI reconheceu a inconstitucionalidade por vício de iniciativa de lei que isentou do pagamento de taxas entidades beneficiadas pela imunidade” (ADIN nº 149.269-0/4-00, de 20 de fevereiro de 2008, r. Des. Boris Kauffmann).

Essa orientação tem apoio em Carraza.

O autor, depois de anotar que a iniciativa das leis que criam e aumentam tributos é ampla, cabendo, portanto, a qualquer membro do Legislativo, ao chefe do Executivo, aos cidadãos etc., afirma que o raciocínio não vale para as leis benéficas, cuja iniciativa está reservada ao chefe do Executivo (Presidente, Governador, Prefeito). Leis benéficas, de acordo com sua lição, são aquelas que, quando aplicadas, acarretam diminuição de receita, como as que concedem isenções tributárias, parcelam débitos fiscais, aumentem prazos para o normal recolhimento de tributos, etc. (Roque Antonio Carrazza. Curso de Direito Constitucional Brasileiro. 23ª ed , 2007, São Paulo: Malheiros Editores, p. 303-304).

A orientação contrária, no entanto, apoia-se no fato de que, em matéria tributária, a competência legislativa é concorrente (art. 61 da CF e art. 24 da CE).

Desse modo, não haveria inconstitucionalidade por vício de iniciativa, nem violação ao princípio da tripartição dos poderes, na lei que institui benefício fiscal, pois a norma não estaria versando sobre matéria orçamentária, nem aumentando a despesa do Município.

E essa é a tese que prevalece no Supremo Tribunal Federal. Em recente Acórdão, da lavra do em. Ministro Eros Grau, ficou consignado:

“O texto normativo impugnado dispõe sobre matéria de caráter tributário, isenções, matéria que, segundo entendimento dessa Corte, é de iniciativa comum ou concorrente; não há, no caso, iniciativa [parlamentar] reservada ao Chefe do Poder Executivo. Tem-se por superado, nesta Corte, o debate a propósito de vício de iniciativa referente à matéria tributária” (ADI 3.809/ES, j. 14.6.07. Disponível em www.stf.gov.br. Acesso em 15 out. 2008, g.n.).

Os seguintes julgados comprovam essa assertiva:

“EMENTA: I. Ação direta de inconstitucionalidade: L. est. 2.207/00, do Estado do Mato Grosso do Sul (redação do art. 1º da L. est. 2.417/02), que isenta os aposentados e pensionistas do antigo sistema estadual de previdência da contribuição destinada ao custeio de plano de saúde dos servidores Estado: inconstitucionalidade declarada. II. Ação direta de inconstitucionalidade: conhecimento. 1. À vista do modelo dúplice de controle de constitucionalidade por nós adotado, a admissibilidade da ação direta não está condicionada à inviabilidade do controle difuso. 2. A norma impugnada é dotada de generalidade, abstração e impessoalidade, bem como é independente do restante da lei. III. Processo legislativo: matéria tributária: inexistência de reserva de iniciativa do Executivo, sendo impertinente a invocação do art. 61, § 1º, II, b, da Constituição, que diz respeito exclusivamente aos Territórios Federais. IV. Seguridade social: norma que concede benefício: necessidade de previsão legal de fonte de custeio, inexistente no caso (CF, art. 195, § 5º): precedentes” (ADI 3205/MS - Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Julgamento: 19/10/2006, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Publicação DJ 17-11-2006 PP-00047)

“EMENTA: CONSTITUCIONAL. LEI DE ORIGEM PARLAMENTAR QUE FIXA MULTA AOS ESTABELECIMENTOS QUE NÃO INSTALAREM OU NÃO UTILIZAREM EQUIPAMENTO EMISSOR DE CUPOM FISCAL. PREVISÃO DE REDUÇÃO E ISENÇÃO DAS MULTAS EM SITUAÇÕES PRÉ-DEFINIDAS. ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA NÃO LEGISLOU SOBRE ORÇAMENTO, MAS SOBRE MATÉRIA TRIBUTÁRIA CUJA ALEGAÇÃO DE VÍCIO DE INICIATIVA ENCONTRA-SE SUPERADA. MATÉRIA DE INICIATIVA COMUM OU CONCORRENTE. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE” (ADI 2659/SC - Min. NELSON JOBIM, Julgamento: 03/12/2003, Publicação DJ 06-02-2004 PP-00022).

Vale lembrar que inexiste reserva de iniciativa em matéria tributária, conforme já proclamado pelo Excelso Pretório em inúmeros outros precedentes (ADI 2.464, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 11-4-2007, Plenário, DJ de 25-5-2007; RE 328.896, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 9-10-2009, DJE de 5-11-2009; ADI 2.392-MC, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 28-3-2001, Plenário, DJ de 1º-8-2003; ADI 2.474, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 19-3-2003, Plenário, DJ de 25-4-2003; ADI 2.638, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 15-2-2006, Plenário, DJ de 9-6-2006), tratando-se, portanto, de matéria de iniciativa geral ou concorrente, o que torna completamente desprovida de consistência jurídica a alegação de vício formal de iniciativa, contida na petição inicial, e de afronta ao princípio da separação dos poderes.

Em suma, a Câmara legislou sobre matéria de interesse local, cuja iniciativa é geral ou concorrente, e não se revela contrária à Constituição.

Toda política pública tem impacto no orçamento, realidade que não pode ser levada em conta para caracterizar como orçamentária a norma que a estabelece. Desse modo, curvando-me à orientação do Supremo Tribunal Federal, aguarda-se a improcedência da presente ação direta de inconstitucionalidade, sem a confirmação da liminar.

 

             São Paulo, 11 de junho de 2012.

 

 

          Sérgio Turra Sobrane 

          Subprocurador-Geral de Justiça

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