Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0060712-39.2012.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Martinópolis

Objeto: parágrafo 6º do artigo 46 da Lei Orgânica do Município de Martinópolis.

 

 

Ementa:

1) Ação Direta de Inconstitucionalidade, ajuizada por Prefeito, em face do parágrafo 6º do artigo 46 da Lei Orgânica do Município de Martinópolis.

2) Manutenção do veto não restaura matéria suprimida ou modificada pela Câmara. Falta do requisito de existência, por não resultar de aprovação da casa legislativa, estando ausente a manifestação de vontade apta a fazê-lo ingressar no mundo jurídico.

3) Ausência de vício normativo. Regra que não destoa do modelo constitucional do processo legislativo e que está em sintonia com Constituição do Estado. Inexistência de ofensa aos princípios da legalidade, independência dos poderes, razoabilidade e interesse público (arts. 5º, 111 e 144 da CE).

4) Inexistência de inconstitucionalidade. Improcedência do pedido.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Martinópolis, tendo por objeto o § 6º do artigo 46, da Lei Orgânica daquele Município.

Referido dispositivo legal estabelece que A manutenção do veto não restaura matéria suprimida ou modificada pela Câmara.

O autor sustenta que há ofensa ao princípio da independência e separação dos poderes (art. 5º da CE) sob o fundamento de que o ato normativo impugnado torna as emendas supressivas e modificativas imutáveis, configurando verdadeira invasão de competência, pois neutraliza a participação democrática do Executivo na produção legislativa. Afirma, ainda, violação aos princípios da legalidade, razoabilidade e interesse público (arts. 111 e 144 da CE).

O pedido de liminar foi indeferido (fls. 133/134). Contra tal decisão foi interposto agravo regimental (fls. 139/158), ao qual foi negado provimento (fls. 163/166).

 O Presidente da Câmara Municipal prestou informações às fls. 177/188.

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 173/175).

É a síntese do ocorrido nos autos.

Não procede o pedido.

O processo legislativo, compreendido o conjunto de atos (iniciativa, emenda, votação, sanção e veto) realizados para a formação das leis, é objeto de minuciosa previsão na Constituição Federal, para que se constitua em meio garantidor da independência e harmonia dos Poderes.

 O desrespeito às normas do processo legislativo, cujas linhas mestras estão traçadas na Constituição da República, conduz à inconstitucionalidade formal do ato produzido, que poderá sofrer o controle repressivo, difuso ou concentrado, por parte do Poder Judiciário.

O ordenamento jurídico brasileiro, como se sabe, dispõe que o governo municipal é de funções divididas. As funções administrativas foram conferidas ao Prefeito, enquanto que as funções legislativas são de competência da Câmara.

Entre ambos não há subordinação: a relação é de entrosamento de funções e de atividades político-administrativas, para que se estabeleça a harmonia e a independência dos Poderes, princípio constitucional extensivo ao governo local (cf. Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro, São Paulo, Malheiros, 1996, p. 427 e 508).

Em sua função normal e predominante, a Câmara Municipal elabora leis, isto é, normas abstratas, gerais e obrigatórias de conduta. Esta é sua destinação específica, bem diferente da do Executivo, a quem cabe a prática dos atos concretos de administração (ob. cit., p. 429).

O tema em debate diz respeito à participação do Poder Executivo no processo legislativo, especificamente na possibilidade de se conferir efeito restaurador ao veto, nas hipóteses de emendas supressivas, aditivas e modificativas ao texto original de lei de sua iniciativa privativa.

O Poder Executivo participa do processo legislativo, na fase introdutória quando toma iniciativa de provocar o legislativo a deliberar, e, na fase constitutiva através do exercício do veto ou da sanção (deliberação executiva).

Apresentado o projeto pelo Chefe do Poder Executivo, está exaurida a sua atuação. Abre-se, então, o caminho para a fase constitutiva da lei, que se caracteriza pela discussão e votação públicas da matéria.

Nessa fase se sobressai o poder de emendar, prerrogativa inerente à função legislativa do parlamentar, limitadas apenas quanto ao seu exercício às restrições impostas, em numerus clausus, pela Constituição Federal.

A limitação ao poder de emendar projetos de lei de iniciativa reservada do Poder Executivo existe no sentido de evitar: (a) aumento de despesa não prevista, inicialmente; ou então (b) a desfiguração da proposta inicial, seja pela inclusão de regra que com ela não guarde pertinência temática; seja, ainda, pela alteração extrema do texto originário, que rende ensejo a regulação praticamente e substancialmente distinta da proposta original.

Ultrapassada a fase de deliberação parlamentar, o projeto de lei é remetido à deliberação executiva, onde será analisado pelo Chefe do Executivo, para fins de veto ou sanção.

O veto pode ser total ou parcial. O veto parcial somente pode alcançar o texto integral de artigo, parágrafo, de inciso ou de alínea. Não pode recair apenas sobre palavras, frases ou conjunto de palavras de uma unidade normativa. Busca-se prevenir, assim, a desfiguração do teor da norma, que poderia decorrer da supressão de alguns de seus termos. De outro lado, em virtude da alteração operada, o Chefe do Executivo estaria se transformando em legislador.

Pelos mesmos motivos, nem se pode cogitar da possibilidade do veto adicionar algo no texto do projeto de lei.

Resta, então, evidente e lógico que o ato normativo impugnado é compatível com o sistema previsto constitucionalmente para o processo legislativo e assegura e dá suporte ao princípio da independência e separação dos poderes.

Não se pode admitir que, nos projetos de lei de iniciativa privativa do Executivo, a proposta inicial tenha espécie de efeito repristinatório, com caráter de lei, em virtude da manutenção do veto à determinada unidade normativa fruto de alteração parlamentar por supressão ou modificação do texto original.

O veto atinge todo o artigo, inciso ou parágrafo e não restaura a propositura inicial suprimida ou modificada. O texto original modificado por ocasião da deliberação parlamentar não se restaura porque lhe falta requisito de existência, uma vez que não resultou de aprovação da casa legislativa, estando ausente a manifestação de vontade apta a fazê-lo ingressar no mundo jurídico.

A pretensão do requerente é contrária à sistemática constitucional que rege o processo legislativo. Violaria, ainda, o princípio da separação dos poderes, pois conferiria um caráter autocrático ao processo legislativo de iniciativa do Poder Executivo, eliminando e tornando ineficaz o poder de emendar, prerrogativa inerente à função legislativa do parlamentar.

Se o resultado da produção legislativa não atende ao interesse do Poder Executivo, este pode se valer do veto jurídico ou político a todo ou parte ao projeto de lei aprovado pelo Legislativo, buscando suprir eventuais lacunas através de nova provocação legislativa.

Ausente qualquer ofensa aos princípios da legalidade, razoabilidade e interesse público.

Diante de todo o exposto, o parecer é pela improcedência do pedido, reconhecendo-se a constitucionalidade do parágrafo 6º do artigo 46, da Lei Orgânica do Município de Martinópolis.

 

São Paulo, 26 de agosto de 2012.

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

aca