Parecer
Autos nº. 0063115-78.2012.8.26.0000
Requerente: Prefeito do Município de Ubatuba
Objeto: Lei nº 3.478, de 14 de fevereiro de 2012, do Município de Ubatuba
Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida por Prefeito. Projeto de autoria de Vereador. Matéria reservada ao Chefe do Poder Executivo, que cuida do gerenciamento administrativo. Planejamento e ocupação do solo urbano da cidade. Violação do princípio da separação dos poderes. Ofensa aos artigos 5º e 144 da CE. Vício de iniciativa. Parecer pela procedência da ação.
Colendo Órgão Especial,
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente:
Cuida-se de ação direta objetivando a
declaração de inconstitucionalidade da Lei nº 3.478, de 14 de fevereiro de
2012, do Município de Ubatuba, que “declara como de Especial Interesse Social,
para fins de urbanização e regularização, as áreas que menciona e dá outras
providências”.
Argumenta o
autor que essa lei, de iniciativa parlamentar (e promulgada pelo Presidente da
Câmara, após derrubada de veto total), importa usurpação de atribuições
próprias do Poder Executivo, incidindo em vício de iniciativa.
Foi indeferida
liminar para suspensão da eficácia do ato normativo por ausência de periculum in mora (fls. 17/18).
A Câmara Municipal prestou informações
defendendo a constitucionalidade da lei (fls. 31/87).
A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato
impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 27/29).
Este é o breve resumo do que consta dos autos.
A questão deve ser analisada à luz dos arts. 5º e 144, ambos da
Constituição Estadual.
A Lei
nº 3.478, de 14 de fevereiro de 2012, do Município de Ubatuba, que “declara como de Especial Interesse
Social, para fins de urbanização e regularização, as áreas que menciona e dá
outras providências”, assim dispõe:
“Artigo 1º - Ficam
declaradas para fins de urbanização e regularização, no âmbito do Município de
Ubatuba, como Áreas de Especial Interesse Social, as áreas urbanas e rurais que
necessitem de regularização fundiária, ambiental e urbanização em conformidade
com a Lei Federal nº 11.977, de 7 de julho de 2009.
Artigo 2º - Serão
declaradas apenas uma área por habitante no território municipal.
Artigo 3º - Esta
Lei entra na data de sua publicação”.
Resulta claro, da simples leitura do
texto da Lei nº 3.478, de 14 de fevereiro de 2012, do Município de Ubatuba, que
o Poder Legislativo adentrou na competência material e exclusiva do Poder Executivo,
pois claramente emitiu comando que interfere na administração municipal, ao declarar
áreas de especial interesse social para fins de urbanização e regularização.
São confiadas ao Poder Executivo e ao
Poder Legislativo funções diferenciadas e independentes, de acordo com a
estrutura da organização política da República, inclusive quanto ao município,
que é sua parte integrante. Bem por isso a Constituição Federal procurou
estabelecer as atribuições do Poder Executivo e do Poder Legislativo, fixando
funções adequadas à organização dos poderes, no que foi seguida pela
Constituição do Estado de São Paulo.
O Prefeito, enquanto chefe do Poder
Executivo, exerce tarefas específicas à atividade de administrador, tendente à
atuação concreta, devendo planejar, organizar e dirigir a gestão das coisas
públicas.
Em sua função normal e predominante sobre
as demais, a Câmara elabora leis, isto é, normas abstratas, gerais e
obrigatórias de conduta. Esta é a sua função específica, bem diferenciada da do
Executivo, que é a de praticar atos concretos de administração. Por meio da edição de leis, a Câmara ditará
ao prefeito as normas gerais da administração, sem chegar, no entanto, à
prática administrativa. Eis aí a distinção marcante entre a missão normativa da
Câmara e a função executiva do prefeito; o Legislativo delibera e atua com
caráter regulatório, genérico e abstrato; o Executivo consubstancia os
mandamentos da norma legislativa em atos específicos e concretos de
administração (Cf. Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro, Malheiros,
14ª. ed., 2006, pág. 605).
Aplicado esse raciocínio ao caso em
exame, temos que a tarefa de declarar de especial interesse social áreas
urbanas e rurais do município, para fins de urbanização e regularização, é
privativa do Prefeito, que, no exercício dessa atividade, de natureza
tipicamente administrativa, não pode sofrer nenhum tipo de interferência indevida
do Legislativo local.
Bem a propósito, ao examinar essa
questão, o Plenário desse Egrégio Tribunal de Justiça, em antigo aresto
relatado pelo eminente jurista Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, concluiu que:
“... constituem matéria legislativa as regras imperativas, gerais e abstratas que diferenciam as construções de habitações das de comércio e indústria, e, ainda, distinguem as habitações, as casas comerciais e industriais, em diversos tipos, e, a final, prescrevem restrições ao direito de construir, conforme a zona residencial, comercial ou industrial e de forma mais ou menos rígida, segundo critérios exclusivos ou de predominância. E mais, constituem matéria legislativa as regras imperativas gerais e abstratas que determinam recuos, estabelecem alturas de prédios, normas sobre fachadas e gradis. Enfim, as que estabelecem as regras imperativas gerais e abstratas de zoneamento. Já a especificação de uma via pública, no seu todo ou em parte, se estrita ou prevalentemente residencial é obra administrativa, atividade concreta e específica de caráter casuístico, em função do desenvolvimento local, das exigências dos bairros, das manifestações dos próprios logradouros públicos, em consonância com a fisionomia que assume no seu evolver, suscetível de se modificar por exigências urbanísticas do Município, interesse dos munícipes, só possível de ser bem sentidos pelo Executivo, no seu quotidiano contacto com a vida da cidade, atuando em matéria da sua alçada administrativa, particularizando a lei” (TJSP, Pleno, RT 289/456).
No mesmo sentido é a lição de Hely Lopes Meirelles:
“a lei estabelecerá as diretrizes, os critérios, os usos admissíveis, tolerados e vedados nas zonas previstas; o decreto individualizará as zonas e especificará os usos concretamente para cada local. O zoneamento, no seu aspecto programático e normativo, é objeto de lei, mas na sua fase executiva - em cumprimento da lei - é objeto de decreto” (Cf. ob. cit., pág. 553/554).
Resumindo o ponto até aqui analisado: o
conteúdo da lei impugnada é próprio de ato administrativo, de responsabilidade
do Prefeito e, portanto, de sua exclusiva iniciativa. A atividade do
Legislativo invade a seara a este reservada e incide em inconstitucionalidade,
por ofensa ao artigo 5º, caput, da Constituição do Estado de São Paulo.
Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 3.478, de 14 de fevereiro de 2012, do Município de Ubatuba, que “declara como de Especial Interesse Social, para fins de urbanização e regularização, as áreas que menciona e dá outras providências”.
São Paulo, 11 de junho de 2012.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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